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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Apple e Facebook pagam para as funcionárias congelar seus óvulos. Isso é bom para quem?

As duas empresas oferecerão o benefício para funcionárias que quiserem adiar a maternidade. O anúncio fez surgir uma dúvida: o benefício é vantajoso paras as mulheres ou para as empresas?

RAFAEL CISCATI

15/10/2014

Certa vez, durante uma entrevista a ÉPOCA, a escritora Camille Paglia defendeu que “o feminismo não foi honesto com as mulheres”. Segundo ela, o feminismo como se desenvolveu a partir de 1960, criou a ilusão de que era possível, para as mulheres, conciliar as ambições profissionais com o desejo de ser mãe, ao adiar a maternidade. Em certo momento, Camile diz: “Uma geração inteira de profissionais americanas adiou a maternidade e, quando finalmente decidiu engravidar, teve problemas de fertilidade”.

As posições de Paglia são polêmicas. Postas de lado suas críticas ao feminismo, a autora ressalta uma questão em voga nas organizações: como permitir que as mulheres sejam mães sem que, para isso, precisem pôr de lado suas ambições profissionais. O pico reprodutivo feminino ocorre em torno dos 20 anos, mesma época em que a maioria dos profissionais trabalha duro para se estabelecer na carreira. Após os 35, diminuem as chances de ter uma gravidez saudável. Mesmo assim, muitas mulheres esperam para engravidar.  Duas gigantes da tecnologia decidiram interferir nessa equação biológica: Apple e Facebook anunciaram que vão oferecer às funcionárias a possibilidade de congelar seus óvulos enquanto jovens, de modo a fertilizá-los e ter filhos quando forem mais velhas.
Marissa Mayer durante a apresentação do Yahoo! na CES 2014. Para recuperar receita de publicidade, a empresa investe da produção de conteúdo jornalístico (Foto: AP)
A CEO do Yahoo! Marissa Mayer  - ela reduziu o 
tempo da própria licença maternidade para 
se dedicar ao trabalho (Foto: AP)

O procedimento, considerado experimental até dois anos atrás, é caro: custa US$ 10 mil por extração de óvulos e outros US$ 500 adicionais por ano, para conservar o material refrigerado. De maneira simplificada, consiste em fazer a mulher ingerir hormônios, para que produza óvulos maduros em maior quantidade que o normal em um ciclo menstrual. Esses óvulos adicionais são extraídos em um procedimento que demora em torno de 15 minutos e durante o qual a pessoa permanece sedada. Ambas as empresas se comprometeram a financiar procedimentos até US$ 20 mil. O benefício dividiu opiniões.

O congelamento dos óvulos é opcional e dá à mulher, em teoria, maior liberdade para planejar quando ter filhos. Isso, segundo alguns, lhes dá segurança: de acordo com uma pesquisa publicada em 2013 no periódico científico Fertility and Sterility, mulheres em torno dos 30 anos se sentem mais capazes (ou empoderadas) por que o procedimento lhes permite adiar a maternidade até que estejam preparadas. Sem, para isso, ter de se preocupar com os limites biológicos.


Marissa Mayer durante a apresentação do Yahoo! na CES 2014. Para recuperar receita de publicidade, a empresa investe da produção de conteúdo jornalístico (Foto: AP)

A CEO do Yahoo! Marissa Mayer  - ela reduziu o tempo da própria licença maternidade para se dedicar ao trabalho (Foto: AP)

Antes disso, a indústria da tecnologia já arriscara algumas respostas na tentativa de solucionar o embate entre a mãe e a profissional. Sheryl Sandeberg, diretora de operações do Facebook e autora do livro-manifesto “Faça Acontecer” (Lean in, no original), defende que a mulher deve encontrar parceiros que a apoiem, por exemplo. Filhos, afinal, não são uma responsabilidade exclusiva da mulher. “Casar-se com o homem certo” (ou ter um filho com o homem certo) é, para Sheryl,  quase que uma decisão de carreira.


Sem tratar abertamente da questão, Marissa Mayer, executiva-chefe do Yahoo, também forneceu uma resposta. Ao assumir o cargo na companhia, Marrissa estava grávida. Preferiu reduzir o tempo de sua licença maternidade e retomou o trabalho com o filho a tiracolo – e com uma estrutura montada na sala da presidência para atender às necessidades do rebento.


Para as duas, equilibrar as obrigações de mãe e profissional é algo possível e recomendável. Ambas foram criticadas por essas posições. Ricas, as duas dispõem de uma estrutura de apoio – com babás e empregadas – que não está à disposição da maioria das mulheres. 


Como seus conselhos não foram suficientes, as empresas preferiram recorrer a ações que facilitassem a vida de seus funcionários. O Facebook dá um bônus de US$ 4 mil ao funcionário quando ele tem um filho – seja o empregado homem ou mulher – e a Apple ressaltou que vai continuar a ampliar seu conjunto de benefícios que, por ora, também incluem licença maternidade prolongada ( de 18 semanas remuneradas) e ajuda financeira a casais que precisarem fazer tratamentos para engravidar.


Com isso, Apple e Facebook querem atrair talentos femininos. Apesar de ter Sheryl Sandberg como segunda no comando, o Facebook falha quando o assunto é diversidade de gênero: em junho, a empresa divulgou que 31% de seu quadro de funcionários é composto por mulheres. O número é semelhante na Apple, onde 70% dos funcionários são homens.


As intenções, portanto, parecem boas. Nem todo mundo gostou. No site Valley Wag, especializado em notícias sobre o Vale do Silício, a jornalista Nitasha Tiku defendeu que o congelamento de óvulos, longe de ser um benefício para a mulher, pode se tornar uma fonte de pressão para que a pessoa continue a trabalhar constantemente, adiando as decisões referentes a sua vida pessoal: “Talvez seja ainda um pouco cedo para dizer se as funcionárias vão ou não se sentir pressionadas a congelar seus óvulos em lugar de tirar uma licença para ter filhos; pressionadas da mesma maneira que todo mundo se sente pressionado a sempre atender as ligações do escritório, sempre checar o e-mail e sempre ter um smartphone em mãos”.  Alguns internautas ficaram descrentes quanto às boas intenções das empresas: “Se vocês (Apple e Facebook) não nos querem longe de nossas mesas aos 30, por que vão querer aos 40?”, disse uma usuária do Twitter (abaixo).


Freya (Foto: Reprodução/Twitter)

O site TechCrunch ainda destaca que adiar o momento em que o bebê é concebido não basta. Depois de nascer, uma criança precisa ser criada e educada. Se as empresas não são flexíveis o bastante para acomodar essas necessidades, o problema persiste, sejam os casais jovens ou não.

O congelamento de óvulos não é obrigatório e amplia as possibilidades de escolha à disposição das mulheres. A descrença das críticas, mesmo assim, é compreensível. Sua preocupação já não recai sobre a honestidade do feminismo, criticado por Paglia. A discussão é menos filosófica e mais pragmática. O que querem saber é: essas empresas estão sendo honestas com seus funcionários?


Época

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