domingo, 12 de outubro de 2014

Recrutamento de mulheres muçulmanas por extremismo islâmico preocupa autoridades no Quirguistão


Mulher muçulmana em Bishkek, capital do Quirguistão; país tem observado crescente envolvimento de mulheres no extremismo islâmico
Justin Vela / EurasiaNet
No início de 2012, quando a polícia revistou a casa de Dilorom e a prendeu por posse de literatura religiosa proibida no Quirguistão, o fato chocou a pequena cidade onde ela morava, no sul do país.
Dilorom (nome fictício), 57 anos, ex-funcionária do regime soviético, aposentada e com três filhos, levava uma vida sossegada e era respeitada pelos vizinhos por dar lições gratuitas sobre os preceitos do Islã para mulheres e meninas da região. Para aumentar ainda mais a curiosidade da vizinhança, ela desapareceu assim que foi libertada.
O paradeiro da aposentada ainda é desconhecido, mas alguns vizinhos acreditam que, depois de pagar suborno para conseguir sair da prisão, ela esteja agora na Síria com o filho de 40 anos – e que eles sejam duas das centenas de pessoas provenientes da Ásia Central que se acredita estejam lutando com militantes islamitas no país.
Nos últimos meses, as forças de segurança quirguizes prenderam dezenas de mulheres suspeitas de ligação com grupos extremistas, de acordo com relatos da imprensa local. Autoridades alegam que as incursões levaram à apreensão de panfletos proibidos e desarticulação de células extremistas que estavam recrutando mulheres. Um grupo frequentemente apontado é o Hizb ut-Tahrir, uma organização política islamita banida em alguns países da Ásia Central, mas que nunca foi relacionada a atos violentos e é tolerada no Ocidente. 
Bazar em Osh, segunda maior cidade do Quirguistão
neiljs
Informações concretas sobre a atuação de grupos islamitas radicais no Quirguistão são esparsas, e mais ainda sobre o papel que as mulheres desempenham nesses grupos. Quatro membros do Hizb ut-Tahrir contatados pela EurasiaNet.org não quiseram comentar sobre o número de mulheres na organização. No entanto, um ativista baseado na cidade de Kara-Suu, no sul do país, admitiu que “recrutar o apoio de vários segmentos da sociedade, incluindo as mulheres, é uma das principais partes de nossa estratégia”.
O Ministério do Interior – que, para alguns, exagera a ameaça para justificar táticas policiais repressivas – estima que a proporção de mulheres esteja crescendo rapidamente entre os religiosos extremistas. Em dezembro de 2013, o Ministério do Interior concluiu que as mulheres constituíam 23% dos 1.700 extremistas islâmicos conhecidos no Quirguistão, um aumento de 1,1% em relação a 2005. Posteriormente, um oficial do ministério afirmou que as mulheres eram 7% dos cerca de 1.700 suspeitos.
A polícia quirguiz suspeita de grupos informais de estudos religiosos, como aquele promovido por Dilorom. Embora a meta desses círculos seja estudar o Corão, a polícia alega que são terreno fértil para extremistas. A polícia também afirma que tais grupos ajudam a recrutar mulheres para combater na Síria, ou apoiar seus maridos na luta. 
“O crescente envolvimento de mulheres no extremismo e terrorismo é uma tendência mundial. O Quirguistão também é testemunha do surgimento de grupos de mulheres que estão propagando as ideias de organizações extremistas”, disse Emil Jeenbekov, vice-diretor do departamento do Ministério do Interior, a uma rádio quirguiz, em março desse ano. 
Jamal Frontbek Kyzy, líder do Mutakallim, uma organização não-governamental com sede em Bishkek que promove os direitos das mulheres muçulmanas, acredita que a maioria das mulheres que se unem a grupos extremistas sejam recrutadas pelos maridos. Extremistas se aproveitariam de mulheres com pouca instrução e interessadas no Islã, que não teriam para onde se direcionar na cultura predominante nas mesquitas, sustenta Kyzy. “Mesquitas não têm especialistas que trabalhem com mulheres”, afirmou ela. “Grupos extremistas, que têm muito dinheiro e recursos, se aproveitam do desejo de mulheres muçulmanas de obter conhecimento religioso.”
A repressão estatal e a corrupção também são citadas com frequência como motivos da radicalização. O filho mais novo de Dilorom, trabalhador da construção civil no Quirguistão, diz que a mãe e o irmão deixaram o país assim que ela foi libertada “porque não aguentavam mais a intimidação da polícia”.
Observadores estão divididos sobre os perigos do crescente número de mulheres extremistas. Um pesquisador residente em Bishkek, especializado em grupos islâmicos, diz que a abordagem das autoridades, igual para todos os casos, está minando seus próprios esforços de estabilização; elas não são capazes de distinguir potenciais extremistas de membros de grupos sectários sem tendências violentas.
No entanto, autoridades quirguizes se baseiam cada vez mais em medidas punitivas para conter o extremismo, com incursões e prisões altamente propagandeadas.
Essa atitude explica o medo das autoridades por parte de mulheres como Khalysa, que partiu com os filhos e o marido para a Síria, onde ele morreu em batalha. Khalysa diz que, embora não tenha tido envolvimento com atividades extremistas, tem medo de retornar ao Quirguistão. Ela teme que, ao voltar, seja perseguida por agentes da polícia, assim como seus filhos.
Tradução: Maria Teresa de Souza

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