sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Toda criança precisa de um herói

Não precisamos ser perfeitos para criar filhos emocionalmente saudáveis

ISABEL CLEMENTE
28/09/2014

Peguei o título da coluna de hoje emprestado da palestra da professora americana Rita Pierson, no TED Global. A empolgante exposição de apenas oito minutos (disponível na internet, mas apenas em inglês) é um estímulo para que os professores ponham em prática um princípio simples e eficaz de ensino, replicado por teóricos de diversas correntes: sem conexão real, a aprendizagem fica prejudicada. "As crianças não aprendem de pessoas que elas não gostam", diz Rita, reproduzindo a resposta dada a uma colega de profissão para quem o salário não incluía gostar das crianças. 

"Toda criança precisa de um campeão, de um adulto que não vá desistir dela, que entenda o poder da conexão, e que insista em transformá-la no melhor que ela puder ser. É difícil? Sim, pode apostar. Mas não é impossível", afirma Rita, diante de uma plateia encantada e sob aplausos. A palestra foi gravada em abril de 2013 e ela morreu em junho do mesmo ano, aos 61 anos.

Estamos preparados para ser um dos campeões na vida dos nossos filhos? Quais amostras da nossa existência seguirão como boa influência ao longo das várias fases da vida deles? São perguntas que me faço. Como mãe, eu tenho a aspiração de exercer também o papel de heroína ao lado dos magníficos professores que, espero, cruzarão o caminho das minhas filhas e as empurrarão para a frente. Essa é minha utopia.

Enquanto nossos filhos são pequenos, eles tendem a nos colocar num pedestal. Se não estiverem sendo contrariados, diga-se. Ascendemos ao olimpo da admiração infantil porque cuidamos e protegemos, o que por muito tempo bastará. Mas, e depois quando formos expulsos deste lugar privilegiado, ainda que temporariamente, durante a quase sempre turbulenta adolescência, aquele momento da vida em que muitos consideram um vexame ter nascido de pai e mãe? Depois de usufruir da mais alta patente na hierarquia emocional de uma criança, qualquer um se acostuma mal. Mesmo que continue se sabendo amado, quer ser também admirado, ou pelo menos curtido. Curte aí, vai.

A mãe que se revela já dá uma grande contribuição aos filhos, disse-me, um dia, uma psicanalista. O mérito de muitas mães que não conseguiram se sustentar como admiráveis heroínas por muito tempo está, quem sabe, em deixar-se enxergar tal como são, com defeitos e qualidades. A transparência faz mais por esse vínculo pais e filhos do que uma referência enigmática.

Se, ao chegarmos no futuro, não nos enxergamos como heróis das nossas ex-crianças - dados os tropeços e as arestas criados por essa empreitada -, nos restará a opção de continuar rindo das dificuldades e, de preferência, aprendendo com elas. É a única resposta que tenho, por ora, para minha utopia. O humor nos salvará e, quem sabe, faça de nós heróis de verdade. Quanto aos filhos, não precisamos ser perfeitos para criar exemplares humanos emocionalmente saudáveis. Mas é primordial acreditar na felicidade deles. Tudo isso é muito difícil, pode apostar. Mas não é impossível.

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