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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Uma briga a cada 10 minutos

23/10/2008

Uma pesquisa revela que é com essa freqüência que os irmãos pequenos se desentendem. Não é tão ruim: os conflitos em casa ensinam a lidar com frustrações

Martha Mendonça

Daryan Dornelles
EM DOSE TRIPLA
Os irmãos Victor, de 7 anos, Thaís, de 5, e Thiago, de 10, brigam o tempo todo. “Eles nem sabem o motivo”, diz a mãe.

A pequena Thaís Rodrigues, de 5 anos, abre a porta chorando. Entre um soluço e outro, ela explica que o irmão Victor, de 7, lhe roubou 60 centavos. Deitado na sala, às gargalhadas, Victor se defende. “Achado não é roubado”, afirma. O irmão mais velho, Thiago, de 10 anos, encerra a questão cruelmente: “Com 60 centavos não dá para comprar nada, sua boba”. Thaís chora mais e passa a disputar um lugar no sofá com os irmãos. “Eles implicam comigo. Não querem ver os desenhos que eu gosto na TV”, afirma. Victor também reclama que Thiago não o deixa jogar no computador. “E minha mãe sempre defende os outros porque são pequenos”, diz Thiago. “Preferia ser filho único”. Os irmãos Rodrigues, cariocas, não passam um dia sem brigar. “Não passam dez minutos sem brigar”, afirma a mãe, a bióloga Andréa Costa. Ela tenta conversar. Já deu castigo, proibiu videogame e televisão. Até colocou os meninos em turnos diferentes na escola, para que fiquem menos juntos. “São brigas por motivos que muitas vezes nem eles sabem”.

Andréa vive uma rotina parecida com a da grande maioria dos pais. Não há irmãos que não briguem. Essa relação, que muitas vezes é a mais longa da vida de uma pessoa, mistura sentimentos opostos. No livro Criando Irmãos Felizes e Amigos (Editora Best Seller), recém-lançado no Brasil, as inglesas Jan Stimpson e Jan Parker afirmam que no convívio com os irmãos aprendemos a dividir, comparar, competir, lidar com o ciúme e a frustração – mas também com a amizade e a solidariedade. Entre irmãos há uma rivalidade latente, já medida por pesquisas. Segundo uma delas, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, irmãos entre 3 e 7 anos têm três conflitos por hora em que estão juntos. No grupo etário de 2 a 4 anos, as crianças têm algum tipo de confronto a cada dez minutos. Como os pais conseguem viver nessa guerra permanente? Castigo funciona? Ou o melhor é separar as atividades dos filhos para que se vejam o menos possível?

A orientação mais moderna dos terapeutas tende a desmistificar o problema: 1) Brigar é saudável, um treino para o mundo real. 2) É nos conflitos infantis que muitas vezes as crianças externam seus desejos, medos e insatisfações – portanto, esse é um caminho para os pais entenderem seus filhos. 3) A intervenção democrática dos pais, orientando a negociação, é indispensável.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brasileiras têm hoje, em média, 2,3 filhos. Quer dizer que na maioria das famílias há irmãos. E uns se metem na vida dos outros quase sem-cerimônia. “Se pensarmos em uma hierarquia familiar, os irmãos estão em um mesmo nível de poder”, diz Adriana Leônidas, doutora em Psicologia pela PUC-SP e estudiosa do tema. “Essa convivência é muitas vezes a única relação íntima e cotidiana que temos com iguais. As experiências diárias são sempre compartilhadas – daí, muitas vezes, nasce o conflito”.

Para os especialistas, comportamentos repetidos e reações mais violentas, por exemplo, podem significar um sentimento de carência. Aquele que mais arruma confusão pode estar querendo chamar a atenção, dos pais ou do próprio irmão maior. Por mais que muitas vezes seja difícil chegar ao motivo da briga, é preciso saber qual é sua origem. Talvez um dos irmãos esteja com ciúme do outro com um dos pais ou com amigos e esse sentimento se expresse com uma implicância permanente. É possível também que um deles tenha uma fixação em tudo o que é do outro, significando talvez um caso de baixa auto-estima que precisa ser visto de perto pelos pais. Seja qual for o motivo, não se devem criar rótulos. Mesmo que um seja quase sempre o causador do conflito, é melhor evitar a classificação de agressor e vítima. É grande a possibilidade de a criança “comprar” esse rótulo e a partir daí agir de acordo com ele, sem conseguir fugir do estereótipo.

Grande parte das brigas de irmãos diz respeito à propriedade ou à vez de fazer alguma coisa. “É meu!” talvez seja a frase mais ouvida por pais e mães, proferida por criaturas que ainda mal sabem falar. Mais tarde vem “É minha vez”. Para casos assim, Criando Irmãos Felizes e Amigos sugere um equilíbrio entre compartilhar e combinar. Isto é: emprestar e dar a vez é ótimo, desde que haja reciprocidade. Quem não respeita não será respeitado. A própria experiência mostra às crianças o lucro e o prejuízo de cada ação.

As irmãs paulistanas Mariana e Luísa Cardinal, de 19 e 17 anos, sempre foram grande referência uma para a outra. Brigam. Mas, ao longo do tempo, acabaram aprendendo a resolver sozinhas seus conflitos e hoje são amigas do tipo que vão juntas para a balada. “Pedimos muito a opinião uma da outra sobre roupas, namorados. Mas ainda discutimos quando uma pega roupa da outra sem pedir emprestado”, diz Mariana. “Quando dormíamos no mesmo quarto, a proximidade o tempo todo irritava mais. Hoje estamos mais tranqüilas”, afirma Luísa. Mãe das moças, a arquiteta Ligia diz que sempre incentivou a amizade entre as filhas. Desde a chegada de Luísa, procurou dar pequenas responsabilidades a Mariana em relação ao bebê. “Muitas vezes, quando eu viajava, ficava calma por saber que emocionalmente elas se bastavam”, diz a mãe. “Elas perceberam que, quando não se entendem, as duas saem perdendo. Então criaram suas próprias fórmulas para solucionar os impasses”.
Frederic Jean

PEGAR ROUPA, NÃO
Companheiras “até de balada”, as irmãs Mariana, de 19 anos, e Luísa, de 17, aprenderam a resolver diferenças. Menos no guarda-roupa

Ao lidar com os filhos, os pais devem levar em conta a diversidade humana que têm em casa. Apesar de a criação ser aparentemente a mesma, cada ação dos pais é registrada de forma diferente pelos filhos. E a ordem de idade é um dos fatores mais decisivos no temperamento deles. No ano passado, um grupo de pesquisadores da Noruega apresentou um estudo segundo o qual os irmãos mais velhos apresentam melhores notas e comportamento mais ambicioso e conservador. Em média, têm um Q.I. três pontos acima do mais novo. Tendem a ser grandes líderes e ter maiores salários. Uma possível explicação é o estímulo à inteligência que deriva de “cuidar” do irmão mais novo. Os caçulas apresentam características diferentes: são ousados, visionários e criativos. Tendem a se arriscar mais – inclusive fisicamente. Um estudo da Universidade Berkeley, na Califórnia, mostrou que a grande maioria dos jogadores de futebol americano que atuam em posições em que há danos físicos não são primogênitos. A explicação pode ser que, para se sobressair, o caçula precise adotar caminhos diferentes dos tradicionais, geralmente já ocupados pelo irmão mais velho. O coringa da história é o filho do meio: tanto pode seguir a influência do mais velho quanto do mais novo, dependendo do sexo e da distância entre as idades. Autora do livro Semelhanças e Diferenças entre Irmãos, a psicóloga portuguesa Otília Fernandes, professora de Psicologia da Universidade de Trás-os-Montes, diz que as diferenças entre os irmãos começam a ser cultivadas antes do nascimento, pelas expectativas dos pais. Daí a necessidade de observar o temperamento de cada um e agir de acordo com isso. “Às vezes, ser igual para todos pode ser uma forma de injustiça”, afirma.

Mãe de Lucas, de 8 anos, e Mateus, de 6, a advogada carioca Monique Azedia procura reagir de forma equilibrada quando os filhos se desentendem. Nem sempre é fácil. O mais novo costuma intimidar o mais velho, de temperamento mais sério e pacífico. “Gosto de ver Power Rangers na televisão para aprender as técnicas de luta e usar no meu irmão”, diz Mateus. Lucas afirma que só se defende: “Sou maior, se eu bater forte posso machucar”. Como são os maiores companheiros um do outro, muitas vezes os conflitos nascem do próprio costume de estar juntos. “Às vezes quero jogar videogame e ele insiste para eu fazer brincadeira com bonecos. Se eu digo que não vou, ele parte para cima de mim”, diz Lucas. Professora de Psicologia do Desenvolvimento do King’s College, em Londres, e especialista no tema, Judy Dunn chama a atenção para o “talento” de um irmão para irritar o outro. “É uma relação que não tem amarras, é totalmente desinibida”. A convivência extrema fornece os dados para que um saiba exatamente o que tira o outro do sério.

Com desavenças caseiras ou tragédias familiares, o fato é que ser irmão é um de nossos papéis sociais mais difíceis. Hoje, com pais que trabalham fora, esse vínculo se torna ainda mais forte – para o bem e para o mal. Com tantos divórcios e novos casamentos, outra experiência a que as crianças são submetidas é o advento dos meios-irmãos e não-irmãos filhos de um casal que se une. Se lidar com irmãos de verdade já é difícil, que dirá com “estranhos” que da noite para o dia invadem seu quarto, trazendo novos costumes e vontades? “Nesses casos, tudo vai depender da oportunidade de convivência. Se ela for grande, as relações tendem a se assemelhar às dos irmãos biológicos”, diz a psicóloga Adriana Leônidas, autora da tese de doutorado Irmãos, Meios-Irmãos e Co-Irmãos: a Dinâmica das Relações Fraternas no Recasamento. Um estudo da Universidade Penn State, na Pensilvânia, mostrou que crianças até 11 anos passam 33% de seu tempo com os irmãos – mais que com os pais, amigos, professores ou mesmo sozinhos. Levando em conta que são a maior influência da vida de alguém, os pais precisam estar de olhos e ouvidos bem abertos ao que acontece nesse mundinho – o embrião da formação social de um indivíduo. “É o laboratório para as relações humanas que não deve ser negligenciado”, diz Adriana.

No meio de uma guerra doméstica
Idéias para estimular a boa convivência entre irmãos

“É meu!”
Subestimar o significado de propriedade pode piorar o conflito. O melhor é reconhecer a posse. Mas, nessa hora, enfatize a importância de emprestar

“Era a minha vez”
Tudo funciona melhor quando regras são combinadas. Mesmo crianças pequenas podem fazer isso, ajudadas pelos pais. E cada um deve respeitar a vez do outro

“Foi ele quem começou!”
Pais não podem controlar tudo e nem sempre devem agir como juízes. Estimule-os a resolver a situação sozinhos, sempre orientando a forma de pensar

“Você gosta mais dele do que de mim!” 
O ciúme pode reforçar o conflito. Jamais superproteja um deles apenas por ser menina ou ser mais novo (a não ser que haja violência física)

O que os pais podem fazer
  • Analisar os motivos mais comuns das brigas. Por trás dos conflitos pode estar um problema maior
  • Elogiar muito quando um dos dois cede ou quando chegam, juntos, a um acordo. Mostre que eles são capazes
  • Enaltecer sempre os feitos de um quando está diante do outro e vice-versa. Irmãos precisam se admirar
  • Escutar todos os lados, mesmo que seja evidente quem foi que errou
  • Jamais perder o controle e reagir aos berros, com frases do tipo “Eu não agüento mais vocês brigando!”
Quando um deles é um bebê
  • A saída é estimular o interesse do mais velho pelo recém-chegado
  • Mostre que o bebê gosta do irmão mais velho: “Ele está olhando para você, fica feliz com sua presença, sorri mais quando você chega”
  • Discuta as necessidades do bebê com o primogênito: “Ele parece irritado, você acha que ele está com sono ou com fome?”
  • Peça ajuda na hora da fralda ou do banho
  • Enfatize a ligação entre eles: em vez de chamar pelo nome, diga “seu irmão”
  • Estabeleça rituais afetivos, como o beijo de boa-noite

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