Um dos relatos mais difíceis que já escrevi
Renato Stefani
Esse é um dos textos que faz meu estômago revirar do avesso a cada letra que estou teclando.
É, sem dúvidas, o mais difícil que já escrevi, mas algo me diz que é importante para a minha cura.
A história começa quando comecei a perceber um sentimento estranho no peito. Como se tivesse um buraco negro, que tinha literalmente o poder de sugar a minha felicidade nos momentos mais inoportunos. Incomodado com isso, parti em busca de entender mais sobre esse sentimento e o motivo de sua existência.
Essa busca me levou a um retiro de meditação, uma técnica chamada Vipassana, onde a proposta era ficar 10 dias em silêncio meditando. Lá tudo estava lindo, maravilhoso, eu estava em um estado de êxtase, conectado com meu corpo, emoções e natureza. Foi então que, no sétimo dia de retiro, meditando em minha cama depois do almoço, surge um caroço em minha garganta. Na hora, pensei: “tem alguma coisa que eu quero falar que está aqui.”
Então me veio: “eu sou gay”.
E BOOOM!
O caroço abriu, e junto com isso meu corpo todo se desintegrou em luz. Mas, terminada essa sessão de meditação, o estado de serenidade e paz que até então estava presente em mim, a sensação de conexão, alegria sem motivo, desapareceram por inteiro. Fui para esse retiro sem muitas certezas na vida, mas havia uma: eu amava minha namorada. Agora, se eu era “gay”, então quer dizer que esse amor não era mais verdadeiro?
Minha vida, completamente formada dentro da minha mente até então, desabou. Como pode, uma sensação tão boa na meditação ser seguida pela pior sensação do mundo? Nesse momento, percebi o quão identificado com meu ego eu estava. O quanto eu deixei um personagem construído pela mente tomar conta do meu ser, a ponto de não saber nem quem eu era, muito menos sobre a minha sexualidade.
Junto com isso foi embora minha expectativa de que o buraco que eu sentia no peito seria preenchido depois do retiro. Que eu estaria curado e pronto para uma vida alegre, feito um conto de fadas da Disney.
Antes de ir para o retiro, a vida ia muito bem: iria me mudar para morar junto com a minha namorada em um apartamento lindo, e a empresa (o Hack Life) estava crescendo a uma curva exponencial. Tudo aparentava estar muito bem e feliz, mas esse tudo estava ancorado em algo externo. Não tinha lastro nenhum com a parte interna do meu ser.
E o mais curioso foi como a minha vida se transformou depois dessa experiência, quando me vi de volta à “matrix” de São Paulo.
Havia entrado no maior deserto, na maior depressão da minha vida. Tive que, aos poucos, começar a entender outra linguagem que estava muito longe do meu compreendimento: a linguagem do coração. Até então, o que prevalecia era só a mente.
Passei por todos os distúrbios que a psique humana pode inventar: não só pensei, mas tive a certeza de que queria me matar. Cheguei a ter medo, pânico de ficar sozinho. Os dias foram passando, e me vi cada vez mais confinado. Mas, apesar de estar em depressão, tinha alguns momentos em que eu estava bem. Momentos em que viver era a coisa mais deliciosa do mundo.
Nesses, eu era uma pessoa amável, feliz, alegre, vivendo o momento presente. Me sentia acolhido, amado, amparado e tinha uma vontade igual de retribuir todo esse sentimento para os outros a meu redor. A vida começou a ter cor. Se antes eu via pessoas incompetentes e inferiores a mim, agora eu começava a enxergar valores reais nas qualidades de todos que cruzavam meu caminho.
A relação com a minha namorada, que achei que tinha chegado ao fim da linha, só começou a se fortalecer ainda mais em amor, e enfraquecer no medo. Nosso aspecto sexual ganhou outra dimensão. Como pode? Se eu "sou gay", como posso estar fazendo sexo com essa mulher e a relação só fica melhor? Devo estar delirando?
Mas não. A vontade de mergulhar na essência do outro aumentou. Começamos a compartilhar mais emoções e sentimentos, e aos poucos formatando o que “criar uma união” significa de verdade. O que é “amar e ser livre”.
Depois de quase 3 meses sem trabalhar, era hora de arregaçar as mangas e cuidar da minha dimensão material novamente. Com um buraco no meu estômago, comecei a perceber que essa “parada de auto conhecimento” não era algo que se iria resolver da noite pro dia. Que o buraco talvez era mais profundo, e que eu estava só acariciando a superfície. Descobri que essa parte da minha psique que fala que "eu sou gay" significava uma proteção. Uma resistência muito grande ao meu lado feminino: da entrega, do amor, do carinho, da conexão, beleza, harmonia, da doação. Ela apenas queria preservar a minha essência e essa foi a única estratégia que ela encontrou para me “desarmar” por completo.
Hoje, percebo que tenho sim uma parte “gay” dentro de mim. O “gay” que foi ridicularizado durante toda a vida, “bullynado” e suprimido ao expressar sensibilidade.
Talvez o maior presente foi perceber que a minha parte “gay” veio para me mostrar não sobre a sexualidade, e sim sobre o amor.
publicado em 04 de Maio de 2017
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