18/12/2019
É necessário que sociedade repense a normalidade com a qual encara o comportamento masculino violento, uma vez que ele afeta negativamente principalmente as mulheres, mas também os homens.
De acordo com o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo 61% delas mulheres negras e 52,3% dos assassinatos foram cometidos com arma de fogo.
Em 88,8% dos casos, o autor era o companheiro ou o ex-companheiro da vítima. Leia a reportagem do UNFPA Brasil.
As violências baseadas em gênero não chocam mais, não impressionam, são muitas vezes encaradas com uma pretensa normalidade e, desta forma, seguem sendo um grande desafio para o Brasil.
As intersecções do machismo com o racismo e o sexismo nos apresentam, em números, quantas vidas são perdidas. E o debate sobre masculinidades é fundamental para mudar a realidade vigente no país, apresentada, por exemplo, nos dados da 13ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A pesquisa mostra que, em 2018, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo 61% delas mulheres negras e 52,3% dos assassinatos cometidos por arma de fogo. Em 88,8% dos casos, o autor era o companheiro ou o ex-companheiro da vítima.
O Relatório de Situação da População Mundial 2019 (SWOP), lançado globalmente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e intitulado ‘Um trabalho inacabado: a busca por direitos e escolhas para todos e todas’, aponta que para alcançar o desenvolvimento e para que todas as pessoas desfrutem de direitos, a violência baseada em gênero precisa ser enfrentada.
Concorda com a perspectiva do documento o pesquisador Osmundo Pinho, referência no debate sobre masculinidades e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), instituição onde estudava a universitária Elitânia de Souza Hora, 25, que foi violentamente assassinada a tiros, a despeito de uma medida protetiva, em um caso suspeito de feminicídio, no interior da Bahia (confira nota pública de repúdio emitida pelo UNFPA Brasil).
Construção social e cultural
Pinho explica o conceito de masculinidades. “Em termos estritos, a masculinidade é uma performance política de poder, que investe em alguns corpos assinalados como ‘masculinos’ prerrogativas de poder que refletem a forma como as sociedades ocidentais têm construído a si próprias por meio de uma bio-lógica, que faz do corpo fundamento do poder”, explica.
O pesquisador disse também que a masculinidade “não é natural, nem unívoca, mas produzida em contextos históricos e reproduzida ritualmente no cotidiano”.
“Significa também que não existe uma masculinidade, mas diversas possibilidades desigualmente produzidas em contextos desiguais e tensionados politicamente. Pelo racismo por exemplo. Mas também pela norma heterossexual e pela formação das classes sociais e do Estado”, completa.
Segundo o pesquisador e integrante da Rede Afro LGBT, Nilton Luz, as pessoas são educadas para ocupar um lugar de gênero previamente estabelecido.
“O masculino é tido com o forte, protetor, servido. O feminino é o belo, frágil e cuidador. A noção de gênero, levada ao extremo, transforma a mulher em objeto a serviço dos homens, o que geralmente explica casos de homens que agridem as mulheres, ou as matam quando eles a deixam, como se ela não tivesse o poder de tomar tal decisão”, explica.
Nilton Luz ressalta que há muitas questões que estimulam a violência contra as mulheres e ocorrem em decorrência de padrões culturais, econômicos e políticos.
O pesquisador conta ainda que a construção das masculinidades tal qual são forjadas atualmente podem gerar “inúmeros problemas emocionais e psíquicos”, por conta de pressões sociais sofridas pelos homens e pelas mulheres.
“Desta forma, o homem é influenciado a naturalizar que a mulher ‘se faça frágil’ diante dele. Ou seja, um jogo social no mínimo desconfortável. E como é uma atuação, não se sustenta, levando desde as experiências comuns, de homens interrompendo as falas de mulheres, até à violência física e letal”, finaliza.
Paternidade Responsável
O ator e membro do conselho consultivo do Fundo de População da ONU, Érico Brás, estampa desde 2018 a campanha “Pai Presente Importa”, do UNFPA Brasil.
Para o ator, uma forma de discutir sobre masculinidades é falar sobre paternidade responsável e planejamento familiar. “Precisamos levar em consideração a paternidade que temos no Brasil, em especial para nós, homens negros”, reflete, sobre as conexões do machismo com o racismo e os impactos na população negra.
“Sabemos que o processo de fabricação de morte simbólica e física do homem negro está em andamento. Mas agora estamos dando uma virada, com consciência maior. Muitos de nós não tivemos uma paternidade exemplar. Mas queremos ter referências e precisamos construí-la”, enfatiza.
O ator, que é pai, acredita que os homens, negros em especial, necessitam observar quatro pontos para melhorar suas participações e cuidado às suas famílias: pontos de vista político, religioso, cultural e econômico.
“Esses quatro pilares são importantes para serem reavaliados e ressignificados para que possamos entender o nosso papel para promoção de direitos dentro dessa sociedade patriarcal e machista. Ou seja, é nossa responsabilidade agora a construção dos homens do futuro”, pontuou.
Por meio da campanha do UNFPA, o ator contribui na conscientização dos homens ao destacar a importância de acompanharem as mulheres durante toda gestação, estarem presentes no parto e no pós-parto, nos afazeres domésticos, no cuidado, no apoio e no acompanhamento de filhas e filhos ao longo de toda a vida.
Para o coordenador geral do Instituto Papai, Sirley Vieira, “masculinidade, no singular, é uma ideia atribuída e assumida por determinadas pessoas do que é ser homem. Os que assumem essa ideia de ser homem podem ser biologicamente do sexo masculino, ou não (homens trans)”, comentou.
“Não existe ‘uma masculinidade’, o que existe são ‘masculinidades’”, reforça e destaca que este tipo de percepção apenas normatiza a visão do que é ser homem.
“A maioria das pessoas não consegue entender a diversidade de formas de ser homem, como algo natural e normal, cobrando sempre o enquadramento a esse modelo de ser masculino. Isso ocasiona vários problemas e conflitos”, enfatiza o integrante da organização que reflete a invisibilidade da experiência masculina no contexto da vida reprodutiva e no cuidado às crianças.
Boas práticas para os homens
Vieira destaca que é preciso que os homens se aliem à luta pelo fim da violência contra as mulheres.
“É necessário que os homens repensem suas práticas, suas vidas, para refletirem sobre como esse padrão (ou modelo) de ser homem é prejudicial também à vida deles”, propõe o pesquisador do instituto, parceiro antigo do UNFPA, com projetos como Homens Também Cuidam.
O antropólogo sugeriu ainda um passo a passo de boas práticas para os homens: “É importante que tomem como atitude a mudança de pequenos hábitos, tais como aprender a escutar as mulheres e se colocarem dispostos a compartilhar o cuidado, seja das tarefas domésticas, das crianças, de outras pessoas, das suas próprias coisas e reconhecer suas fragilidades, não se achando superior. É aprender a dialogar”.
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