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segunda-feira, 5 de junho de 2017

Feminicídio: índices e instrumento de combate à violência contra a mulher

Keyty Kellen Maria Rodrigues | ANDREA SIMONE FRIAS
Publicado em 05/2017. 

Reflexões sobre o conceito de violência contra a mulher e os instrumentos que auxiliam nesse combate, dentre eles a tipificação do feminicídio.
RESUMO:  Segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas, entre os anos de 2004 a 2011, 66 mil mulheres foram vítimas de homicídio no mundo, ressaltando, portanto, a importância de estudar o tema proposto de forma científica, a fim de identificar se, de fato, a lei do feminicídio pode ser entendido como um importante instrumento para o combate do crime de violência praticado em desfavor das pessoas do sexo feminino. Evidente que outras leis foram sancionadas para resguardar os interesses da mulher, a exemplo da Lei Maria da Penha, o que ensejou que a violência praticada em desfavor do sexo feminino fosse observada com novos olhos, no intuito de se dar um tratamento especial para as  pretensas vítimas, punindo com mais rigor o agressor. Assim, o presente trabalho se propõe a listar o conceito de violência contra a mulher, destacando as leis que visam resguardar e proteger o sexo feminino, apresentando as peculiaridades da Lei do feminicídio, embasando o texto com as estatísticas coletadas, visando responder ao problema de pesquisa criado para a elaboração do trabalho, qual seja: pode a lei do feminicídio ser entendido como instrumento jurídico de combate ao crime, visando obstar a conduta delitiva em desfavor da mulher?

1. INTRODUÇÃO  

A vida é um dos bens maiores do indivíduo se olhado pela esfera do direito, considerando que sem ela se torna impossível usufruir as garantias constitucionais previstas na Constituição Federal, razão pela qual é considerada como um bem jurídico tutelado pelo direito penal.
A vida da mulher, em especial, ganhou destaque, considerando as estatísticas nacionais de da Organização das Nações Unidas acerca do fato de ter emocorrido 66 (sessenta e seis) mil homicídios em desfavor de pessoas do sexo feminino pelo mundo, entre os anos de 2004 a 2011.
No Brasil, decorrente de inúmeras situações fáticas, a proteção em prol da mulher vem sendo fortemente discutida entre os juristas, desde a Lei Maria da Penha, mesmo com opiniões diversas e contrárias a esta especial proteção que se procura dar a mulher de forma legislativa.
Mas a fim de assegurar e proteger a vida da mulher, diante dos dados levantados e as discussões efetivadas, a exemplo do Mapa da Violência de 2012, que foi divulgado pelo Instituto Sangari, demonstrando que no Brasil, aproximadamente 44 (quarenta e quatro) mil mulheres foram vítimas de homicídio entre os anos de 2000 a 2010, sendo que destas 41% (quarenta e um por cento) foram mortas dentro da própria casa, foi instaurada a Comissão parlamentar Mista de Inquérito para investigar a situação da violência contra a mulher, sendo justamente esta comissão quem apresentou a proposta de criação da lei do feminicídio, sancionada no dia 09 de março de 2015, se transformando a proposta na Lei nº 13.104/2015.
Nesse sentido, com a coleta de materiais doutrinários, artigos científicos e teses jurídicas sobre o tema, objetiva-se, com o tema proposto para o trabalho, conceituar a violência contra a mulher, apresentando dados estatísticos de homicídios praticados em desfavor do sexo feminino, visando apurar se a Lei do Feminicídio pode ser entendida como um instrumento jurídico, e talvez social, de proteção à mulher, de forma a obstar a prática do crime no meio social.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 

Segundo a Convenção Belém do Pará, a violência contra a mulher pode ser definida como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (LACERDA, 2015, p. 01).
Paulo e Ribeiro (2016) entendem que a violência de gênero é usada como mecanismo para a manutenção do poder, embora o termo “gênero” possa não ter relação com o sexo ou mesmo a sexualidade, sendo a questão da dominação do sexo masculino em desfavor do feminino remonta à antiguidade, gerando a violência em si.
Para Campos (2013) a violência doméstica é um grande desafio contemporâneo, mas que tem raízes fincadas no passado, sendo, também, um desafio criminológico, podendo, inclusive, ser considerada uma criminalidade de massa.
Destaca-se que não é um fato novo, existindo desde os tempos mais remotos, sendo novidade, todavia, a preocupação que se tem hodiernamente com a superação da violência, como “condição necessária para a construção de nossa humanidade” (WAISELFISZ, 2015, p. 07).
A judicialização do problema da violência contra a mulher e, em especial, os homicídios contra elas praticados também é um fato social e jurídico novo no país (WAISELFISZ, 2015).
Não é difícil chegar a referida conclusão se observado que desde a época do direito romano a mulher era vista como coisa, sendo que na esfera jurídica o sexo feminino sempre sofreu restrições e interdições (CRETELLA JUNIOR, 2005).
Lacerda (2015) salienta que a legitimação do feminicídio está fundada em compromissos assumidos pelos Estados no intuito de obstar a prática do crime de gênero de forma internacional e em prol dos direitos humanos, considerada espécie de discriminação, como forma de trazer uma resposta legislativa para os casos reais de violência, tanto que na Declaração de Eliminação de Violência contra as Mulheres da ONU reconheceu-se no artigo 3º que “As mulheres têm direito ao gozo e à proteção, em condições de igualdade, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos domínios político, econômico, social, cultural, civil ou outro domínio” (LACERDA, 2015, p. 07), exemplificando que o Brasil é signatário de importantes instrumentos globais de proteção ao sexo feminino, diante dos direitos que lhe são garantidos por lei, a exemplo da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW); a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
No âmbito interno e regional, o Brasil é adepto à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), identificando que conjuntamente com os outros instrumentos e a Constituição Federal nacional, forma-se um sistema de proteção (LACERDA, 2015).
Veja-se:
Embora a questão dos direitos humanos das mulheres e da igualdade de gênero venha recebendo atenção, no cenário internacional, desde a primeira metade do século vinte, até a década de setenta, com impulso maior nos anos noventa, as iniciativas adotadas nessa área caracterizavam-se pela adoção de instrumentos de direitos humanos de natureza genérica, que consagravam a proibição de discriminação por razão de sexo, junto ao direito de igualdade perante a lei, sem reconhecer as mulheres como um coletivo com necessidades especiais de proteção (GEBRIM; BORGES, 2014, p. 59).
Comentando as estatísticas encontradas sobre o tema, primeiramente é importante frisar que a fonte básica para a análise dos homicídios no Brasil é o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS) (PASSINATO, 2011).
O Brasil, no ano de 2012, ocupava a sétima posição entre oitenta e quatro países na taxa de homicídios praticados em desfavor de mulheres, precedido de El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize, segundo o Mapa da Violência (PAULO; RIBEIRO, 2016).
Veja-se que a violência contra a mulher e os homicídios contra o gênero praticados não são questões atuais, remontam de tempos, a exemplo do ano de 1980 onde 1.353 (mil trezentas e cinquenta e três) mulheres foram assassinadas; no ano de 2010 foram 4.465 (quatro mil quatrocentos e sessenta e cinco) vítimas, demonstrando a essencialidade do estudo do tema e de adoção de políticas públicas e jurídicas para o problema social enfrentado, demonstrando que houve um aumento de 230% (duzentos e trinta por cento) no número de mortes de mulheres no Brasil e trinta anos (WAISELFISZ, 2012).
Dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), conjuntamente com a Campanha Compromisso e Atitude, apurou que a agressão física e a psicológica são as principais formais de violência contra mulheres, sendo que do total de atendimentos do Ligue 180 (Central de Atendimento à mulher), apontou que no ano de 2016 12,23(doze vírgula vinte e três por cento) corresponderam a relatos de violência, sendo que 03(três) a cada 05(cinco) mulheres jovens já foram vítimas de violência ainda na fase do relacionamento (namoro) (COMPROMISSO e ATITUDE.org.br, 2017).
Pela matéria jornalística apresentada pelo Jornal Estadão, aos 07 de março de 2016, veiculou-se que no Brasil a cada sete minutos existe um relato de violência contra a mulher no país, sendo que foi recebido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), no ano de 2015, 63 (sessenta e três) mil denúncias de violência (ESTADÃO, 2016).
O problema da violência contra a mulher pode ser considerado um problema social, se observado os novos dados apresentados pelo Mapa da Violência do ano de 2015, apontando o Brasil como ocupante do 5º (quinto) lugar no ranking dos países onde mulheres são assassinadas. Segundo a pesquisa no ano de 2013 foram identificados 4.762 (quatro mil setecentos e sessenta e dois) assassinatos de mulheres no país, sendo que 50,3% (cinquenta vírgula três por cento) foram cometidos por familiares; 33,2% (trinta e três vírgula dois por cento) praticado pelo parceiro ou ex-parceiro, representando 13(treze) feminicídios diários no Brasil (COMPROMISSO e ATITUDE.org.br, 2017).
Mesmo que repetitivo, embora considerada a melhor fonte de pesquisa até então encontrada sobre as estatísticas do crime, o homicídio de mulheres negras no país aumentou 54% (cinquenta e quatro por cento) em 10 anos, passando de 1.864 assassinatos ocorridos no ano de 2003 para 2.875 no ano de 2013, havendo queda, todavia, em relação a mulheres brancas, diminuindo o número de feminicídio em 9,8% (nove vírgula oito por cento) (COMPROMISSO e ATITUDE.org.br, 2017).
Não se pode questionar a importância que a Lei Maria da Penha, mesmo com todas as contradições e posicionamentos contrários, trouxe em prol da comunidade nacional, no combate a todas as formas de violência praticadas em desfavor da mulher.
Chega-se à referida conclusão se observados os dados do Conselho Nacional de Justiça dos anos de 2006 a 2011, onde com a aplicação da citada Lei foram distribuídos 685.905 (seiscentos e oitenta e cinco mil novecentos e cinco) procedimentos, realizadas 304.696 (trezentos e quatro mil seiscentos e noventa e seis) audiências, efetuadas 26.416 (vinte e seis mil quatrocentas e dezesseis) prisões em flagrante, 4.146 (quatro mil cento e quarenta e seis) prisões preventivas (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017).
Se observado os fatos ditos criminosos contra mulheres por Estado, segundo o Mapa da Violência do ano de 2015, no Paraná ocorreram 227 homicídios no ano de 2003, 249 em 2004, 239 no ano de 2005, 249 no ano de 2006, 241 em 2007, 306 no ano de 2008, 331 no ano de 2009, 338 no ano de 2010; 283 no ano de 2011, 321 no ano de 2012 e 283 em 2013 (WAISELFISZ, 2015).
Como visto, as estatísticas são essenciais para averiguar a necessidade de legislação que trate do assunto sendo de extrema relevância enfatizar como é identificado o crime de feminicídio.
Nesse sentido, quando existe o feminicídio?
[…] quando a agressão envolve violência doméstica e familiar, ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher, caracterizando crime por razões de condição de sexo feminino. Devido às limitações de dados atualmente disponíveis, entenderemos por feminicídio as agressões cometidas contra uma pessoa do sexo feminino no âmbito familiar da vítima que, de forma intencional, causam lesões ou agravos à saúde que levam a sua morte (WAISELFISZ, 2015, p. 07).
A editora Impetus (2015), em seu sítio, cria um estudo completo sobre o feminicídio, indicando que, em verdade, falar que foi criado um crime de feminicídio é tecnicamente um erro grosseiro, considerando que o delito de fato praticado ainda continua sendo o homicídio, sendo o “feminicídio” uma qualificadora, não se devendo confundir as seguintes terminologias:
a) femicídio: morte de uma mulher; b) feminicídio: morte de uma mulher por razões de gênero ou pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher que é qualificadora do homicídio; c) uxoricídio: assassinato em que o marido mata a própria esposa; d) parricídio: assassinato pelo filho do próprio pai; e) matricídio: matar a própria mãe; f) fratricídio: matar o próprio irmão; g) ambicídio: quando as mortes decorrem de um pacto (EDITORA IMPETUS, 2015, p. 01), grifos do autor.
Outros conceitos a respeito do tema são apresentados por Greco (2015) quando menciona que é estudado três tipos de feminicídio: o íntimo, não íntimo e o por conexão.
O primeiro diz respeito ao crime cometido pelo sexo masculino com os quais a vítima do delito teve ou tem relação íntima, a exemplo da familiar ou afins. O segundo se trata do homicídio praticado contra a mulher quando inexiste qualquer espécie de relação ou afinidade. O terceiro, por conexão é definida como o crime praticado em desfavor da mulher que estaria na chamada “linha de tiro” de um homem que tentava matar outra mulher, como na aberratio ictus (GRECO, 2015, p. 03).
Ainda, a editora anteriormente listada apresenta um conceito de feminicídio, todavia, importante citá-lo pela extensão apresentada acerca do contexto em que o delito pode ocorrer para restar caracterizado:
O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de violência doméstica/familiar, e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio reportam, no campo simbólico, a destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher. Também conhecido como crime fétido, vem a ser uma expressão que vai além da compreensão daquilo designado por misoginia,[1] originando um ambiente de pavor na mulher, gerando o acossamento e sua morte. Compreendem as agressões físicas e da psique, tais como o espancamento, suplício, estupro, escravidão, perseguição sexual, mutilação genital, intervenções ginecológicas imotivadas, impedimento do aborto e da contracepção, esterilização forçada, e outros atos dolosos que geral morte da mulher (EDITORA IMPETUS, 2015, p. 02).
Todas as especificidades e questões gerais do crime compreendem aquilo que já se definiu para o crime de homicídio, levando-se em conta, todavia, as questões da qualificadora ora em apreço. Porém uma questão particular trata-se acerca da competência para julgamento do homicídio quando há o reconhecimento da qualificadora feminicídio.
Pois bem, dependerá da organização judiciária de cada Estado definir, vez que em alguns Estados do Brasil já existe o reconhecimento de que o crime doloso contra a vida praticado no contexto da violência doméstica pode ser julgado pela Vara de Violência Doméstica, o que faz com que o feito seja ali instruído até a fase de pronúncia, para, posteriormente, ser a ação encaminhada para a Vara do Tribunal do Júri (EDITORA IMPETUS, 2015, p. 07). Nesse sentido:
Segundo o STF, a Lei de Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do Júri seja realizada na Vara de Violência Doméstica, em caso de crimes dolosos contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. Não haverá usurpação da competência constitucional do júri. Apenas o julgamento propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser feito no Tribunal do Júri (Conferir: STF. 2ª Turma. HC 102150/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/5/2014. Info 748) (EDITORA IMPETUS, 2015, p. 07), grifo do autor.
O tema é de extrema relevância, considerando que a cada prática e consumação do crime uma vida é retirada do corpo social, fazendo com que as estatísticas aumente, a insegurança avance no seio feminino e a impunidade, muitas vezes aconteça.
Nesta esfera é que se defende que a qualificadora ora em análise pode sim ser considerada como um instrumento jurídico de combate ao crime.
Na prática, deveras, quiçá não se poderá fazer muito, vez que eventual medida protetiva não vedará ou impedirá que um sujeito cometa o crime em desfavor de sua vítima, todavia, pode ser um instrumento a obstar eventual prática, o que se tentará demonstrar a seguir.

2.2. O FEMINICÍDIO COMO INSTRUMENTO DE COMBATE AO CRIME 

Destaca-se que a discussão acerca da tipificação penal do crime chamado de feminicídio teve origem na América Latina, tendo como fundamento os homicídios praticados em desfavor de mulheres na “Ciudad de Juaréz”, Estado de Chihuahua no México, onde mais de 34(trinta e quatro) mil mulheres foram assassinadas entre os anos de 1985 a 2009, onde familiares das vítimas sofreram intimidações por parte das autoridades do local, sendo, então, o Estado mexicano condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação de direitos e acesso à Justiça, no ano de 2009 (LACERDA, 2015).
Lacerda (2015) salienta, ainda, que o México foi investigado in loco pelo Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (CEDAW) no ano de 2003, resultando no Informe de 2005 com a divulgação de recomendação ao Estado, com cunho condenatório, entendendo que a morte das primeiras mulheres foi o que incentivou a morte das demais, suscitando, assim, o debate sobre o feminicídio no mundo, exigindo o que foi chamado de uma ação integrada para a solução e o combate da violência de gênero, crime considerado de extrema complexidade, tendo muitas fazes, e questões de ordem penal, social e cultural.
Segundo a referida pesquisadora, ainda, no Brasil o caso emblemático foi o estupro coletivo ocorrido no dia 11 de fevereiro de 2012 no município de Queimadas na Paraíba, onde vários autores do crime, de forma arquitetada, violentaram as vítimas Izabella, Priscila, Michele, Joelma e Lucivane (LACERDA, 2015).
Nesse contexto, é necessária a existência de medidas de caráter preventivo e assistencial em prol da mulher, e que pode ser viabilizado pelo direito penal, sendo chamado a:
Coibir e punir a violência contra a mulher, uma vez que este tipo de violência (…) tem sido um dos mecanismos sociais principais para impedi-las a ter acesso a posições de igualdade em todas as esferas da vida social, incluindo a vida privada. Essa violência é uma manifestação de poder e expressa uma dominação masculina de amplo espectro, histórica e culturalmente construída, para além de sua manifestação nos corpos das mulheres. É uma violência difusa e, muitas vezes, tolerada e não visibilizada, especialmente quando ocorre na família, no ambiente de trabalho ou mesmo nas instituições públicas. O direito Penal, enquanto técnica de definição e reação aos comportamentos desviantes, se traduz em proibições e punições, sendo um instrumento de utilidade controversa quanto à garantia de direitos, uma vez que para efetivar direitos fundamentais seriam necessárias, em tese, ações eminentemente positivas (PAULO; RIBEIRO, 2016, p. 05-06).
O delito ora em estudo tem representado a etapa final de uma vida de constante violência que muitas mulheres passam, precedido de abusos de toda ordem, a exemplo de físicos e psicológicos, ainda sob o enfoque da dominação masculina e um padrão de cultura de subordinação do sexo feminino, apresentado de geração para geração (BANDEIRA, 2013).
Segundo a estudiosa Lacerda (2015, p. 16), a Lei nº 13.104 representa uma resposta do legislador em prol da sociedade e do sexo feminino, de acordo com os próprios dados estatísticos levantados nacional e internacionalmente, uma vez que a mulher é a maior vítima de homicídio dentro do ambiente doméstico, havendo necessidade de intervenção do Estado, em especial pelos conceitos que se tem de igualdade material, na defesa de minorias. Nesse sentido:
Portanto, deve-se entender a responsabilização penal daquele que comete o feminicídio como uma resposta do Estado à violação do direito à vida das pessoas. Além disso, a distinção entre homicídio e feminicídio deve ser compreendida pelo advento do objeto material e do sujeito passivo, constituídos por mulher, bem como pela motivação da conduta (LACERDA, 2015, p. 16-17).
Várias discussões existem sobre o tema e evidente que nem todas são na mesma linha de pensamento, vez que muitos estudiosos do tema se posicionam de forma contrário, em especial, a criação de tipos penais que visem criar certas desigualdades, em detrimento ao princípio da igualdade, previsto no ordenamento jurídico nacional.
Assim, muitos são contra o feminicídio por se tratar de delito específico previsto para tutelar a vida de uma parcela da população em detrimento de outros. Todavia, justamente este princípio é o fundamento para criação do feminicídio, a exemplo das considerações da Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, quando considera que as desigualdades são necessárias para igualar os desiguais (FEREIRA DIAS; SOUZA DIAS, 2015).
Não diferente, e com precisas considerações que são pertinentes ao tema ora estudo, diante da crítica que se faz a criação de uma qualificadora específica para tutelar a vida do sexo feminino, o pensamento de Rocha (1990, p. 39 e 41):
O princípio jurídico da igualdade refaz-se na sociedade e rebaliza conceitos, reelabora-se ativamente, para igualar iguais desigualados por ato ou com a permissão da lei. O que se pretende, então, é que a ‘igualdade perante a lei’ signifique ‘igualdade por meio da lei’, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas. […] O que se pretende, pois, é que a lei desiguale iguais, assim tidos sob um enque que, todavia, traz consequências desigualadoras mais fundas e perversas. Enquanto antes buscava-se que a lei não criasse ou permitisse desigualdades, agora pretende-se que a lei cumpra a função de promover igualações onde seja possível e com os instrumentos de que ela disponha, inclusive desigualando em alguns aspectos para que o resultado seja o equilíbrio justo e a igualdade material e não meramente formal. […] Ao comportamento negativo do Estado, passa-se, então, a reivindicar um comportamento positivo. O Estado não pode criar legalidades discriminatórias e desigualadoras, nem pode deixar de criar situações de igualação para depurar as desigualdades que se estabeleceram na realidade social em detrimento das condições iguais de dignidade humana que impeçam o exercício livre e igual das oportunidades, as quais, se não existirem legalmente, deverão ser criadas pelo Direito. Somente então se terá a efetividade do princípio jurídico da igualdade materialmente assegurado.
Outro ponto de debate para justificar a existência do feminicídio, de forma inconformada por alguns, é listado como um objeto do populismo penal, forma de exercício do poder punitivo Estatal para “[…] instrumentalizar o senso comum e explorar a vontade popular, criando assim políticas repressivas de combate ao crime, por meio de leis mais drásticas, penas maiores, sentenças mais rígidas (GOMES, 2013, p. 29), de forma a utilizar a comoção e o sentimento de medo do delito (GARLAND, 2005).
Não diferente é o entendimento de Doroteu e Andrade (2015, p. 16-17), salientando que o discurso populista traz como ideia central o castigo, sendo a forma “[…] apropriada de responder, instantaneamente, uma sociedade cada vez mais receosa devido ao crescente fenômeno da criminalidade, além de mostrar que o Estado está disposto a usar seis poderes para manter a lei”, apontando e criticando que:
[…] o populismo penal não é ‘fruto puro e direito do senso comum’ […] surgindo pelo emprego de técnicas empregadas à manipulação da massa, com o objetivo de criar ou ampliar a sensação de insegurança explorando-se, dessa forma, o sentimento de medo ligado ao de vingança, com o intuito de se alcançar o apoio popular para a expansão do poder punitivo. […] Objetiva-se, simplesmente, em utilizar o poder punitivo como um fator de mecanismo de gestão eficiente de determinados problemas, assim, seria o Direito Penal o único instrumento eficaz e dotado de um caráter estritamente pedagógico e político-social para a mantença da civilização, ou seja, um recurso hábil de transformação da sociedade, de maneira a fomentar a ordem social sob o fundamento de interesses de ordem e ideologias econômicas transpondo, assim, o campo do sistema penal ou da prevenção geral do crime (DOROTEU; ANDRADE, 2015, p. 17).
Precisamente, sobre a criação do feminicídio, Gomes (2013) adverte que se trata de resposta às reivindicações sociais, sendo incluída a Lei nº 13.104/2015 no ordenamento jurídico nacional como mecanismo eficiente para erradicar a violência contra a mulher, nos moldes da legislação internacional, sendo aclamada por alguns setores sociais pela aplicação de penas mais duras aos autores do crime.
O referido estudioso adverte, todavia, que existem no feminicídio características do discurso populista, qual defende o rigorismo penal, havendo negligência em relação à aplicação da listada lei, sendo ilusório pensar que o agravamento da pena resolverá questões sociais ou garantirá a efetiva aplicação da execução da pena, listando que é justamente o que falta para que, de fato, a gravidade da pena faça sentido (GOMES, 2013).
Continuando o entendimento, Greco (2009) e Nucci (2015) listam que em relação ao feminicídio existe uma adoção de política de repressão sem a regular e anterior prevenção, sendo prioridade tratar a morte, não se apresentando resultados de cura para a doença, a exemplo das ineficazes medidas protetivas que são concedidas no Judiciário, que são voltadas para conter prenúncios da prática do crime de homicídio.
Sob o mesmo enfoque Doroteu e Andrade (2015) expõe as referências de pesquisa efetivadas sobre o tema, aduzindo, inclusive, acerca do efeito simbólico e desnecessário da lei do feminicídio, listando que:
o Parlamento brasileiro continua míope […], pois, para amortizar o índice dos crimes de homicídio de mulheres é necessário ir à raiz do problema […], ou seja, deve-se estruturar a polícia brasileira, a fim de que faça investigações mais técnicas, ter o controle externo mais assíduo do Ministério Público e uma Justiça Criminais mais célere, a fim de reduzir a impunidade. Além disso, é imprescindível a implementação de políticas públicas que recaiam sobre a prevenção do crime, utilizando-se, sobretudo de forma efetiva, das medidas protetivas já previstas em lei. {…] o efeito simbólico e desnecessário, da Lei d  Feminicídio está no fato de que não ocorreu alteração em sua essência, visto que, veio penalizar algo que já estava previsto legalmente, ou seja, poderia ser caracterizado como motivo torpe ou fútil […] (DOROTEU; ANDRADE, 2015, p. 19).
Pois bem, o fato de o feminicídio podendo ser enquadrado em outra qualificadora é outro motivo pelo qual alguns estudiosos discordam acerca do sancionamento da lei. Todavia, a lei está em vigor, bem ou mais, deve ser usada em prol das desigualdades que devem ser identificadas entre os iguais, a exemplo do pensamento da Ministra do STF, Cármen Lúcia, salvo, não existiria razão de existir.
Mas, não é só de críticas que sobrevive a lei do feminicídio, muitos são favoráveis à existência da lei, a exemplo do entendimento apresentado pelo Ministra Cármen Lúcia acerca da necessidade de tratamento diferenciado aos desiguais tidos como iguais na sociedade, a exemplo do entendimento, também, apresentado por Oliveira, Costa e Souza (2015), quando elencam que a criminalização do feminicídio tratou-se de uma providência justa e necessária, até mesmo pela dívida que a sociedade e o Estado possui com as mulheres, sendo a chamada “judicialização do feminicídio” apenas uma das modificações que são necessárias o Estado empreender, na busca da transformação dos acontecimentos sociais.
Garita (2013), por sua vez atribui ao Estado a responsabilidade de prevenir e combater o crime, identificando o feminicídio como um crime de Estado por restar violado direitos tidos como fundamentais, asseverando que a inoperância por parte do ente estatal é que facilita a violação dos direitos das mulheres, tendo como consequência a prática do crime.
Ou seja, inexiste possibilidade de se educar ou querer a modificação de estatísticas senão pela previsão legal do crime, diante do alarmante número de delitos que são praticados, considerando que a própria sociedade já se amoldou a esta cultura, supõe-se, inexistindo outro remédio, alternativa ou solução que não seja a criação de leis precisas de combate ao crime.
Mello (2015) também atribui ao Estado a responsabilidade de efetivar medidas judiciais em relação ao agressor, acrescentando que falta vontade inclusive política por parte do Estado para reverter as estatísticas nacionais.
E justamente neste enfoque é que se vislumbra a necessidade, então, de criação de políticas públicas e ou judiciárias voltadas para o sucesso da lei, para efetividade do direito penal e processual penal; para sair do populismo chamado por alguns doutrinadores, como acima visto, em prol, então da prevenção geral.
Assim, no Poder Judiciário algumas estratégias para o combate ao crime são adotadas como espécie de política pública judiciária, a exemplo do Conselho Nacional do Ministério Público que definiu metas para a redução dos inquéritos que apuram a qualificadora e o crime de homicídio ora estudado, consideradas metas nacionais, como para redução do feminicídio (CNMP, 2016).
No mês de março de 2017 como uma das ações da Enasp (Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública), no intuito de se amoldar ao contexto internacional, foi adotado no país o chamado “modelo de protocolo latino-americano para investigação de mortes violentas de mulheres” das Nações Unidas, justamente prevendo o combate a prática do crime (CNMP, 2017).
Como anteriormente anotado, uma das metas é a redução dos inquéritos policiais instaurados para apurar o feminicídio, sendo que segundo informações constantes no sítio do Ministério Público do Estado do Paraná, referido órgão registrou 137 (cento e trinta e sete) inquéritos de feminicídio entre março de 2016 a março de 2017, sendo oferecidas 111 (cento e onze) denúncias à Justiça, 05(cinco) arquivamentos de inquérito policial e 21 (vinte e um) casos ainda estão sob investigação (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, 2017).
No evento que apurou estas estratégias nacionais, ocorrido no Estado do Ceará, identificou-se que a média nacional de redução do número de inquéritos relacionados ao tema, com o objetivo de conferir maior agilidade para redução dos casos práticos identificados, foi de 56,85% (cinquenta e seis vírgula oitenta e cinco por cento), enquanto que do Estado do Paraná foi da baixa de 84,67% (oitenta e quatro vírgula sessenta e sete por cento) dos processos em andamento, demonstrando o comprometimento do Estado na apuração dos crimes (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, 2017).
Nacionalmente, apontou-se que foram instaurados 2.925 (dois mil novecentos e vinte e cinco) inquéritos de feminicídio no listado período acima citado, sendo que 1.663 (mil seiscentos e sessenta e três) inquéritos foram baixados resultando em 1.474 (mil quatrocentos e setenta e quatro) denúncias, 101 (cento e um) inquéritos arquivados e 88 (oitenta e oito) casos de desclassificação para outro crime (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, 2017).
Os dados acima apontados demonstram e atestam que, de fato, a qualificadora ora em vigor no ordenamento jurídico nacional pode ser considerada sim como instrumento de combate ao crime, vez que visa a punição do sujeito ativo do crime, obstando eventual prática de conduta por parte de outros pretensos autores do delito.
Trata-se pois de espécie de norma de prevenção geral, se recordado os primeiros estudos de direito penal, tendo como finalidade a prevenção de delitos que incidem sobre a sociedade. E para as teorias da prevenção geral, a negativa ou intimidatória, e a da prevenção geral positiva, mesmo que distintas, ambas possuem como caráter primário a reprimenda do crime (BITENCOURT, 2014).
A primeira teoria tenta intimidar os sujeitos a não praticarem o crime, o que reforça o feminicídio como instrumento de combate ao crime, vez que referida teoria da prevenção geral negativa ou intimidatória, “[…] assume a função de dissuadir os possíveis delinquentes da prática de delitos futuros através da ameaça de pena, ou prejudicando com o exemplo do castigo eficaz” (BITENCOURT, 2014, p. 143).
Nesse sentido e sobre a pena como meio eficaz de se coibir a prática do crime, embora se deixe de lado todas as questões e discussões acerca do sistema prisional e penitenciário nacional que se conhece:
A teoria defendida por Feuerbach sustenta que é através do Direito Penal que se pode dar uma solução ao problema da criminalidade. Isto se consegue, de um lado, com a cominação penal, isto é, com a ameaça de pena, avisando aos membros da sociedade quais as ações injustas contra as quais se reagirá; e, por outro lado, com a aplicação da pena cominada, deixa-se patente a disposição de cumprir a ameaça realizada. A elaboração do iniciador da moderna ciência do Direito Penal significou, em seu tempo, a mais inteligente fundamentação do direito punitivo. Na concepção de Feuerbach, a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos; é  pois uma ‘coação psicológica’ com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo (BITENCOURT, 2014, p. 144).
Já a segunda, da prevenção geral positiva, “[…] assume a função de reforçar a fidelidade dos cidadãos à ordem social a que pertencem” (BITENCOURT, 2014, p. 143). Assim, as mulheres e meninas, se tratando do feminicídio, mesmo que abstratamente, estão cientes de que existe no país leis que resguardem os direitos constitucionais.
Importante observar os fundamentos:
A teoria da prevenção geral positiva propõe uma mudança de perspectiva quanto ao alcance dos fins preventivos: estes já não estariam projetados para reeducar aquele que delinquiu, nem estariam dirigidos a intimidar delinquentes potenciais. A finalidade preventiva seria agora alcançada através de uma mensagem dirigida a toda a coletividade social, em prol da ‘internalização e fortalecimento dos valores plasmados nas normas jurídico-penais na consciência dos cidadãos’. A pena passa, então, a assumir uma finalidade pedagógica e comunicativa de reafirmação do sistema normativo, com o objetivo de oferecer estabilidade ao ordenamento jurídico. A teoria […] propugna, basicamente, três efeitos distintos, que podem aparecer inter-relacionados: o efeito de aprendizagem através da motivação sociopedagógica dos membros da sociedade; o efeito de reafirmação da confiança no Direito Penal; e o efeito de pacificação social quando a pena aplicada é vista como solução ao conflito gerado pelo delito (BITENCOURT, 2014, p. 147).
Acerca ainda do tema e elencando que o Brasil optou por eleger o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, no intuito de aumentar a pena de 12(doze) a 30(trinta) anos, Doroteu e Andrade (2015) elencam que a tipificação da listada qualificadora possui
[…] caráter de medida política tida como mais uma ferramenta voltada à erradicação da violência contra as mulheres e que, por isso, foi incorporada em legislações de alguns países, como tipo penal ou como figura agravada, considerando esta como a medida eficaz, revestida do imediatismo para solução do problema (DOROTEU; ANDRADE, 2015, p. 17).
Pensa-se, mesmo que tida como precária e retrógrado o pensamento acerca da penalização do sujeito por meio da privação da liberdade, de acordo com os novos ditames da justiça restaurativa, embora o instituto não possa ser aplicado em prol dos sujeitos que praticam delitos dolosos contra a vida, ainda se tem a pena como melhor saída, como forma de inibir a prática do crime, para tanto, supõe-se, as leis são criadas, os crimes previstos de acordo com o princípio da legalidade, da anterioridade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

O tema objeto da presente pesquisa tratou de analisar a qualificadora acrescentada ao crime de homicídio, o feminicídio, como espécie de instrumento no intuito de obstar a prática do crime na vida real.
Primeiramente, importante frisar que existem diferenças nas terminologias como listado no trabalho, não havendo precisão na lei acerca do que, de fato, é femicídio e feminicídio, havendo um erro técnico nas terminologias empregadas.
Por segundo, salienta-se que se reconhece que o feminicídio, embora não deixe de ser um crime, é uma conduta que qualifica o homicídio, justamente pelo modus operandi, considerando a vítima do crime e o ódio que se tem ao gênero.
Várias são as condutas que podem ser consideradas como feminicídio, respeitando todas as peculiaridades que envolve o crime de homicídio, a exemplo do sujeito ativo, forma tentada ou consumada, entre outras.
Acerca do feminicídio as estatísticas demonstram a necessidade de criação da lei, qual entrou em vigor no país como forma de erradicar a violência contra a mulher, tendo como precedente a Lei Maria da Penha.
Diga-se de passagem, a promulgação e vigência do crime em comento é derivado de tratados e Convenções que o Brasil assinou no âmbito internacional, tendo como ideal o respeito aos direitos da dignidade humana, da dignidade da mulher.
Veja-se que a própria cidadania, já que o Estado foi elencado como titular do ius puniendi, está vinculada a consumação e efetivação dos direitos fundamentais, E como ter a vida, por exemplo, resguardada se inexiste no país lei específica em prol da proteção, mesmo que abstratamente e como forma de prevenção geral, no intuito de obstar a prática do feminicídio?
Uma lei que resguarde os direitos da mulher, em especial a vida, é decorrente da própria aplicação legal do princípio da igualdade, o qual significa tutelar direitos em prol daqueles que, dentre os iguais, são, pela própria natureza, desiguais. Aqui concorda-se, em especial, com o apontamento da Ministra do STF, Cármen Lúcia, a respeito do princípio da igualdade que não visa apenas resguardar tratamento igualitário para todos, mas desigualar os iguais de acordo com as necessidades e desigualdades.
Assim, por meio do feminicídio, busca o Brasil assumir os compromissos internacionais firmados, sendo, de fato, como apontado por alguns críticos, como espécie de resposta à população, na ânsia da efetivação dos direitos e na busca da segurança pública e privada, em especial, em prol da vida.
Evidente que existem entendimentos diversos e contrários à aprovação da lei, apontando que a criação do feminicídio não se trata de solução acertada para obstar a prática do crime. Todavia, é o que pode na atualidade ser oferecida à população.
E de forma prática, as políticas judiciárias adotadas são a forma prática pela qual podem os Estados fazer valer a lei.
Após todo o estudo efetivado, mesmo ciente da existência de opiniões contrárias e diversas, entende-se que a qualificadora feminicídio criada e incorporada ao crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal pode sim ser entendida como espécie de instrumento para a prática de crime, no intuito de obstar a prática, de acordo com o aumento de pena previsto para aquele que  praticar o delito.
Até pode ser considerado como forma retrógrada de se pensar o direito penal. Todavia, desde a sua existência, a pena é prevista como espécie de sanção e de prevenção, desde o direito romano, e existe dificuldade em se aplicar outra espécie de pena, a exemplo dos métodos da justiça restaurativa, quando da consumação do crime de homicídio, ou dolosos contra a vida, até mesmo pela recomendação efetivada pelo Conselho Nacional de Justiça.
Nesse contexto, por ora, se pela educação e conscientização não é possível se chegar ao objetivo almejado, qual seja, extirpar do corpo social a prática de crime, até mesmo pela dificuldade, vez que o crime existe desde que existe sociedade, sendo considerado por Bitencourt (2014) como um fenômeno social normal, a penalização do delito e a previsão deste no ordenamento jurídico nacional, de fato, pode ser considerada como forma e instrumento de combate à prática do crime.
Não se ignora os ensinamentos tidos com a leitura de todos os estudos encontrados sobre o tema e as críticas observadas acerca da lei do feminicídio, todavia, a proposta inicial foi justamente investigar se a qualificadora pode ser tida como instrumento de combate, e de fato pode, de acordo com as teorias da prevenção geral, em especial, pela pena que é abstratamente prevista.
De outro norte, evidente que políticas públicas e judiciárias são essenciais para que haja uma eficiente redução das estatísticas da criminalidade, da violência praticada em desfavor da mulher. E nesse contexto, como observado, com uma célere apuração do crime, oferecimento de denúncia pelo Ministério Público e instrução processual, de fato, é possível se chegar aos resultados esperados, vez que o sujeito autor do crime perceberá que sua conduta não ficará impune.

REFERÊNCIAS

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NOTA

[1]              Conceito de misoginia: “[…] compreende o ódio, desprezo ou repulsa ao gênero feminino e às características a ele associadas, sejam mulheres ou meninas. Está diretamente ligada à violência contra a mulher” (EDITORA IMPETUS, 2015, p. 15).

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