domingo, 12 de outubro de 2014

Muçulmanas deixam vida no Ocidente para se casarem e fazerem parte do Estado Islâmico


Mulheres chegam ao grupo por meio de redes como Facebook e Tumblr; além dos afazeres domésticos, elas trabalham em brigada responsável pela lei islâmica

“Irmãs, precisamos da ajuda de vocês. Não pensem somente em suas famílias e nos estudos, não sejam egoístas, porque o tempo está correndo”. Esse é um dos tantos apelos feitos pela inglesa Khadijah Dare, que ganhou as manchetes dos jornais por ter tuitado, após a morte do jornalista James Foley, a vontade de ser a “primeira mulher a assassinar um inglês ou um norte-americano". Khadijah faz parte de um grupo cada vez maior de mulheres ocidentais que se converteram ao islã e abraçaram o lado extremista da religião. São as voluntárias da guerra santa que chegaram ao Exército Islâmico através de casamentos combinados nas redes sociais como Facebook, Twitter, Tumblr e Ask.fm.
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As três Umm: Umm Ubaydah, Umm Haritha e Umm Layth, com o niqab


Segundo a inteligência britânica, das 200 ocidentais que estão na Síria, cerca de 60 são inglesas e outras dezenas estão pensando em ir para lá com a esperança de casar com um mujahedeen (combatentes da jihad), como a marroquina Umm Nusaybah, com quem a reportagem trocou mensagens pelo serviço de mensagens por celular Kik. De família muçulmana, não quis revelar a idade, disse ter se aproximado do EI há poucos meses e que há amigas na Síria que a ajudarão.  Para ela, o “EI é violento com os inimigos, mas quem vive sob o Califado está bem”. Ao ser indagada sobre o porquê da aproximação com o grupo, disse “querer ajudar a humanidade e que o fará muito em breve seja como professora, babá ou enfermeira”. Nusaybah não é casada e talvez o faça na Síria.
Elas são muhajirah
Boa parte das muhajirah (peregrina) – como se autonominaram –, apesar de ter adotado nomes árabes, manteve o uso do inglês cheio de gírias e o misturou ao árabe.  Postam constantemente mensagens sobre o dia a dia em Raqqa (cidade síria base dos combatentes ocidentais), versos do Alcorão e fotos de animais. Entre as mais ativas na rede estão Khadijah Dare, Umm Ubaydah, Umm Layth e Umm Haritha.  
Pode-se dizer que Khadijah Dare, ou Muhajirah fi Sham, 22 anos, é a pioneira dessa jihad eletrônica. Estudou psicologia e se converteu ao islã após a separação dos pais. Até os dezesseis anos, não era religiosa. Conheceu o marido Abu Bakr – sueco de origem paquistanesa – através das redes e, em 2012, deixou Londres em direção à Síria. Ficou famosa porque, além de ter festejado a decapitação de Foley, foi a primeira a postar fotos do filho, de apenas 1 ano, segurando uma arma. Além disso, deu entrevista à emissora de TV inglesa Channel 4. Por causa da forte atuação nas mídias, virou referência para as mulheres que pretendem seguir a mesma estrada, mas acabou entrando na lista de procurados do serviço secreto inglês.
Três Umm 

As três carregam Umm no início do nome. A palavra, em árabe, significa mãe. Umm Ubaydah é uma sueca de origem somali que se uniu ao EI contra a vontade da família.  Ela não dá muitos detalhes sobre a vida privada. Sabe-se, apenas, que se aproximou do extremismo aos 20 anos, quando ainda morava na Suécia, e que se casou com um jihadista. No Tumblr, responde a perguntas sobre casamento e dá dicas de como chegar na Síria e o que levar na viagem.

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No Tumblr da brigada al-Khansaa: orientações para quem quer se juntar à jihad


Já Aqsa Mahmood, também conhecida como Umm Layth, tem 20 anos e é de Glasgow, Escócia. Filha de uma família muçulmana de classe média, começou a militância há cinco anos, ao frequentar chats e fóruns que pregavam o islamismo extremista. Partiu para a Síria em novembro do ano passado, onde se casou com um combatente que foi ferido no front. O perfil dela no Tumblr é uma mistura de sátiras com imagens violentas e de gatos. 

A família, desesperada, fez uma coletiva de imprensa implorando que voltasse para casa, mas parece que essa ideia não está nos planos. Tanto é que, em um tuite, pedia para que fossem repetidos os atos terroristas que ocorreram na Inglaterra e nos EUA. "Sigam os exemplos dos irmãos de Woolwich, Texas e Boston". A conta dela no Twitter foi desativada. 
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Abu Ibrahim, marido de Umm Haritha, morreu em combate após se casar com ela


Já a terceira Umm se chama Haritha, tem 20 anos e fugiu do Canadá para se casar com Abu Ibrahim al-Suedi, um palestino de 26 anos que vivia na Suécia. Eles também se conheceram online. O que Haritha certamente não esperava era tornar-se viúva tão cedo: Abu Ibrahim morreu em combate.
Recentemente, foi descoberta a participação de um casal português no EI. Ângela, 19 anos, que também virou Umm, é filha de alentejanos que emigraram para a Holanda. Fábio, que agora se chama Abdu, 22 anos, é um português que vivia na Inglaterra e sonhava ser jogador de futebol. Os dois se conheceram no mundo virtual e, em agosto passado, se encontraram pela primeira vez na Síria. Em uma entrevista ao jornal holandês De Telegraaf,  lamentou ter fugido sem se despedir da mãe e disse que nunca foi tão feliz. “Somos tratadas como princesas, eu não imaginaria que este homem me trataria tão bem", falando sobre Fábio. “Estou aqui pela minha fé. Escolhi viver sob um Estado Islâmico.”
A brigada do terror
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Aqsa Mahmood, também conhecida como Umm Layth, tem 20 anos e é escocesa


A versão feminina da jihad do século XXI ganhou corpo e forma através da criação, em fevereiro deste ano, da brigada al-Khansaa. Com poderes de polícia, esse “braço feminino do terrorismo” é usado para desmascarar os inimigos que usam o niqab (véu que cobre todo o rosto, com exceção dos olhos) como disfarce e para punir as mulheres que não seguem a sharia. Segundo o governo inglês, Aqsa Mahmood e Khadijah Dare seriam as responsáveis pela brigada.
Conversão online
Para Lorenzo Vidino, professor da Universidade de Zurique e pesquisador sobre terrorismo islâmico no Center for Security Studies, essas garotas são filhas de pais muçulmanos ou ex-católicas que, em sua maioria, não frequentam mesquitas e que tiveram uma conversão online muito rápida. “Vão dormir sem saber nada sobre o islã e acordam vestindo burca (a roupa preta que cobre dos pés à cabeça, deixando o rosto de fora)”, diz. Segundo o professor, a maior parte delas tem entre 18 e 24 anos e não apresenta problemas aparentes: trabalha, estuda e tem vida social.  O que essas pessoas têm em comum é a vontade de pertencer a algo ou alguém. Neste caso, o Estado Islâmico representa a única sociedade justa e perfeita e é por essa ideologia que decidiram lutar e, assim, de iniciativa própria, passam querer a encontrar um marido mujahedeen e combater ao lado dele.
Segundo o pesquisador, o papel dessas mulheres no Estado Islâmico é importante, mas secundário, por isso acha improvável que participem da execução de prisioneiros, como deseja Khadijah. Enquanto os homens lutam no front, elas cuidam da casa, das crianças, vão ao supermercado e à casa de amigas - mas com um fuzil AK-47 na mão. Frases como “muçulmanas de sorte que fugiram do Dar Al-Kufr (terra de descrença) e que, após uma longa viagem, chegaram no Califado desejado pelo Estado Islâmico" são postadas para atrair futuras esposas. 
Para tentar controlar o fluxo de estrangeiros que partem para combater com grupos terroristas, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas aprovou uma resolução determinando a prevenção e punição de quem apoia ou se une a grupos extremistas. Segundo o chefe do departamento antiterrorismo da União Europeia, Gilles de Kerchove, o fenômeno é preocupante. Durante um pronunciamento no Parlamento Europeu, ele ressaltou que o número de combatentes estrangeiros já chega a 13 mil, que a presença feminina está crescendo e que, só na Bélgica, elas já representam 18% dos que deixaram o país rumo ao EI. 
De acordo com Kerchove, o aumento do fluxo de combatentes é alimentado pela motivação política, mas também pela frustração da percepção do sentimento anti-islâmico. A brigada al-Khansaa, em uma mensagem publicada recentemente no Tumblr, concretiza a tese de Kerchove quando explica o porquê da violência. “Nós não recorremos à violência por causa dos erros cometidos pelos Estados Unidos. Estamos tentando construir um Estado Islâmico que vive e age de acordo com a lei de Alá, que é uma obrigação (Fardh ayn) a todos os muçulmanos. No entanto, as pessoas tornam difícil a realização desse projeto e, por isso, precisamos usar a força.”

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