Com mais de duas décadas de experiência, especialização em mil temas, domínio de diversas línguas e atuação em grandes empresas, mulheres com mais de 40 anos têm sua capacidade questionada porque se atreveram a ter filhos
22.01.2019 - POR ADRIANA FERREIRA SILVA
Sou de uma geração que foi criada por mães feministas sem nem ter ideia de que o eram. Esse é o caso da minha. Dona Neuza nasceu nos anos 1950 e foi educada por meus avós para ser dona de casa. Ajudava nas tarefas domésticas, deixou a escola no ensino médio (porque a prioridade do estudo era para seus irmãos, homens) e incentivada a aprender corte e costura. Seguiu à risca o destino traçado por seus pais, não exatamente por gosto, mas, sim, porque era muito jovem e logo se tornou mãe. Meu pai, por sua vez, achava melhor manter o status quo: que ela ficasse em casa cuidando das filhas.
Sem ver outra saída, ela criou duas meninas para serem seu exato oposto: devíamos estudar, ser independentes, viajar, explorar o mundo e, de preferência, evitar os filhos antes dos 30. Nunca me deixou lavar uma louça e muito menos chegar perto do fogão. Só aprendi a cozinhar quando fui morar sozinha _e demorei a descobrir como isso poderia ser prazeroso_; minha carreira esteve sempre em primeiríssimo lugar; viajei (e viajo) muito e mal sei pregar um botão. Minha mãe, depois, se rebelou, estudou, trabalhou e, a duras penas, reinventou sua própria biografia.
Sem ver outra saída, ela criou duas meninas para serem seu exato oposto: devíamos estudar, ser independentes, viajar, explorar o mundo e, de preferência, evitar os filhos antes dos 30. Nunca me deixou lavar uma louça e muito menos chegar perto do fogão. Só aprendi a cozinhar quando fui morar sozinha _e demorei a descobrir como isso poderia ser prazeroso_; minha carreira esteve sempre em primeiríssimo lugar; viajei (e viajo) muito e mal sei pregar um botão. Minha mãe, depois, se rebelou, estudou, trabalhou e, a duras penas, reinventou sua própria biografia.
Essa mesma história é comum a muitas de minhas amigas e, talvez, por isso, tantas de nós, mulheres de 40 e poucos, tenhamos adiado a maternidade. Isso, no entanto, não nos livra do machismo entranhado na sociedade que, nas empresas, se reflete em vergonhosas demissões _segundo pesquisa da FGV, 48% das mulheres são demitidas na volta da licença maternidade_, assédio moral e constrangimentos múltiplos, como ter de tirar o leite no banheiro, porque a maioria dos escritórios não dispõem de um local adequado para isso.
Tenho acompanhado isso bem de perto. Na última década, muitas de minhas amigas tiveram o primeiro filho. Todas elas, próximo de completar ou com mais de 40. Pelo menos quatro, demitidas ao fim da licença maternidade. As explicações para isso são as mais estapafúrdias. Uma delas, depois de oito anos trabalhando em uma empresa de comunicação, ao retornar (apenas quatro meses pós-parto), viu todas as suas contas distribuídas entre outros profissionais. Depois de um mês escamoteada, a explicação: corte e adeus. O problema é que, no “corte”, estavam apenas ela e uma outra pessoa, que já negociava a demissão. Agora, me explique: como uma profissional com duas décadas de experiência e oito anos de empresa, parte deles gerenciando crises com competência (já que cuidava de clientes importantes, entre eles, multinacionais), sem nenhum indício de que sua atuação não era adequada até aquele momento, de repente, se vê na lista de “corte”? De um dia pro outro, ela se tornou menos competente? O recado para todas as outras mulheres do mesmo escritório foi bem claro: não engravidem ou você pode perder seu emprego.
Não tenho filhos, mas tenho empatia, e imagino como deve ser difícil lidar com todas as dúvidas e crises que acompanham a maternidade e ainda ter seu conhecimento questionado. Logo você que adiou ao máximo essa decisão e levou mais de duas décadas construindo uma carreira.
Mas tudo isso pode piorar. Ah se pode! Essa mesma amiga começou a buscar uma recolocação profissional e adivinha qual a pergunta mais comum feita pelos entrevistadores (incluindo os de RH): Qual sua disponibilidade depois de ser mãe?. Hello!!!!! Repito a ladainha: depois de mais de 20 anos no mercado, trabalhando em grandes empresas, cuidando de contas importantes, com domínio de pelo menos duas línguas estrangeiras, o importante não é o quanto você é capaz de gerir uma crise, mas, sim, se vai sair mais cedo porque o filho está doente??? O mais grave, na minha opinião, é: se fosse um homem, alguém perguntaria “qual sua disponibilidade depois de ser pai”? Obviamente que não!
Por isso, seguimos tendo mães fazendo jornada tripla sem reclamar _eu trabalho com muitas mamães e sei o quanto elas são competentes_, muitas vezes em condições draconianas. Os homens continuam sendo celebrados por “ajudar” a criar os filhos, ao invés de dividir as tarefas de igual pra igual, como deve ser. E a sociedade inteira permanece construída para fazer com que a mulher sinta que o seu papel é o de cuidar da casa e da família. Mas não, senhores, não voltaremos a ser "do lar". Por nossos filhos e por nossas mães, que tanto lutaram para sermos mulheres livres, independentes e empoderadas.
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