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domingo, 2 de novembro de 2014

Organizações lutam por aumento da idade de responsabilidade criminal na Inglaterra


Crianças podem ser julgadas e presas a partir dos dez anos de idade, adquirindo antecedentes criminais que permanecem pela vida inteira

Era 1966 quando o então menino Bob Ashford, de 13 anos, foi persuadido por um grupo de garotos mais velhos de sua escola a invadir a linha do trem para brincar com uma pistola de ar comprimido. Ele não queria ir, mas temia sofrer represálias caso recusasse o desafio. Alguém viu o grupo “armado” e chamou a polícia. “Os garotos mais velhos fugiram, eu e outros dois ficamos paralisados de medo e fomos apanhados”, recorda Ashford. O resultado: ele foi levado a julgamento e condenado por invasão da linha de ferro e porte de arma. O preço da travessura infantil, porém, foi muito além da multa que pagou à época: 46 anos depois, ao concorrer ao cargo de comissário de polícia, descobriu que deveria retirar a candidatura por possuir antecedentes criminais. A “ficha” dele estava suja pela infração que havia cometido aos 13 anos. 
Casos como o de Ashford são uma das faces da lei inglesa que permite responsabilizar como adultos meninos e meninas desde os dez anos, substituindo o enfoque socioeducativo pelo caráter punitivo. Na Inglaterra e no País de Gales, a partir dessa idade, crianças podem ser julgadas, presas e ter o “crime” registrado em seus antecedentes criminais para o resto de suas vidas. 
Tim Buss/Flickr

Adolescente é preso por usar máscara em protesto na Inglaterra; crianças a partir de 13 anos podem ser julgadas e condenadas no país

“Uma criança com menos de 13 anos, de acordo com a lei inglesa, não é considerada capaz de consentir uma relação sexual. Todavia, se o assunto é crime, ela pode ser responsabilizada como um adulto a partir dos dez anos”, critica Pam Hibbert, da Associação Nacional para a Justiça Juvenil, uma das principais organizações que pede o aumento da idade de responsabilidade criminal na Inglaterra. “Para certos temas, aceitamos que a capacidade das crianças para fazer escolhas informadas é limitada por sua idade, mas, para outros, não”.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina a a não responsabilização criminal dos menores de 18 anos, embora seja possível a partir dos 12 anos a determinação de medidas socioeducativas. 
Herança
A lei inglesa que permite que crianças sejam julgadas, punidas e adquiram antecedentes criminais a partir dos 10 anos é de 1969. De lá pra cá, entre governos conservadores e trabalhistas e uma reprimenda das Nações Unidas, algumas alterações foram feitas. Mas, o principal, a possibilidade de criminalização das crianças a partir dos dez anos de idade, nunca foi alterado.
A ênfase na punição fez com que Inglaterra e Gales mantivessem, na última década, as maiores populações carcerárias infanto-juvenis da Europa Ocidental. Juntos, os dois países mantinham em média 3.000 crianças e adolescentes presos, número que só começou a cair nos últimos anos, já no governo de David Cameron, quando o Ministério da Justiça estabeleceu como meta reduzir o número de meninos e meninas encarcerados.
Antes disso, a tendência era de endurecimento nas penas. O marco foi o ano de 1998, com o abandono da doutrina do “doli incapax”, que garantia que menores de 14 anos só seriam julgados como adultos caso a promotoria comprovasse que o acusado sabia o que estava fazendo. O efeito do abandono à doutrina foi um aumento imediato de 29% no número de sentenças para crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos. 
Distorção
Em largo prazo, a mudança de 1998 criou uma cultura ainda mais forte de punição. Entre 1997 e 2007, cresceu em 87% o número de crianças condenadas com idades entre 10 e 12 anos. Na faixa etária dos 13 aos 15 anos, o aumento foi de 55%. Esses indicadores contrastam com a variação na faixa etária dos 16 aos 17 anos, na qual o crescimento foi de 8%.
Para Ashton, que hoje comanda uma campanha favorável ao ocultamento dos antecedentes criminais, as estatísticas relacionadas a crianças e adolescentes escondem uma realidade. “Quanto mais novo o indivíduo, mais fácil de ele ser detido e de assumir que cometeu a infração”, considera.
Como consequência, isso levaria à falsa impressão de que a criminalidade é alta nessa idade, o que não é corroborado pelas estatísticas. Um estudo feito pela organização Howard League for Penal Reform mostrou que, em 2013, os adultos cometeram 23 vezes mais homicídios, nove vezes mais crimes violentos e mais que o dobro de roubos que os menores de 18 anos. 
“Hoje, há 9,2 milhões de pessoas com registro criminal no Reino Unido. Não sabemos o percentual, mas certamente é alto o número daquelas que o adquiriu ainda na infância ou na adolescência, por infrações leves”, diz Ashton.
Divulgação
Ashton foi preso com 13 anos e não pode se candidatar a cargo na polícia por causa da condenação

Dois pesos, duas medidas
No último relatório sobre o sistema de justiça juvenil, publicado em janeiro deste ano, o governo inglês defende-se, alegando que não há nada de errado, uma vez que existe um sistema de Justiça em separado dedicado para a faixa etária entre 10 e 17 anos - o que garantiria os direitos de crianças e adolescentes.
Entretanto, outro relatório, divulgado em junho deste ano, elaborado a pedido de uma comissão parlamentar montada para investigar o funcionamento do sistema de Justiça juvenil, apontou várias brechas no sistema. Entre elas, enfatizou a necessidade de se garantir que as infrações “não sérias e não violentas” cometidas na adolescência não constem nos antecedentes criminais do jovem após os 18 anos. O texto ainda pediu atenção para os casos de crianças e adolescentes sendo julgados em cortes para adultos, situação comum devido à falta de juizados especiais. 
“Sim, nós temos um sistema de Justiça em separado, mas ele é inspirado no sistema para os adultos, com cortes, sentenças punitivas e instituições de custódia que são uma cópia das prisões para adultos”, fala Hibbert. “Precisamos que o sistema reconheça plenamente que menores de 18 anos precisam de proteção especial”.
Novo centro de internação
Recentemente, o governo anunciou um plano para construir um grande centro de internação para mais de 320 crianças e adolescentes em Glen Parva, a mais de 160 quilômetros de Londres. No projeto, o espaço seria usado tanto para meninos quanto para meninas, incluindo aqueles mais novos, entre 12 e 14 anos, atendendo a toda a Inglaterra e a Gales. O mesmo local é atualmente uma prisão para jovens entre 18 e 21 anos e ganhou os noticiários no início deste ano após registrar três suicídios de detentos em menos de 15 meses.
Caso Glen Pava seja reprojetada, ela dará origem ao maior centro de internação europeu para adolescentes, o que tem gerado controvérsia. “Ninguém apoia essa proposta bizarra, só as companhias que vão lucrar com a construção desse complexo de 85 milhões de libras”, escreveu na última sexta (17/10), Frances Crook, CEO da Howard League for Penal Reform.
“Não há necessidade de construir um novo presídio para crianças. A boa notícia é justamente que a população infanto-juvenil em custódia reduziu significativamente nos últimos anos”, completou Crook. No último ano, 2.340 menores de 17 anos foram condenados à prisão, número 15% inferior ao de 2012.  

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