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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sobre consumo, obesidade e a decisão de limitar merchandising para crianças

por Amelia Gonzalez 

A padaria está cheia na manhã de domingo. A fila da caixa está grande e empaca. É que um pai não se conforma com o fato de o suco de laranja ser mais caro do que o refrigerante.  Se deixasse, a criança escolheria o produto mais barato, com mais apelo, mais açucarado, mas totalmente inapropriado, insistia o pai, para aquela hora da manhã:
— De manhã não tem refrigerante, isso é coisa para beber à tarde, na festinha de aniversário dos amigos. De manhã é suco — dizia ele ao filho para, logo depois, voltar-se para a moça da caixa, perguntando: — Mas, tem certeza de que é mais caro?
Sim, é mais caro. E sim, engorda mais. O alerta “Beba-se com moderação” devia servir também para os gaseificados  com açúcar ou adoçante. Na verdade, tudo na vida, se usado com moderação, não tem risco de virar vício e fazer mal.
Mas a propaganda, essa tal da propaganda, que tanto pode ser parceira quanto vilã… estimula, faz o desejo virar necessidade. Se para os adultos é difícil fazer o filtro, imaginem para as crianças. Não à toa, o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) decidiu limitar as ações de merchandising para o público infantil, decisão que começou a valer no dia 1 de março. Por conta disso, a Coca-Cola comunicou ao público, na semana passada, que não fará mais campanhas publicitárias para crianças menores de 12 anos e que crianças abaixo dessa idade não aparecerão consumindo produtos em comerciais da marca sem a presença de um adulto.
Quem gosta de acompanhar a série “Mad Men” (no HBO) que mostra o início da espetacular descoberta do mundo da propaganda nos anos 60, sabe que isso é uma mudança e tanto de comportamento da sociedade…
O tema foi abordado ontem pelo presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Jorge Abrahão, no espaço semanal  que o Ethos tem na rádio CBN.  Abrahão refletiu sobre o papel das empresas na obesidade infantil, doença que, segundo pesquisa publicada pela Força Tarefa Latino-Americana de Obesidade, aumentou 240% nos últimos vinte anos aqui no Brasil.
“De acordo com a Força Tarefa, nosso país já tem 70 milhões de pessoas acima do peso e esses dados representam  uma despesa de aproximadamente R$ 1,5 bilhão anuais aos cofres públicos para tratar de doenças decorrentes do aumento de peso.  Para os médicos, as principais causas para esse sobrepeso são: falta de sono, ausência de atividades físicas e os maus hábitos alimentares, como comer fora de casa em horários não regulados e consumir alimentos muito calóricos e de baixo valor nutritivo”,  comentou Abrahão.
A atitude da Coca-Cola, que não só acatou as recomendações do Conar, mas foi mais longe, para Abrahão explicita que “as relações de consumo são compartilhadas entre os consumidores, os poderes públicos e as próprias empresas, sendo que estas podem adotar medidas restritivas à sua própria publicidade”.
O documentário “O peso da nação”, dirigido por Dan Chaykim, põe o dedo nessa ferida (você pode assistir acessando o site alana.org.br). A série ataca a indústria de alimentos e a publicidade voltada para as crianças. Nos Estados Unidos, 69% dos americanos estão acima do peso e 18% das crianças são obesas, segundo o documentário. E isso se deve aos lanches feitos com produtos industrializados vendidos em embalagens chamativas. Produtos gostosos, mas sem nutrientes e com muita gordura. Junte-se a isso a vida sedentária dos jovens que até para irem à escola vão de carro, e o resultado é o que se vê nas pesquisas.
Nessa mesma linha de denúncia, o canadense Joel Bakan, que em 2004 lançou o livro e o vídeo “The Corporation”, onde afirma que as empresas têm um comportamento análogo ao dos psicopatas porque para obterem lucro são capazes de tudo, já começa a fazer barulho também com o livro “Childhood under siege” (“Assédio sobre a Infância”, em tradução livre, já que o livro ainda não foi traduzido aqui no Brasil) . Bakan revela que 90% das crianças norte-americanas entre 4 e 6 anos ficam em frente a uma tela por, pelo menos, duas horas diariamente. Já os adolescentes gastam oito horas de seu dia consumindo mídia.
O autor aponta ainda um fenômeno cruel: com ajuda dos médicos, os grandes laboratórios estariam encontrando nas crianças norte-americanas novos consumidores para seus produtos. “Nunca se ouviu falar tanto em crianças com problemas mentais, como depressão ou bipolaridade, como de uns 30 anos para vá’, disse Bakan em entrevista, na época do lançamento do seu livro, ao apresentador canadense Allan Gregg.
Aqui vale um parêntesis: já foi assistir ao “Terapia de risco”? O filme não é dos melhores, mas faz uma denúncia gravíssima sobre o papel dos médicos que trabalham para os grandes laboratórios como uma espécie de pesquisadores para seus medicamentos usando cobaias humanas.  Vale ver e refletir.
Feito o parêntesis, de volta para o Brasil e para a resolução do Conar.  Segundo Abrahão, de acordo com a nova autorregulação, “crianças não poderão participar mais de ações de merchandising na televisão e o  merchandising direcionado a esse público até 12 anos também não será mais aceito em qualquer horário da programação.  A publicidade destinada ao público infantil só poderá ser veiculada nos intervalos comerciais.”
No site do órgão, o presidente do Conar, Gilberto Leifert, diz ainda que a nova regulamentação proíbe propaganda de produtos dentro dos programas voltados às crianças.
Criado por um grupo de pessoas preocupadas com o consumismo desenfreado sobretudo por crianças,  que pode levar, entre outras coisas, à obesidade, o Instituto Alana também comentou sobre a atitude da Coca-Cola. Em seu site (alana.org.br), a instituição estampou a notícia na home, aplaudindo a empresa.
Mas, como já foi dito aqui, a questão precisa ser enfrentada  também pelos pais. Freud dizia que educar é uma tarefa impossível, e muitas vezes, em meio ao caos da nossa rotina acelerada, a tendência é concordar com ele.  O jeito, então, é, na medida do possível, mostrar outras possibilidades para a criança que insiste no consumo exagerado. É só botar a criatividade para funcionar. Boa sorte.

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