Postado em 27 de julho de 2016
POR LUARA COLPA* –
“Quando eu não fazia ideia do que era o feminismo, eu o repudiava. Muitas coisas repudiamos por desconhecimento. A maioria dos ‘desconhecimentos’ vêm num mesmo balaio junto ao preconceito. Isso porque todas as vezes que o sistema quer que repudiemos algo, imputa-se o medo, ou a repulsa de algo que é apenas desconhecido.
Feminismo é uma dessas palavrinhas: Quem não sabe dizer o que de fato é, repudia.
A verdade é que simplificadamente, o feminismo é um movimento que sempre buscou igualar direitos. Ora, direto ao voto, direito à jornada justa de trabalho, direito à não exploração de trabalho infantil, direito à greve, livre manifestação, salário igual, divisão de tarefas domésticas, direito à não violação dos corpos das mulheres, fim do assédio sexual, moral, a objetificação das mulheres e por aí vai.
É importante abrir um parênteses pra dizer que dentro do feminismo existem vários recortes, por exemplo o feminismo negro. É imprescindível contextualizar que as negras no Brasil ainda estavam dentro de senzalas quando as Novaiorquinas se organizaram em sindicatos. Há formas de organização múltiplas: Mulheres palestinas, indianas, muçulmanas, de todos os países da África, no Oriente Médio, sudeste asiático, México, Caribe se organizam de diferentes formas. No mundo inteiro, cada feminismo tem sua peculiaridade de acordo com a cultura, a política, o momento histórico de cada lugar.
Há ainda diversas vertentes de feminismo: O feminismo liberal, o feminismo marxista, o Feminismo “intersec” (que abarca as mulheres trans, a pauta das deficientes e etc), as “RadFem” (feministas radicais que acreditam num determinismo biológico). Dentro da vertente Radfem, há as “TERF” (Trans-Exclusionary Radical Feminists) que são feministas radicais que excluem as mulheres trans da pauta feminista.
Não pretendo aqui debruçar em todas as complexas vertentes e formatos, mas de antemão, já dá pra desvendar a primeira cortina: de que “feminista é um bando de mulher branca de peito de fora”.
Alguma vertente pode sim ter atos políticos e performances que explorem a nudez como combatividade e denúncia, mas não apenas isso. Nenhuma das vertentes se resume à apenas isso.
A segunda cortina é: “O feminismo é o contrário do machismo”. Essa é clássica, é erroneamente clássica! O machismo é algo estrutural, o machismo arregimenta forças para manter o Patriarcado funcionando. Para que além da opressão de classes, ainda haja opressão de gênero, e por assim dizer, manter-se uma ordem no mundo.
O machismo violenta física e psicologicamente. O machismo mata.
O feminismo é um movimento e não “uma opressão às avessas”. Feminismo não quer estar no papel do machismo, feminismo não disputa esse espaço de poder e nem se pretende à isso. “Feminismo é a ideia “radical” de que mulheres são gente”, e movimenta-se para equiparar direitos. Feminismo não mata ninguém, mas salva muitas vidas.
A terceira cortina a ser retirada é a cortina do “feminista é mal comida e/ou lésbica”. O feminismo é um movimento grandioso, de libertação, de equidade de direitos. Resumir um movimento à esta frase é perpetuar a opressão, o total desprezo e desconhecimento sobre o significado de Feminismo. No mais, lutamos sim, pelo direito das mulheres serem o que são: Héteros, bissexuais, lésbicas, trans – e não morrerem por isso. Aliás, para quem não sabe, mulheres morrem pelo simples fato de serem mulheres. E isso se chama Misoginia.
A quarta cortina, é a cortina do casamento: “Mulher feminista vai ficar pra titia”. Bem, esse é um tema interessante de se discutir: O feminismo é empoderador. A partir do momento que você se sente forte o bastante para denunciar agressões, para se firmar nos relacionamentos, você começa a não se sujeitar a muitas coisas. É o amor próprio. E aí, ficar ou não numa relação que não é saudável, é uma decisão muito mais fácil para a mulher do século XXI que as nossas avós, bisavós escravas de um casamento violento – por exemplo.
A nossa “proposta” não é pelo fim do amor, ou do casamento. Pelo contrário, a “proposta” é: Melhorem! Parem de nos violentar, nos oprimam menos. Nos enxerguem como gente e não como objeto. Assim, quem sabe, relacionamentos saudáveis engatem e durem.
A quinta cortina é a rivalidade. “Mulher feminista odeia uma mulher bela, recatada e do lar!” – NÃO. Definitivamente! Este é o maior equívoco. O feminismo abarca mulheres. O patriarcado só se sustenta com nossa rivalidade. O mercado acha que só vende produtos por nossa rivalidade. Adoecemos por essa rivalidade. E fim das contas, no dia que olharmos pro lado e enxergarmos companheiras de verdade, o sistema todo começará a ruir. Nós não somos rivais, desprender-se disso é das coisas mais saudáveis que uma mulher pode fazer pra si!
Você pode ser, “”bela””, recatada e do lar e sim, ser feminista! Feminismo fala sobre liberdade de escolher, de ser feliz, mas de ser sobretudo, empoderada, coerente, lúcida e dona de seu corpo e seu pensamento.
Seja do lar, seja professora, seja engenheira, seja Presidenta, seja astronauta. Mas seja dona de si.
A sexta cortina é a cortina mais “besta” que o Patriarcado nos coloca: “Feminista não depila, não é bonita e blablabla”. É importante compreender que há uma força que nos esmaga e essa força vem ditar um modelo, um padrão de beleza (regra geral eurocêntrico) e que impõe: A magreza dos corpos, a espessura dos fios de cabelo, a forma como devemos nos portar, a busca por uma beleza inalcançável. Esse modelo de competitividade nos mata: Seja nas mesas de cirurgia todos os dias, seja por doenças como bulimia, anorexia, depressão e etc.
Essa farsa, despreza a diversidade do que é belo, da grande mistura de povos, das características peculiares de cada nação, além do mais, este modelo é silenciador, despreza a espontaneidade da mulher e seu meio. E fim das contas nos leva ao consumo infindável de produtos. Depilar,não depilar? Ter um corpo fitness ou estar gordinha e feliz, O que isso lhes diz respeito? É a mulher que escolhe, e isso não faz dela mais ou menos feminista.
A sétima cortina é a cortina do aborto. Uma cortina hipócrita e prejudicial. As pessoas nos imaginam andando pra lá e pra cá com chás abortivos enfiando guela abaixo nas “grávidas de bem”. E mais uma vez o que vemos é o sistema “confundindo” mentes. Feministas – regra geral- denunciam a violência sofrida por mulheres que abortam de forma clandestina. As muitas mortes e pouca segurança.
Enquanto a sociedade tapa os olhos para os homens que abandonam seus filhos, o peso sob a mulher é sempre enorme. Além do mais, é preciso enxergar o Estado como laico, e retirar as cortinas moralistas e religiosas que acompanham o tema. Sendo assim, eu, por exemplo, não faria um aborto, pois tenho uma crença religiosa, uma família que me apoiaria, e uma vontade pessoal. No entanto não caberia a mim decidir sobre o corpo alheio, acho inclusive que com a legalização do aborto seguro, muitas mulheres teriam condição de conversar com médicos, psicólogos, amigos e encontrariam chance de inclusive desistirem do aborto, encontrariam abrigo e força, que não encontram na clandestinidade. É um processo muito mais de saúde pública que de qualquer outra coisa.
A oitava cortina é a da histeria, “mulheres são loucas e histéricas”. Bom, esse comportamento é fundamental para o machismo perpetuar, isso se chama Gaslighting, e é uma das formas de silenciar uma mulher. Todas as vezes que não se concorda com o que ela diz, chamam-na de louca. O fato de questionar a própria sanidade é dos sentimentos mais violentos que uma mulher passa em vida. Além de cruel, essa ação gera insegurança, rivalidade e muitos questionamentos. Quem pratica Gaslighting é violentador, e o feminismo tem por obrigação denunciar essa prática..
A nona cortina é a do “acho um absurdo homens não poderem ser feministas”. Acreditamos que seja ok os homens em desconstrução nos apoiarem, mas é importante que entendam a importância maior da auto-organização. Afinal, um branco não faz parte de um coletivo de negros, justamente por ser um processo de um grupo de pessoas específico, com opressões específicas sofridas, com intimidade pra debater certas coisas. Organizar-se, debruçar-se sob uma pauta, diz respeito aos impactos sofridos por aquele nicho de pessoas. É assim com os sem terra e suas pautas específicas, é assim com LGBTTs, é assim com a luta contra a gordofobia, e é assim com o feminismo. Nos apoiem, mas não queiram tomar protagonismo do que não vivenciam!
A décima cortina é a do “o mundo está ficando muito chato com feministas”. Aí sim. Se lutar por respeito, direitos e saúde mental, é ser “chatas”, é isso o que somos!
O feminismo tem mil cortinas a serem desvendadas por quem tem no mínimo curiosidade e respeito. O feminismo é libertação, mas ao mesmo tempo não nos impõe nada.
Você pode ser loira, negra, gorda, magra, rica, pobre, do lar e feminista em todos os casos. Você pode se vestir como quiser, inclusive com o corpo todo tampado. Você pode ter a profissão que quiser, inclusive nenhuma! Você pode ter o comportamento social que achar melhor, e ninguém vai te forçar a ser o que não desejar. ‘Vadias’, recatadas, trabalhadoras, de minissaia ou burca. O feminismo não transforma a sua “carcaça”, mas transforma a mente para que compreendamos o quão forte somos – e em coletivo esses saltos de consciência são ainda mais gratificantes!
Somos Muitas, somos diversas e não nos cabe mais um século de opressões.
Por uma Nova Maioria! Por representatividade! Pela vida das mulheres: Que venha o feminismo!!!
MEXEU COM UMA, MEXEU COM TODAS”
___________________________________________________________________
Luara Colpa é colunista no BHAZ, brasileira, 29 anos. É mulher em um país patriarcal e oligárquico. Feminista e militante por conseguinte. Estuda Direito do Trabalhador e o que sente, escreve.
Negro Belchior
Negro Belchior
Nenhum comentário:
Postar um comentário