quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Amélie e outros personagens para tirar o estigma dos transtornos de personalidade

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Cinco referências da ficção para falar sobre transtornos que afetam de 6% a 10% da população

LUCÍA ETXEBARRÍA
3 DEZ 2018
trastornos personalidad

1.Quando falamos de psicopatologia ou distúrbios de personalidade, os mortais comuns tendem a pensar em perigo. Isso acontece porque a cultura popular, especialmente nos filmes, construiu uma associação muito perigosa entre doença mental e comportamento antissocial. Falsa como uma moeda de euro de madeira. "A verdade é que, de perto, todos somos loucos", garante Marcelo Mendes, psicólogo clínico, diretor da UNIPSI e professor universitário. "O que chamamos de loucura não é nada mais que a experiência subjetiva de um ser humano, por isso, uns mais, outros menos, todos nós passamos por isso alguma vez. Além disso, cada sociedade a define de uma maneira. Um esquizofrênico seria chefe de tribo no Brasil porque ele ouve vozes de espíritos e se conecta com o futuro, mas ele é um doente em nosso sistema capitalista, porque não é produtivo". Em qualquer caso, por intermédio de Mendes, vamos tentar brincar de diagnosticar personagens familiares do cinema. Mas... não se esqueça de que é um jogo e não tente fazer isso em casa! Isto é, nunca com pessoas reais. O objetivo deste jogo será tirar o estigma da palavra "psicopatologia", que inclui vários tipos de transtornos que afetam, de acordo com a Classificação Internacional e Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, entre 6% e 10% da população. Na realidade, qualquer personagem é suscetível de sofrer um distúrbio de personalidade. A verdade é que a maioria dos personagens fictícios sofre de algo, porque um típico truque de roteiro para dar profundidade a um personagem é lhe atribuir um transtorno.

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2. James Bond e a psicopatia 
Ele é o perfeito psicopata integrado. No total, 1% da população tem esse perfil predatório em diferentes graus. Quando imaginamos um psicopata vêm à mente personagens como Hannibal Lecter ou Anton Chigurh (Javier Bardem), o implacável assassino de 'Onde os Fracos Não Têm Vez'. Mas você não precisa assistir a filmes para conhecer um cara com essas características: estamos cercados por eles. Os psicopatas não criminosos têm sangue frio –no caso de James Bond, uma companheira ou duas é morta em todos os filmes, não importa, em seguida ele procura outra--, são carismáticos e irresistíveis, costumam ser animais selvagens na cama (o que podemos dizer sobre Bond), são promíscuos (007 tem uma namorada em cada filme, e várias outras amantes, de passagem), são viciados em adrenalina, adoram o risco ... "James Bond é um personagem fictício. Na vida real seria mais provável falarmos de um banqueiro ou personagens envolvidos em esquemas de corrupção de alto escalão. O que os define é que são pessoas sem empatia. Na verdade, em vez de falar de psicopatas, falaríamos mais de personalidades com traços psicopáticos. Estes indivíduos normalmente não vão a consultas, em vez disso, vão aqueles que cruzaram com eles, para seu mal. No entanto, nós, os profissionais, estamos começando a entender que o espectro da psicopatia é muito mais amplo do que acreditávamos, e certamente não tem nada a ver com o que o cinema e a cultura popular refletem”, diz o dr. Mendes.

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3. Jack Sparrow e os transtornos da personalidade histriônica e narcisista 
Ele poderia receber um diagnóstico cruzado. Dois distúrbios em um eixo multiaxial: personalidade histriônica e personalidade narcisista. Sente a constante necessidade de alimentar suas fantasias de grandeza e autoestima com atitudes e comportamentos exagerados. Por exemplo, quando o conhecemos no primeiro filme, ao chegar ao porto sobre o mastro de seu barco. Como um bom narcisista, é viciado (ao álcool, no seu caso) e exibe comportamento e roupas extravagantes destinados a chamar a atenção, uma outra das características destacadas na quinta edição do Manual Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5). "Os narcisistas usam uma máscara durante todo o dia. Em relação a sua necessidade excessiva de admiração, sua expressão emocional é falsa, com muita teatralidade e exagero. Ao contrário da crença popular, são pessoas que sofrem muito porque são realmente viciadas na atenção dos outros, mas os outros não percebem, nem eles querem que saibam. O problema é que, acima de tudo, fazem os outros sofrerem", diz Marcelo Mendes.

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4. Amélie e o transtorno da personalidade evitativa 
Amélie Poulain é filha de pai abandonador e mãe superprotetora. Ela é extremamente tímida e tem problemas para se conectar com os outros. Teve apenas um namoro curto e catastrófico. Quando fazia sexo, de alguma forma era incapaz de sentir prazer. E quando se apaixona profundamente por Nino, não faz nada além de colocar testes e barreiras entre os dois. Este personagem vive em um filme e também em Paris, e no final tudo se resolve e tudo é poético e bonito, “mas, na vida real, o cotidiano de uma pessoa com um transtorno de personalidade esquiva não é nada fácil. As personalidades evitadoras adotam muitos papéis e aparecem em muitos disfarces, mas têm uma coisa em comum: evitam a intimidade. Foram profundamente feridas e não se expõem a voltar a ser. Quando uma pessoa deste tipo aparece em terapia, geralmente vem por causa das consequências, porque não conseguem entrar em relacionamentos ou porque se sabotam, mas não percebem que são evitativas: descobrem na minha consulta", explica Mendes.

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5. Voldemort e o transtorno da personalidade antissocial 
Transtorno de personalidade antissocial. Como o mau da ficção, mente, rouba, mata e basicamente desafia qualquer norma social e comportamental, violando os direitos dos outros em favor dos próprios. Um padrão que começa, como no caso de Voldemort, na infância ou na puberdade e se torna crônico na idade adulta. Enfim ... o que se pode esperar de alguém que foi amamentado por uma cobra? "Como em todo transtorno, há uma complexa interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, mas, do meu ponto de vista, não se pode compreender um transtorno desses sem compreender, em muitos casos, de onde veio essa pessoa, de que família altamente disfuncional ou entorno desestruturado", diz Mendes. "São muitas vezes indivíduos que tiveram pais hostis que interagiam com eles através de abuso ou maus tratos. Eu entendo que nunca devemos desistir de alguém e que, em princípio, toda pessoa pode ser o resultado de suas circunstâncias e pode mudar. Em muitos casos, o comportamento antissocial é o resultado da própria sociedade hostil que o fomenta.” No curto prazo, é tratado com terapia cognitivo-comportamental, estabilizadores do humor e antidepressivos, mas não para aquele que não apresentem evidências de que algum tratamento resultará em melhoria a longo prazo, de acordo com um manual de psiquiatria escrito por especialistas da Escola de Medicina de Harvard e do Instituto McLean (EE UU).

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6. Harry Potter e o transtorno por estresse pós-traumático 
Seus pais morrem, seus tios te maltratam, seu amigo é morto diante do seu nariz, você tem que passar a vida inteira de um duelo para outro ... Não há dúvida de que sofre de estresse pós-traumático (TEPT), uma desordem que, de acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos e o Instituto Nacional para o Transtorno por Estresse Pós-Traumático (EUA), cerca de sete ou oito em cada 100 pessoas sofre em algum momento de suas vidas. Este é o motivo de seus muitos pesadelos e alucinações. Mesmo um muggle [na saga, humanos sem poderes mágicos] pode entender que as pessoas que experimentam um evento traumático sofrido ou presenciado --porque o sofreu ou testemunhou-- carrega as consequências por um longo tempo. Em 'Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban', os dementadores empurram Harry, sugando as memórias felizes, para que reviva a morte de seus pais. É a melhor metáfora do TEPT. "Harry é um personagem fictício, mas os sobreviventes de um evento traumático são como Harry, no sentido de que sofrem de hipervigilância: reagem rapidamente e estão sempre na defensiva, prontos para lutar. Na vida real, qualquer coisa pode ser um dementador, um gatilho que desencadeia memórias daquele episódio. Há um ditado argentino que resume tudo”, observa Mendes: “Quem se queimou com leite, quando vê UMa vaca, chora”.

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7. A Pequena Sereia e o Transtorno da Acumulação Compulsiva 
Sofreria de disposofobia ou transtorno de acumulação compulsiva: o hábito patológico de armazenar objetos, geralmente inúteis, sem reconhecer isso, explicam na Clínica Mayo. Sua mania de coletar coisas de cada navio naufragado que encontra poderia ser, na realidade, o começo de uma síndrome de Diógenes que já se manifesta na adolescência. Tem 20 saca-rolhas e nem sabe para que servem! "Recebemos muitos adultos com Diógenes, mas geralmente não temos adolescentes disposofóbicos porque a família os controla ou até acham bonitinho", diz Mendes. "Eu conheço o caso de uma menina que tem centenas de bichos de pelúcia e às vezes dorme no chão. É uma forma adaptativa da solidão. A pessoa se cerca de coisas para se sentir protegida, para criar para si uma espécie de família de substituição." Ariel também tem problemas de relacionamento com seus pares (ela não entende suas irmãs ou seu mundo e se apaixona por um príncipe inatingível). O filme da Disney termina bem, mas o conto de Andersen em que se baseia acaba muito mal. "Na vida real, isso só acaba bem se você fizer terapia, é claro, porque a disposofobia se torna crônica", diz o psicólogo clínico.

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