Mesmo que os outros pareçam não entender, ter personalidade própria é a única coisa que faz sentido (e dá resultado) no amor e no sexo
IVAN MARTINS
10/05/2017
Uma amiga psicóloga me contou que recebe em seu consultório um monte de garotos com dificuldade em demonstrar afeto. Eles dizem a ela que ao menor sinal de apego ou sensibilidade viram piada entre os amigos – e ouvem ironias das meninas de quem gostam. As garotas não querem “nada sério” e os garotos acham que gostar é sinal de fraqueza. Então os meninos carinhosos se fecham e sofrem.
Eu desconfio um pouco desses relatos porque eles tendem a confirmar perfeitamente uma visão de mundo antiga e perversa, de acordo com a qual haveria uma conspiração entre homens brutos e mulheres que gostam de ser maltratadas para deixar de lado os caras que têm coração. Sabe aquela história: os caras legais sempre se ferram, porque as mulheres gostam de cafajestes?
Então, eu não acredito nisso.
Estou cansado de ver à minha volta caras legais – isso quer dizer amorosos, atenciosos e leais – acasalados de maneira feliz com mulheres interessantes que são loucas por eles. Se há falta de interesse por esse tipo de homem, eu não percebo.
Mas existe por aí uma ideologia que – mesmo sem base na realidade – repete que mulheres gostam de machos rudes e bem-sucedidos e secretamente desprezam os caras que não se parecem com eles. Por falta de experiência pessoal, os jovens são propensos a acreditar nessas bobagens e a reproduzi-las. Garotos e garotas. Acreditar em alguma coisa é meio caminho para fazer com que ela se torne realidade.
Na verdade, não há qualquer estatística mostrando que um certo tipo de personalidade masculina (ou feminina) é afetivamente mais bem-sucedido que os demais. A sociedade está organizada de um jeito que basicamente todo mundo consegue transar, casar e ter filhos. As pessoas ricas, bonitas ou famosas levam vantagem na hora de escolher parceiros, mas isso não tem nada a ver com ser doce ou amargo, né?
Posto isso, é preciso dar ouvidos aos garotos que chegam ao consultório da minha amiga dizendo que está difícil ser romântico. Pode ser que no mundo deles – que eu desconheço, porque cada geração vive em seu próprio planeta – a relação entre os sexos tenha se tornado mais tensa.
Pode acontecer assim:
As garotas do século XXI, cansadas da subordinação que ameaça a vida delas, afirmam raivosamente a sua independência emocional (“você não vai me controlar ou mandar em mim”!), e os meninos reagem a isso camuflando com cinismo o seu desejo natural por afeto e cumplicidade, que é percebido pelas meninas como posse. Depois, fica um policiando o outro – e uma policiando a outra – para evitar que alguém do bando mostre fraqueza, se desgarre e ceda para o outro lado. Assim se constrói um ambiente de intolerância e superficialidade afetiva, avesso aos contatos amorosos.
Sem subestimar as dificuldades de quem nasceu nos anos 90, posso lembrar que as coisas nos anos 70 já eram um pouco mais difíceis para os adolescentes sensíveis. Lembro de um amigo que foi vítima de bullying na escola porque se recusou a beijar uma garota na 8ª série. Ele não gostava dela, gostava de outra. Não queria beijar quem não gostava, mas os amigos e mesmo as meninas achavam aquilo incompreensível. Ele foi honesto consigo mesmo e virou motivo de piada – mas apenas por algum tempo. Secretamente, meninos e meninas admiravam a coragem dele.
A sociedade tem dificuldade em entender quem age fora da curva, movido por sentimentos que são diferentes ou mais intensos que a maioria.
Quando a gente cresce e escolhe a sua própria tribo, as coisas ficam mais fáceis, mas, mesmo assim, acontecem trombadas. Lembro uma vez, depois de transar, que uma garota virou para mim e comentou, casualmente: “Você é carinhoso, né?”. Eu respondi: “Sou, você não gosta?”. Ela respondeu que, claro, imagina, adorava – mas a verdade é que não atendeu nas duas vezes que tentei ligar para ela depois disso. Não gostava, né? Ao menos comigo...
Acho que funciona para esse negócio de carinho a vírgula invisível, sobre a qual eu escrevi anos atrás. Se a pessoa diz que não gosta de carinho, existe uma boa chance de que, mesmo sem saber, ela esteja omitindo uma vírgula. “Eu não gosto de carinho, com você”.
Pense nisso: se a gente não tem envolvimento com a pessoa, se a nossa subjetividade não bate com a dela, é mais fácil ter um sexo meramente físico (se é que isso existe...) do que trocar carinhos e intimidades que não parecem naturais. Com outra pessoa, com a afinidade correta, tudo flui, inclusive carinho e sentimentos românticos. Às vezes é uma questão de parceiro ou de parceira, não de personalidade.
Para as pessoas muito carinhosas é mais fácil demonstrar afeto – mas isso também provoca confusões. O cara transa carinhosamente com a menina e ela deduz que ele está apaixonado por ela, quando, na verdade, aquele é apenas o jeito dele de transar com todo mundo. Quando, apesar de transar afetuosamente, o cara diz que não está apaixonado, é percebido como um cara “esquisito”. As pessoas têm a cabeça cheia de regras que não batem com a realidade.
Quando se trata de sentimentos, os jovens (e os adultos) precisam aprender que nem tudo é como eles desejam. Às vezes a gente quer uma pessoa e ela não nos quer. Outras vezes, a pessoa fica com a gente, mas descobre que não curte o nosso jeito e nunca mais volta. Não dá para agradar a todo mundo. Não adianta ser linda ou ser o cara mais sedutor da balada. Tem gente que vai dizer não, ou que não vai se apaixonar por nós mesmo depois de transar. Diante disso, é preciso respeitar a escolha dos outros, erguer a cabeça e seguir adiante – aos 15 anos, aos 25 ou aos 55 anos.
Em qualquer idade, em todas as idades, a gente precisa ter coragem para ser o que é. Sensível e carinhoso, por exemplo. Ou romântica. Fingir é fácil, ser como os outros é fácil, fazer o que as pessoas ao nosso redor acham bacana é moleza. Difícil é ser feliz agindo assim. E, mais difícil ainda, é encontrar alguém que goste da gente de verdade quando a gente mente. Como podem gostar de nós se fingirmos ser outra pessoa?
Não sei o que a minha amiga psicóloga diz aos jovens pacientes dela. Eu, que não sou psicólogo, diria que eles tivessem paciência e continuassem a ser como são. Uma hora aparece uma garota adorável que gostará do jeito deles. Uma hora os amigos entenderão e passarão a respeitar as escolhas e os sentimentos dele – ou ele trocará de amigos. Se a gente persevera, uma hora as coisas mudam. Num mundo de pessoas perdidas, em que a maioria está preocupada em estar na moda e ser igual aos outros, ter personalidade própria tem um custo inicial alto, mas, no longo prazo, é a única coisa que faz sentido e dá resultado, sobretudo no amor e no sexo.
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