terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Não podemos falar de desigualdade sem falar de mulheres

Muito se fala sobre os 1% mais ricos que possuem metade da riqueza mundial, ou as 8 pessoas que têm mais capital do que as três bilhões de pessoas mais pobres do mundo. Mas nada está sendo dito sobre os que estão sendo explorados para sustentar aqueles com dinheiro e poder: as mulheres.
Em todo o mundo, os potenciais econômico, político e social das mulheres continuam a ser usados e abusados para sustentar economias feitas e dominadas por homens. Nos países em desenvolvimento, as mulheres poderiam ter recebido 9 trilhões de dólares para melhoria de suas condições e salários se o seu acesso ao trabalho remunerado fosse igual ao dos homens. As mulheres continuam a fazer a maior parte do trabalho que não é pago na casa, muitas vezes estão sujeitas a um abuso dos seus direitos à terra, e as normas sociais continuam a desencorajar o acesso das mulheres à tomada de decisões.
Enquanto os mais poderosos do mundo se reúnem no Fórum Econômico Mundial em Davos nesta semana, pessoas de todo o mundo estão se juntando ao movimento para combater a desigualdade e defender mulheres como Jacqueline, que é uma líder comunitária
Jacqueline Frequiere Morette é uma líder comunitária da organização parceira da ActionAid, Associação das Mulheres Unidas de Pouly (AFUP), uma organização de base dedicada a mobilizar as mulheres para desafiar os poderes que mantém as mulheres sobrecarregadas e subvalorizadas.
Aqui está a sua história:
Na comunidade de Pouly, na região do Planalto Central do Haiti, as coisas são difíceis para as mulheres.
A maioria das mulheres rurais em Pouly é inteiramente dependente dos homens para sobreviver. Se as mulheres recebem terra de herança de um membro da família, a maioria dos homens presume que "ele" é quem deve herdar a terra. Tornou-se tão comum que os homens herdassem, que até a minha própria mãe não pensou que meu nome deveria estar na titularidade da terra que é legitimamente minha. Ela pensou que deveria ser o nome do meu marido nos documentos. Ao longo dos anos, as mulheres se acostumaram a serem cidadãs de segunda classe. Elas talvez creiam que podem possuir vacas ou gado, mas não acreditam que têm o direito de ter seus nomes em títulos legais. Isto coloca o dinheiro e o poder diretamente nas mãos dos homens.
Mas o acesso à terra é apenas uma das muitas formas de desigualdade que as mulheres na minha comunidade enfrentam.
Os maridos não percebem quanto tempo as mulheres gastam cuidando da casa e da família. Além das mulheres não serem remuneradas, os homens não veem valor no seu trabalho. É um trabalho invisível. As mulheres estão cansadas: têm de cozinhar, limpar, cuidar do jardim e levar as crianças para a escola, mas não têm tempo para descansar, o que as impede de fazer outras coisas, como estudar ou trabalhar fora.
A nossa aldeia Pouly não tem nenhum centro de saúde e são as mulheres as mais vulneráveis. Uma vez vi uma mulher grávida morrendo em uma maca a caminho do hospital. Ela teve complicações com a gravidez e morreu a caminho do hospital mais próximo em Lascohobas, a seis quilômetros de distância. Outras mulheres nem chegam até Pouly e morrem nas montanhas.
Ao longo dos anos, os direitos das mulheres começaram a se tornar um ponto de discussão para o governo e tomadores de decisão no Haiti. Por exemplo, o governo emitiu um decreto para que a violência contra a mulher fosse crime. Outro decreto foi aprovado para garantir uma quota de 30% de mulheres em todos os níveis de tomada de decisão pública. No entanto, dizer e fazer são duas coisas diferentes. Assim, até a recente eleição, não havia uma só deputada no parlamento (agora elas são quatro dos 106!). E a violência contra as mulheres ainda é rotina; com pouca ou nenhuma ação tomada contra quem a pratica.
Em 2014, o Ministério de Assuntos da Mulher do Haiti produziu um "plano de seis anos para a igualdade", mas desde o início o plano era exclusivo para ricos e poderosos. O plano está escrito em francês, mas como a maioria das pessoas que precisam deste plano só pode falar crèole, há pouca responsabilidade em implementar as políticas focais de gênero. As mulheres e meninas em situação de pobreza geralmente têm menos chance de ir à escola, e quando frequentam, largam antes de aprender francês. Infelizmente, o francês é a língua da burocracia no Haiti e atua como uma barreira para manter a maioria das pessoas fora da tomada de decisão.
Com a falta de ação concreta, percebemos que nós mulheres deveríamos resolver nossos próprios problemas e criar nossas próprias oportunidades: então começamos nosso grupo de mulheres.
Sou coordenadora e sócia fundadora da AFUP, a Associação das Mulheres Unidas de Pouly. Começou com apenas 10 mulheres reunindo nossos recursos e hoje temos 50 integrantes regulares. Nosso objetivo principal é aumentar a independência econômica das mulheres por meio da agricultura e transformar a produção agrícola em mercadorias que podemos vender.
Nós começamos a trabalhar com a ActionAid há nove anos, quando nos ajudaram a produzir e processar pasta de amendoim e para criar gado como meio de arar a terra. Em 2015, a ActionAid nos ajudou a construir um moinho de mandioca e comprou a maquinaria para transformar a mandioca em pão. Após receberem sessões de treinamento, as mulheres da comunidade passaram a entender o lado técnico e comercial da produção agrícola, o que as ajudou a produzir com mais qualidade e ganhar mais dinheiro.
Para aquelas mulheres que não têm nenhuma terra, nós alugamos um espaço em nossa terra por uma taxa mínima para poderem começar a cultivar seus próprios produtos. Por exemplo, uma mulher queria cultivar pimentas, mas seu marido não iria apoiar o seu novo empreendimento, então nós a ajudamos com mudas. Ela acabou cultivando tanta pimenta que ganhou dinheiro suficiente para comprar algumas vacas. Agora, seu marido a está encorajando a participar de nossas reuniões de grupo de mulheres e toda a relação e dinâmica de poder do casal mudou.
Outras mulheres do nosso grupo agora podem pagar pela educação de seus filhos ou por treinamento profissional. Uma mulher do nosso grupo, Carole St Naël, está treinando para ser professora de uma creche com o dinheiro que ela ganhou com o amendoim.
A AFUP não se ocupa apenas de desenvolver a independência econômica para as mulheres de Pouly. Para criar uma mudança real, precisamos mudar o sistema. Muitas vezes, convidamos as autoridades locais a participar de nossas reuniões para que elas possam ouvir os problemas que as mulheres enfrentam, para tentar fazê-las se comprometerem a agir. Essas autoridades nos dizem que seu poder é limitado, mas ouvem e dizem que vão tentar levar nossas demandas para as pessoas no governo federal com mais poder.
Ao longo dos anos temos visto algumas mudanças positivas. Houve algum progresso quando as mulheres são vítimas de violência: elas podem ir aos tribunais e o caso agora tem uma chance de avançar e punir o perpetrador. Mesmo sabendo que o sistema de justiça tem um monte de problemas, as coisas são diferentes do passado, quando as mulheres não relatavam violência de forma alguma.
Estou orgulhosa do AFUP e como ela cresceu. Não é só o que as mulheres têm conseguido para si, mas suas atividades têm ajudado toda a comunidade. A AFUP é uma maneira de nos organizarmos, e quando nos organizamos podemos fazer coisas que não seríamos capazes de fazer sozinhas.
Fazer parte do grupo de mulheres da AFUP me ajudou a desenvolver autonomia para que eu não tenha que depender do meu marido. Eu posso prover para mim, tomar minhas próprias decisões e sonho com que todas as outras mulheres possam um dia fazer o mesmo.
Se você quiser se juntar ao movimento mundial para combater a desigualdade, acesse www.fightinequality.org para saber mais.

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