sábado, 4 de outubro de 2014

"Garota exemplar", um novo filme exemplar de David Fincher

O diretor reúne referências de várias obras anteriores – e dá um passo além

NINA FINCO E IVAN MARTINS
03/10/2014

CRÍTICO Fincher no set.  Sua visão fria do mundo se reflete em cada detalhe de seus filmes (Foto: Divulgação)
CRÍTICO
Fincher no set. Sua visão fria do mundo se reflete em cada detalhe de seus filmes (Foto: Divulgação)
"O que fizemos um ao outro?”, Nick Dunne se pergunta enquanto acaricia os cabelos louros de sua mulher, Amy. É assim que o diretor David Fincher começa seu novo filme, Garota exemplar, adaptação do best-seller de mesmo nome da escritora americana Gillian Flynn, que estreia nesta semana. Em seguida, Nick admite que gostaria de abrir o crânio de Amy para entender os pensamentos que ela guarda para si. A ideia pode soar romântica, mas é, ao mesmo tempo, violenta. Essa tensão não é estranha ao trabalho de Fincher. Ele esteve a frente de sucessos como A rede social, Clube da Luta e a série House of cards. Está acostumado a narrativas que mostram personagens em constante conflito com a sociedade, a moral e os costumes.

Garota exemplar era aguardado graças ao sucesso do livro, que vendeu 6 milhões de cópias no mundo inteiro, 80 mil apenas no Brasil. Esse “thriller afiado”, como definiu a crítica literária Janet Maslin, prende a atenção com reviravoltas de trama e atitudes inesperadas de seus protagonistas, um casal de classe alta americana interpretado por Ben Affleck e Rosamund Pike.

O espectador conhece Nick na manhã de seu quinto aniversário de casamento. Enquanto ele está no bar de que é dono, Amy desaparece de forma suspeita. Os vestígios da cena do crime e a atitude peculiar do marido fazem dele o suspeito principal. Flashbacks baseados no diário de Amy contam como eles se conheceram. Eram um casal perfeito. Com o tempo, Nick se torna desinteressado e violento. Enquanto isso, no presente, ele tenta provar sua inocência. É a palavra dele contra a da mulher, desaparecida, expressa por um diário. A imprensa popular explora o crime ao máximo. A história chega aos programas de talk show, e Nick passa de suspeito a carrasco.

“O trunfo de Fincher é fazer com que nenhuma das versões soe inteiramente verdadeira”, afirmou o crítico Robbie Collin, do jornal londrino The Daily Telegraph. Fincher conduz o público ao longo do filme quase de olhos fechados, como já fez outras vezes. Em Garota exemplar, a manipulação é mais intensa e se une a outras manias de Fincher expostas em seus filmes anteriores.

O sensacionalismo da imprensa foi tema do filme Zodíaco, em que a repercussão dos crimes cometidos por um assassino amedronta a população e dão ao criminoso o que ele deseja: fama. A arte de mentir em  público e ocultar mazelas privadas são aspectos centrais da série House of cards. Em A rede social, o embate entre Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin em torno da criação do Facebook se dá em dois tempos narrativos: um no presente, durante uma audiência judicial, outro no passado, quando ocorrem os fatos. A protagonista feminina de Garota exemplar também tem antecedentes. Ela chama tanta atenção quanto Lisbeth Salander (Rooney Mara), na adaptação do romance sueco Os homens que não amavam as mulheres, de Stieg Larsson. Amy também é inteligente e forte e supera as expectativas sociais a seu redor.

Construído por todos esses elementos, já conhecidos da obra de Fincher, a surpresa de Garota exemplar é sua visão crua e brutal sobre a realidade interior dos relacionamentos. “O que torna este filme tão potente é sua atitude cínica com relação ao matrimônio”, afirma o crítico Justin Chang, da revista Variety. “A evidência da linha tênue entre amor e ódio faz do filme a expressão perfeita da visão fria que o cineasta tem da condição humana.”


Receita de um grande filme (Foto: AFP (5))
Fotos: AFP (5)
Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário