O novo Congresso estadunidense será o mais representativo para as mulheres da história. Nas eleições legislativas dos Estados Unidos, realizadas no dia 06 de novembro, o número de eleitas foi recorde: 118. Dessas, pelo menos 42 são negras e três são LGBT+. Na Câmara, as mulheres conquistaram o número inédito de 98 das 435 cadeiras – até então ocupavam 84.
Parte desse grupo se diz inspirado pelo movimento #MeToo e faz resistência ao governo de Donald Trump. Para que o resultado fosse esse, houve também um número recorde de mulheres candidatas. Elas foram 277 mulheres na corrida à Câmara dos Deputados e ao Senado dos EUA nos partidos Democrata e Republicano. Também foi uma vitória da diversidade, com as primeiras representantes indígenas e muçulmanas vencedoras nas urnas.
O quê favoreceu e impulsionou a vitória das mulheres nos EUA? Que similaridades podemos observar entre o crescimento da presença de mulheres nos congressos brasileiro e estadunidense neste ano? A Gênero e Número entrevistou a doutora em ciência política e professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Débora Figueiredo Mendonça do Prado, que tem dedicado sua pesquisa ao tema gênero e política nos Estados Unidos, no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA.
Leia a seguir trechos da entrevista.
GÊNERO E NÚMERO: As mulheres conquistaram mais assentos do que nunca no Legislativo dos Estados Unidos, depois de um número recorde de candidaturas em todo o país. O que favoreceu e impulsionou essa vitória das mulheres?
Débora Prado: O movimento de resistência ao governo Trump certamente impulsionou o resultado das eleições, destacando aqui a campanha realizada pela Marcha das Mulheres para o aumento da candidatura de mulheres nas eleições de meio de ano através da campanha “Power to the Polls” e o impacto do movimento contra o assédio, o #Metoo, que ocorreu nos Estados Unidos.
GÊNERO E NÚMERO: No Brasil, o número de mulheres eleitas cresceu 51% na Câmara dos Deputados e 35% nas Assembleias Legislativas no mesmo momento em que Jair Bolsonaro, um político conhecido por suas falas depreciativas e violentas sobre mulheres, foi eleito presidente do país. Você identifica similaridades entre os momentos políticos que Brasil e Estados Unidos estão vivendo?
Débora Prado: São países com história e estrutura política bastante distintas, mas o hiato na participação das mulheres na política é marcante nos dois países, com um percentual de 15% de mulheres no Congresso brasileiro e os Estados Unidos com 20%. As raízes são históricas e estão relacionadas aos estereótipos de gênero que reforçam em nossa sociedade que o lugar da mulher não é o espaço público tampouco espaços de poder. O movimento neoconservador nos Estados Unidos também é muito forte contribuiu para alavancar a candidatura e a eleição de Donald Trump.
Além de maior representatividade feminina, das 118 mulheres eleitas na Câmara estadunidense,42 são negras e três são LGBT+. Qual a importância de mais diversidade racial e de gênero na política dos Estados Unidos?
Tivemos também a eleição da primeira mulher indígena no Congresso norte-americano. A representatividade das minorias [políticas] ainda é baixa, mas é uma vitória muito importante. A maior diversidade e representatividade das minorias na política é mecanismo fundamental para a democracia e para a implementação de uma agenda que leve em consideração as necessidades destas minorias além de buscar uma maior diversidade que reflete a nossa sociedade.
Em todo o país, mais de 150 pessoas abertamente LGBT+ foram eleitas para os Legislativos federal e municipal. O que levou a essa onda de vitórias e o que ela significa, inclusive sobre o eleitorado, neste momento nos EUA, em que há ataque frontal do governo Trump a direitos LGBT+?
A derrota da Hillary [Clinton] contribuiu para que a oposição buscasse uma frente ampla contra os retrocessos do governo Trump, que foi amplamente divulgada com as manifestações da Marcha das Mulheres, buscando uma abordagem interseccional, construindo uma pauta coletiva que incluiu também demandas de todas as minorias. A vitória aconteceu no Congresso e o partido Democrata conquistou alguns estados norte-americanos. Apesar disto, os republicanos são maioria no Senado e há uma percepção de que a vitória não foi tão expressiva quanto o esperado. Mas, representa o fortalecimento dos movimentos de resistência por parte da sociedade norte-americana.
As mulheres também se destacaram no Executivo: elas venceram em nove estados, e antes governavam seis. Enquanto isso, no Brasil apenas uma mulher foi eleita para o governo estadual neste ano, mesmo cenário de 2014. Por que as mulheres conseguem avançar nesse mesmo nesse governo dos Estados Unidos, e não vemos tamanha expressividade no Brasil ainda?
É possível traçar paralelos, mas o Brasil possui especificidades importantes, inclusive quando consideramos a própria autonomia dos governos estaduais. A maior representação das mulheres nos Estados Unidos não pôs fim aos problemas da desigualdade de gênero, da subrepresentatividade das mulheres. Há um longo caminho a percorrer.
Qual é a importância de mulheres, pessoas LGBT+ e pessoas negras conquistarem postos nos sistemas político-partidário estadunidense e brasileiro nessas últimas eleições?
É essencial. Vivemos uma sociedade plural e nossos representantes devem refletir esta pluralidade. As mulheres, pessoas LGBT+ e população negra são historicamente silenciadas, marginalizadas e é fundamental ampliar os espaços de representação respeitando o lugar de fala destas minorias. Ocupar os espaços públicos é fundamental para a consolidação da democracia e também para enfrentarmos o problema do preconceito, da desigualdade, da intolerância e avançarmos para uma sociedade mais justa e com justiça social.
*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número.
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