clima Saúde mental, outra vítima da mudança climática
As tensões e angústias acompanham toda pessoa que sofre um desastre. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Santiago de Cuba, Cuba, 23/11/2012 – “A cidade parecia bombardeada. Caminho para meu escritório, cruzo com pessoas que levavam em seus rostos o mesmo – diria dramático – espanto que eu. Nos olhávamos e, sem nos conhecermos, nos perguntávamos: como foi com você? Aconteceu alguma coisa com sua casa? Foi uma solidariedade afetiva muito importante para mim”. Este testemunho dado à IPS, por uma jornalista de Santiago de Cuba, coloca na balança um dos lados bons da reação coletiva após um desastre como o sofrido por esta cidade na madrugada do dia 25 de outubro, quando o furacão Sandy, apesar do alerta meteorológico e das advertências oficiais, surpreendeu boa parte de seus habitantes.
O valor econômico dos prejuízos ainda são desconhecidos hoje, quando a parte mais oriental do país cura suas feridas, graves de todos os ângulos. Mas existe também o impacto psicológico, do qual se fala menos e se vê nos olhos das pessoas quando contam: “perdemos nossa casa com móveis, eletrodomésticos, até as lembranças”. “Tive muito medo, me enfiei no armário quando o vento levou o telhado do meu quarto. Meus vizinhos me tiraram de casa e me ajudaram a atravessar a rua até onde haviam se refugiado outras famílias cujas casas estavam em muito mau estado”, contou à IPS Isabel da Cruz, de 70 anos, moradora de Guantânamo, outra área afetada.
Depressão, tristeza, angústia, desespero, incerteza e agressividade, todas estas são manifestações que acompanham as pessoas depois de um desastre em qualquer parte do mundo. “Imagine, nos deitamos com a bela e acordamos com a fera”, comparou um trabalhador do setor turístico cujo hotel onde é empregado foi totalmente destruído. “As pessoas estão deprimidas e desorientadas. Em muitas nota-se o desequilíbrio psíquico pelas perdas sofridas”, disse à IPS o sacerdote católico Eugenio Castellanos, reitor do Santuário da Caridad del Cobre, virgem padroeira de Cuba. O padre estima que 90% das casas do Cobre, localidade vizinha a esta cidade, sofreram o impacto do Sandy.
Juan González Pérez, por sua vez, disse à IPS que dias antes do furacão houve focos de violência em alguns lugares, especialmente na hora de comprar artigos em falta. “Ficamos muitos dias sem energia elétrica e começaram a vender ‘luz brilhante’ (querosene) para cozinhar. Embora houvesse o suficiente para todos, aconteceram discussões e brigas na fila. Quando as pessoas se desesperam, costumam ficar agressivas”, observou Pérez, mais conhecido por Madelaine, líder do espiritismo cruzado “muertero”, uma expressão de religiosidade popular nesse lugar. Segundo contou, aconselha aos seus seguidores “unirem-se, se lavar bem, dar a quem não tem e não se desesperar”.
Em Mar Verde, a praia por onde o Sandy tocou o território cubano a 15 quilômetros de Santiago, a médica Elizabeth Martínez atende mais de cem pessoas, abrigadas em cabanas de veraneio que, por estarem mais afastadas do mar, se salvaram do desastre. “O impacto psicológico é grande, mas não houve mortes e nem temos pessoas doentes”, contou. Pouco mais de uma semana depois da passagem do furacão, os esforços em matéria de saúde se concentravam fundamentalmente em conter focos epidêmicos. “Estamos dando informações sanitárias aos moradores, ensinando como cuidar de doenças transmissíveis, sobre a importância de descontaminar a água antes de beber”, informou a médica.
Segundo meios especializados, estima-se que entre um terço e metade de uma população exposta a desastres sofre algum tipo de problema psicológico, embora na maioria dos casos se deva entender como reações normais diante de eventos extremos, que sob o impacto da mudança climática ameaçam aumentar em intensidade.
“Quando encontrei meus vizinhos no abrigo, estávamos em choque. Mas alguém disse: vamos limpar a entrada que está bloqueada por essas árvores caídas. Então, começamos a trabalhar, embora no começo ninguém falasse”, contou uma mulher do setor turístico. Nos primeiros dias era possível ver muitas pessoas recolhendo escombros e varrendo as ruas de suas vizinhanças.
Diante da frequência e da maior intensidade dos ciclones tropicais, as autoridades de saúde, desde a década de 1990, começaram a se preocupar com o impacto psicológico dos desastres causados por esses e outros fenômenos naturais. Em 2008, quando o país sofreu três furacões, uma indicação ministerial fortaleceu a inclusão do tema nos planos sanitários. Em um artigo sobre o assunto, o médico cubano Alexis Lorenzo Ruiz explica que os aspectos psicossociais dos desastres são considerados tanto na capacitação do pessoal como na organização dos programas que chegam a todo o país e enfatizam a atenção a setores mais vulneráveis, como menores de idade, adolescentes e idosos.
Do ponto de vista da saúde mental, nos desastres toda a população “sofre tensões e angústias em maior ou menor medida, direta ou indiretamente”, afirmaram Katia Villamil e Orlando Fleitas, que recomendaram não se esquecer que o impacto nessas circunstâncias é mais acentuado em populações de escassos recursos. Estes profissionais afirmam que as reações mais frequentes vão desde as consideradas normais, como ansiedade controlável, depressão leve ou quadros “histeriformes”, até estresse “peritraumático”, embotamento, redução do nível de atenção, descompensação de transtornos psiquiátricos pré-existentes, bem como “reação coletiva de agitação”.
O furacão Sandy causou estragos não apenas em Santiago de Cuba, mas também nas províncias de Guantânamo e Holguín, com saldo de 11 mortos. O governo de Raúl Castro ainda não divulgou as perdas econômicas, embora dados preliminares e incompletos dos primeiros dias indicassem uma estimativa de US$ 88 milhões. Envolverde/IPS