O avanço da neurociência e da fisiologia (o estudo das funções e processos químicos do corpo humano) não serve apenas para pesquisas científicas, mas também para entendermos comportamentos típicos de etapas-chave da nossa vida - como a adolescência.
Fernando Louzada, doutor em Neurociência e professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná, notou isso na prática, por exemplo, quando seu filho de 18 anos ficou desesperado com um atraso no voo que o faria perder um episódio de Game of Thrones. "Posso achar isso imaturo, mas é um fato. Não podemos esperar do adolescente reações adultas, porque não há estrutura neural para que isso aconteça", explica Louzada à BBC News Brasil.
O neurocientista fez recentemente uma concorrida palestra na feira educacional Bett, em São Paulo, para discutir: como entender o cérebro adolescente e aproveitar mais a grande potencialidade dessa fase da vida?
Entender o cérebro em mutação
No cérebro, explica Louzada, a adolescência é uma etapa "tanto de mais vulnerabilidade quanto potencialidade". "É um período em que ganhamos algumas conexões neurais e perdemos outras, reforçando alguns circuitos. Construímos estruturas cerebrais que são importantes para toda a vida."
Um dos fatores-chave por trás disso é um processo chamado de mielinização, que só se completa depois dos 20 anos. Trata-se da aquisição de mielina - substância que faz os impulsos nervosos andarem mais rápido - pelos neurônios. Em algumas áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal, essa mielinização demora mais para acontecer. E essa área é justamente a que controla nossa impulsividade, a avaliação de riscos de nossas ações, o planejamento e o processamento de emoções.
Isso ajuda a explicar por que os adolescentes são mais impulsivos e menos capazes de prever a consequência de seus atos. Seus cérebros simplesmente ainda não têm essa capacidade regulada.
"Temos, então, jovens que são maduros sexualmente e imaturos emocionalmente. (...) A tendência é de eles serem mais influenciados pelos pares e a (comportamentos de) risco", explica Louzada. "Eu, como pai, me preocupo em emprestar o córtex pré-frontal para o meu filho, de avaliar prós e contras, ponderar riscos. E o momento do 'não' é fundamental."
Mas como convencer o adolescente disso? "Se eu soubesse a reposta disso eu venderia", brinca o neurocientista.
"Mas adolescentes estão abertos a argumentos e evidências. Temos informações que podem ser mostradas a eles. Ao dizer um 'não', podemos ouvir que 'você quer acabar com o meu prazer', então a chave é mostrar que você está aberto a ele, é um aliado dele e da sua saúde."
Para a cientista americana Frances Elizabeth Jensen, do Departamento de Neurologia da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, explicar aos adolescentes o funcionamento - e as debilidades - de seu próprio cérebro é um bom ponto de partida.
"Os adolescentes estão tentando entender a si mesmos", disse ela em entrevista à revista Time. "É ótimo ter explicações sobre por que você fez aquela coisa idiota na frente dos seus amigos. Acho que falar sobre isso dá a eles mais entendimento."
Jensen sugere ensinar, também, que a biologia do cérebro adolescente o torna muito mais suscetível que um adulto às drogas, as quais interferem no aprendizado e na memória. "Os adolescentes conseguem aprender com mais força e rapidez, mas também se viciam com mais força e rapidez", agregou.
Construir autonomia e respeitar sentimentos
Conter a impulsividade enquanto incentiva a autonomia é um equilíbrio delicado, reconhece Louzada, já que a adolescência é também uma etapa crucial para construir o chamado "cérebro social", que nos permite entender sentimentos e intenções nossas e dos demais. E essas habilidades podem ser inibidas pelo excesso de nãos ou pela superproteção dos pais.
"Muitas vezes exageramos e impedimos o amadurecimento e a interação social. Como jovens que nunca pegaram um ônibus vão ter sensibilidade de o que está acontecendo na sociedade? A gente acaba não apresentando a realidade, as diferenças. Além disso, se para tudo dissermos 'não', os filhos deixarão de confiar nas nossas sinalizações de quando estamos no nosso limite", afirma Louzada.
O psicólogo Matthew Rouse, do instituto americano Child Mind, sugere que pais não protejam os filhos de todas as situações difíceis, mas sim ajam como seus guias nesses momentos e estimulem os comportamentos que considerarem positivos.
Por exemplo, diante de uma tarefa frustrante de matemática, Rouse sugere que os pais evitem o excesso de supervisão, sob o risco de desestimularem a autorregulação dos jovens. "Em vez de a criança (aprender a) reconhecer que está frustrada com a lição e descobrir como lidar com isso, ela sentirá que seus pais a estão frustrando ao forçando-a a fazer a tarefa", disse Rouse ao site da entidade.
A recomendação é que os pais deem ferramentas aos jovens para lidar com esses desafios, por exemplo ajudando-o a criar estratégias para resolver a tarefa ou ajudando-a a determinar momentos para um intervalo.
Para Louzada, as relações entre pais e filhos se beneficiariam de os adultos escutarem mais os adolescentes, sem julgar seus sentimentos.
"A gente aprende demais interagindo com adolescentes, com sua perspectiva e sua maneira de lidar com os problemas. (...) E precisamos pensar em nossa disponibilidade emocional para eles. De que modo estamos reagindo às tristezas, frustrações e alegrias deles? Não podemos tratar (suas angústias) como bobagem, mas sim tentar entender os valores que levam a isso."
Moderar o uso de celular e telas
Louzada ensina algumas perguntas para pais avaliarem se seus filhos estão usando celulares e outras telas em excesso: será que o adolescente em questão está passando mais tempo diante de telas do que interagindo com pessoas? Será que os meios digitais estão servindo mais para o lazer do que para os estudos? Será que o adolescente consegue interromper o uso do dispositivo com facilidade quando é hora de dormir ou de fazer refeições em família? Será que ele acorda à noite para checar o celular? (Louzada cita um estudo feito em Curitiba que apontava que uma grande quantidade de jovens se sentia compelida a checar o celular na madrugada).
Se as respostas a essas perguntas inquietarem os pais, é possível que o uso de digitais esteja excessivo. E esse excesso pode atrapalhar o desenvolvimento do córtex pré-frontal do cérebro, que depende, necessariamente, de interações humanas reais para alcançar seu potencial.
Além de estabelecer limites de hora para o uso, Louzada acha que os pais precisam mostrar que eles mesmos são capazes de encontrar prazer e diversão para além das telas - e distante delas. "Nas minhas oportunidades de férias (com o filho), eu ia para o mato, para o mar, longe de shopping centers e aparelhos digitais", diz o neurocientista. "Como estamos o tempo todo conectados, temos cada vez menos momentos de introspecção (de estarmos a sós com nossos próprios pensamentos), algo que é fundamental para o autoconhecimento."
Estimular com reforços positivos
Louzada diz que, desde a infância do seu filho, percebeu que a neurociência ensinou-o da importância do reforço positivo com coisas do dia a dia. Na prática, isso significa associar práticas e hábitos que sejam importantes aos pais a momentos prazerosos da interação com os filhos.
"Por exemplo, se os pais acham que a leitura tem valor, tem que ser prazerosa. Se a atividade envolver bronca e enfrentamento, será associada (pelo jovem) a algo desagradável", explica.
Cuidar do tripé comida, sono e atividade física
Outra descoberta de estudos neurocientíficos é que a qualidade do sono, da alimentação e dos cuidados com o corpo são essenciais para o aprendizado de adolescentes.
"Ao longo da infância e da adolescência, deficiências nutricionais podem comprometer a aprendizagem e reduzir o desempenho acadêmico de crianças", diz o documento Fatores fisiológicos que influem sobre a educação, da Rede Nacional de Ciências para a Educação (CpE), que tem Louzada como um dos autores.
"Crianças em situação de insegurança alimentar têm o dobro de chance de apresentar hiperatividade e problemas de atenção quando comparadas àquelas que vivem em situação de segurança alimentar. Um trabalho preliminar indicou até mesmo que a fome na infância pode ser um preditor de depressão e ideação suicida na adolescência e no início da idade adulta."
Também há, segundo Louzada, prova suficiente de que o "exercício físico diário estimula a formação e o crescimento de novos neurônios, o que melhora a cognição. Isso se traduz, por exemplo, em um melhor desempenho em matemática". Não precisa ser uma atividade física intensa ou totalmente estruturada, mas ela precisa ser incentivada em casa e na escola, todos os dias.
Segundo a CpE, "o exercício físico aeróbico é capaz de aumentar o estado de atenção em avaliações, com melhores resultados nas tarefas e compreensão mais clara da leitura".
Já o sono, para adolescentes, deve ser de no mínimo 8 ou 9 horas por dia para adolescentes, recomenda o NHS, sistema de saúde público britânico.
A CpE aponta que "problemas do sono estão associados à obesidade e ao aumento do risco cardiovascular" e que "o deficit de sono constitui um dos principais gargalos fisiológicos para o aprendizado", uma vez que, ao dormir, consolidamos memórias e repomos neurotransmissores.
O documento defende, também, mudanças nos horários escolares, "para atender as necessidades de sono dos estudantes".
"Há uma clara inadequação no horário de início das aulas. O horário das 7h da manhã, bastante difundido em nosso país, é inadequado, principalmente para adolescentes, que apresentam maior dificuldade para antecipar o horário de início do sono noturno", diz o texto.
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