terça-feira, 4 de março de 2014

A sala ideal para a minha idade.

Por Juliana Doretto

Na 'Visita de Domingo', Juliana escreve que o mundo real não é feito de 'caixinhas' onde todos devemos nos esforçar para caber

DE LISBOA

Prestes a fazer 33 anos, estou eu a ler matérias sobre decoração – adoro isso... – quando me deparo quando um texto que dizia algo como: “Veja como é a sala decorada para a sua idade”. Eis que na faixa dos 30 anos estava lá um belo exemplo de cômodo montado para um casal morando junto há poucos anos e já com um filho pequeno. Falava da necessidade de ter espaço para os brinquedos, de ter móveis resistentes, de se preocupar mais com a segurança das crianças do que com o design dos móveis.
Acontece que o texto não trazia uma segunda ou uma terceira opção: peças que podem ser úteis para os que estão – ou querem ser sempre – solteiros, para os casais sem filhos, para os que moram com amigos. É claro que a matéria ficaria tão complexa que talvez fosse necessário até mudar o conteúdo. Não seriam casas para as idades, mas sim para diferentes perfis. E mesmo assim, sabemos, faltariam outros tantos. Mas já seria algo mais honesto e real.
Certa parte do jornalismo tende a montar o mundo em caixinhas, como se todos nós tivéssemos de nos esforçar para nelas caber: “Como atingir o corpo perfeito”; “Como se livrar do estresse”; “Empreendedores contam a receita de seu sucesso”; “Veja o que deve usar para arrasar no próximo verão”; “Salto alto levanta a autoestima”... Se você tem 33 anos, é divorciada, sem filhos, mora num apartamento já mobiliado, não tem paciência para a academia de ginástica, acha que se não estiver estressada está trabalhando de menos, é bolsista, não consegue vestir certas peças “que todo mundo está usando”, e não gosta de salto alto, faz o quê?
O jornalismo funciona como um dos normatizadores da sociedade: as reportagens e colunas que lemos tendem a avaliar o que é aceitável ou não – e não somente na administração pública e na convivência social mas também em nossa vida pessoal. Há uma linha do que é “normal” ou “esperado”, que guia a escolha do que é reportável ou não.
Mas quantas mulheres têm a barriga “seca”? O que é, afinal, atingir o sucesso profissional? O que é estar na moda? Se tudo isso fosse apenas uma invenção do jornalismo, seria mais fácil driblar os mandamentos. Acontece que se trata de um círculo: o jornalismo constrói esses parâmetros baseado no que se passa na sociedade – e vice-versa. A sociedade espera algo para uma mulher da minha idade, e o jornalismo repete – e alimenta – essas expectativas.
Então, é isso, acabou o jogo? Penso que não. Como jornalistas, há que pensar que o mundo nem sempre cabe em quadradinhos predeterminados – é preciso explorar essa ideia, cada vez mais, em vez de construir manuais de comportamento. Como leitores, há que criticar textos desse tipo, mas também refletir sobre os parâmetros pelos quais queremos conduzir nossas vidas: o que é normal para nós, o que não é? O que queremos que de fato nos aconteça?
Minha sala atual tem um sofá, uma tevê pequena, alguns livros e CDs – os que couberam na mala. Não há nenhum plano de engravidar nos próximos anos e não tenho dinheiro suficiente para renovar o guarda-roupa. Não é o que eu esperava viver aos 33, quando eu tinha 23. Mas é o que aconteceu – pelas minhas escolhas; algumas correram bem; outras não. Nem sempre fico contente com isso, mas ler matérias sobre como deveria ser minha sala não me ajuda a entender que a vida é um caminho torto e sem predestinações. Por outro lado, hoje vejo um pedacinho do Tejo da minha janela, e isso é algo que eu jamais esperei acontecer quando eu tivesse 33 anos.

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