Para não dizer que a tímida reforma da Justiça criminal dos EUA não falou das mulheres, a “Lei Primeiro Passo” (First Step Act) proibiu algemar presas durante o parto e incluiu um dispositivo vago, requerendo que as prisões ofereçam “suprimentos de saúde femininos” — como se isso não existisse antes. E foi só.
Algemar mulheres grávidas é um problema, mas não é o mais grave entre aqueles que as mulheres encarceradas enfrentam no sistema prisional. É mais grave, por exemplo, a falta de cuidados reprodutivos e de tratamento pré-natal e pós-natal, diz a advogada Briana Williams, membro do conselho da organização Children’s Rights (Direitos das Crianças), em artigo para o site BuzzFeed News.
Algemar mulheres grávidas é um problema, mas não é o mais grave entre aqueles que as mulheres encarceradas enfrentam no sistema prisional. É mais grave, por exemplo, a falta de cuidados reprodutivos e de tratamento pré-natal e pós-natal, diz a advogada Briana Williams, membro do conselho da organização Children’s Rights (Direitos das Crianças), em artigo para o site BuzzFeed News.
A qualquer tempo, de 6% a 10% das mulheres encarceradas estão grávidas, de acordo com um relatório do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas. Apesar de a gravidez ser de alto risco em muitos casos, apenas 54% das presas recebem tratamento pré-natal, de acordo com outro relatório, do Birô de Estatísticas Judiciais.
Depois do parto, a maioria das mães encarceradas só pode ficar com o bebê por 24 horas — e a criança é separada da mãe, não importa quanto sofrimento isso possa causar a ela. Isso vai na contramão do que a nova lei proclama, que é a necessidade de reduzir reincidências no crime. Já está comprovado que tal separação causa traumas psicológicos na mãe, o que se traduz em maior risco de reincidência no futuro.
A lei também ignora a importante conexão entre traumas e encarceramento feminino, diz a advogada. O aumento de prisões nas últimas duas décadas se deve, em grande medida, à execução de pequenos delitos, que derivam de experiências de abuso e traumas. E, obviamente, esses fatores são fortemente ligados à criminalidade feminina.
Há evidências de que muitas mulheres cometem atos agressivos ou violentos por revolta acumulada contra a violência doméstica e o abuso sexual. Alguns estudos já revelaram que pelo menos metade das mulheres presas sofreu algum tipo de abuso físico ou sexual. De maneira geral, 98% das presas têm uma história de trauma para contar, diz.
Um estudo da American Civil Liberties Union (Aclu), cuja missão é “defender e preservar os direitos e liberdades individuais”, chegou a uma conclusão semelhante. O estudo, feito em prisões femininas da Califórnia, mostrou que 92% das encarceradas sofreram traumas físicos ou sexuais antes de cometer um delito.
Apesar dessas e outras evidências, a nova lei não traz nem mesmo uma solução superficial para os problemas que o sistema causa às mulheres. Por exemplo, as presas não têm qualquer privacidade no banheiro e, muitas vezes, são vigiadas por carcereiros — não por carcereiras. Além disso, sofrem, com alguma frequência, abusos sexuais por parte das autoridades correcionais, segundo o estudo.
O governo Obama aprovou algumas poucas leis para reduzir a população carcerária nos EUA, como a Lei do Sentença Justa (Fair Sentencing Act). Essas leis também negligenciaram o lado feminino da história, como se pôde constatar pelos resultados. Entre 2009 e 2015, o número de prisioneiros no país caiu mais de 5%; mas o número de prisioneiras caiu apenas 0,29%.
Para a advogada, os resultados da Lei Primeiro Passo serão similares, porque a nova medida legislativa não incorpora as diferenças entre as experiências de vida que impelem homens e mulheres para o sistema de Justiça criminal do país.
Ela sugere que os legisladores federais deveriam aprender com os legisladores de alguns estados. O estado de Nova York, por exemplo, aprovou a lei “Sobreviventes da Violência Doméstica”, que obriga os operadores do Direito (e os jurados) a levar em conta a história de abusos sofridos pela ré como circunstância atenuante na investigação de um crime e no julgamento.
Segundo a advogada, enquanto os legisladores não levarem em conta as experiências únicas das mulheres, ao criar leis que visam reduzir a população carcerária do país e melhorar o sistema de Justiça criminal, tudo o que vão fazer é aprovar legislações que não podem ser entendidas como mais do que o “primeiro passo”.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
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