terça-feira, 3 de setembro de 2019

Mulheres na Física: Porque POLITICAMENTE CORRETO é mais EFICIENTE ?

Marcia Crisitna Barbosa
Marcia C. Barbosa - Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
A professora Marcia e o professor David(*) após darem aula em uma escola de física em Varenna resolvem dar um passeio pelo lago de Como. Eles estão bem animados, pois parte do passeio seria ver o local onde ocorreu a filmagem do casamento secreto de Nakin e Padme no segundo episódio de Guerra das Estrelas. Enquanto esperam que o barco chegue ao local, David pergunta para Marcia: “A física sobreviveu até agora sem ter muitas mulheres, por que você acha que a física precisa de mulheres?” Marcia, uma militante da causa de mulheres na física, respira fundo e responde com uma nova pergunta: “Quando você tem uma posição disponível para estudante de doutorado ou pós-doutorado anuncia somente no seu instituto? O pessoal do seu instituto é tão bom, por que precisariam de pessoas de fora?’’ Ele prontamente diz que anuncia em todos os lugares, pois quer prospectar entre os melhores alunos do mundo e não somente entre potenciais estudantes em seu departamento. O pesquisador americano percebe que caíra em uma cilada. Acabara de responder o porquê de precisarmos de mais mulheres na física. Ao ampliar o espectro de busca de talentos, aumentam as chances de selecionar as pessoas mais adequadas para a tarefa. A física precisa de mulheres, pois é mais eficiente selecionar em 100% da população, do que em 50% dela.

A presença de mulheres na física ou em qualquer outra atividade não é uma questão de democracia, mas igualmente é um instrumento de excelência. Um estudo da consultoria McKinsey&Company [1] mostra que empresas com mais diversidade nos cargos de direção, CEO e conselho de administração, ganham mais dinheiro. Por que diversidade torna o sistema mais eficiente? São vários os fatores, dentre eles o fato de nos esforçarmos mais em ambientes compostos por pessoas diferentes de nós [2]. Um grupo diverso tem o potencial interessante de criar uma inteligência coletiva [3] capaz de ter “ideias fora da caixa’’.

As mulheres são afastadas da física desde muito cedo. Um estudo realizado com crianças em idade pré-escolar e escolar mostra que embora aos 5 anos crianças tenham uma visão mais equânime de gênero, aos 7 anos crianças consideram inteligência um atributo masculino e esforço uma qualidade feminina [4]. Meninas de 7 anos já compreendem que não vão encontrar brinquedos de laboratório na seção rosa das lojas de brinquedo. A sociedade aprincesa as meninas, afastando delas a aventura, a descoberta e, acima de tudo, a liderança. Não surpreende que menos de 20% dos estudantes de física sejam meninas. A surpresa é que, mesmo depois desta pressão social, alguma jovem curse física.
Um estudo realizado com estudantes universitários da disciplina introdutória de Física 1 mostra que as estudantes do sexo feminino que tiram conceito A (máximo) na disciplina tem uma autoavaliação similar a dos alunos do sexo masculino da mesma disciplina que tiraram conceito B (inferior a A). Quando estas jovens chegam em Física 2, acham que sabem tanto quanto os alunos que tiram C (conceito inferior a B) [5]. O que está acontecendo com estas jovens no setor acadêmico que diminui ainda mais a autoestima destas jovens? O projeto “Esse é meu professor’’ [6] do grupo Meninas na Ciência da UFRGS responde a esta pergunta. Ao longo da graduação as jovens ouvem de alguns docentes e de alguns colegas frases de desestímulos. Quando uma estudante ouve o professor dizer que “mulher só vem para a universidade para arranjar marido’’, ela compreende que aquele não é o lugar dela. Ela fica, então, suscetível a desistir, quando surgir o primeiro obstáculo. E no curso de física, dificuldades são regra, não exceção.
Marcia um dia perguntou para uma colega de muito sucesso o que era preciso para ter ascender na carreira de cientista. A colega enfatizou que capacidade de se impor era fundamental. Marcia ficou surpresa, pois a muitos de seus colegas homens tem um comportamento muito tímido e sobrevivem com muito sucesso na carreira. As mulheres, no entanto, precisam ter qualidades adicionais que as façam sobreviver a enxurrada de frases politicamente incorretas que culminam muitas vezes em formas de violência menos sutis como o assédio moral e sexual [7].

Este comportamento inadequado não se restringe ao campo das exatas. Um estudo pela Boston Consulting Group mostra que mulheres perdem mais a ambição que os homens ao logo da carreira [8]. Esta desmotivação não se dá por causa do marido ou dos filhos, mas por causa dos comentários “politicamente incorretos’’ dos colegas. São como mordidinhas de mosquito cotidianas que vão atormentando a pessoa até ela desistir da briga. No caso da física, os mosquitos começam a atacar as meninas na infância, nas outras carreiras iniciam quando a competição por cargos ocorre.

Muitos acham que dizer frases politicamente incorretas é uma forma de rebeldia contra uma sociedade que tenta impor padrões de comportamento. No entanto, quem defende isto está lutando para manter o seu espectro de competição o menor possível, eliminando mulheres, negros, gays … ou qualquer outro grupo. Não é rebeldia, é covardia. Ao dizer algo ofensivo e inadequado, sente a gratificação instantânea de quem se pensa superior. No entanto, poderá estar afastando da ciência quem iria realizar uma grande descoberta para a humanidade porque diversidade é sinônimo de eficiência.

Que este 8 de março seja o dia de transformar o luto pela perda de mulheres que desistiram da física em “eu luto para aumentar a diversidade na física’’.

(*) Nome fictício para proteger a privacidade do cientista
[1] Vivian Hunt, Sara Prince, Sundiatu Dixon-Fyle, Lareina Yee, Delivering through diversity, McKinsey&Company, 2018.
[2] Katherine W. Phillips, How Diversity Makes Us Smarter, Scientific American 311, 42
(2014).

[3] Anita Williams Woolley, Ishani Aggarwal and Thomas W. Malone, Collective Intelligence and Group Performance, Current Directions in Psychological Science 24, 420 (2015).
[4] Lin Bian, Sarah-Jane Leslie, Andrei Cimpian, Gender stereotypes about intellectual ability emerge early and influence children’s interests, Science 355, 389 (2017).
[5] Emily M. Marshman, Z. Yasemin Kalender, Timothy Nokes-Malach, Christian Schunn, 3 and Chandralekha Singh, Physical Review Physics Education Research 1414, 020123 (2018).
[6] https://www.ufrgs.br/meninasnaciencia/?page_id=445
[7] http://www.ouvidoria.ufscar.br/arquivo /PesquisaInstitutoAvon_V9_FINAL_Bx20151.pdf
[8] Katie Abouzahr, Matt Krentz, Frances Brooks Taplett , Claire Tracey and Miki Tsusaka, Dispelling the Myths of the Gender “Ambition Gap”, Boston Consulting Group report, 2018.

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