Estudos mostram que o consumo de drogas como a cocaína podem ser transmitidas para as gerações posteriores
DANIEL MEDIAVILLA
2 JUN 2017
Acredita-se que as penas dos dinossauros não apareceram porque facilitaria o voo deles. As primeiras utilidades que favoreceram sua seleção foram, possivelmente, porque ajudavam a manter a temperatura corporal ou serviam como atrativo sexual. Depois começaram a ser o apoio para realizar modestos voos e milhões de anos depois, o resultado daquele processo é observado nas aves que planam nos céus. Uma adaptação semelhante é a que serve para que alguns seres humanos voem, neste caso com drogas.
O sistema de recompensas naturais do nosso organismo apareceu porque nos empurrava a procurar coisas que facilitavam nossa sobrevivência. Substâncias como a cocaína trabalham através dos mecanismos de recompensa que nos fazem sentir bem quando saciamos a sede ou a fome, mas com um efeito muito mais intenso. Estas maneiras para garantir que procuremos água ou comida foram favorecidas pela seleção natural, mas também estão por trás dos vícios.
Faz algum tempo, é conhecido que há fatores genéticos hereditários que podem tornar uma pessoa mais propensa ao vício. Amplos estudos com gêmeos mostraram que o risco de abusar das drogas é hereditário em até 60% dos casos. Isso se relacionou com variações no genoma, mas essas particularidades não explicam inteiramente o fenômeno. Nos últimos tempos, acumulam-se evidências de que algumas mudanças que ocorrem nas marcas químicas que o estilo de vida agrega ao genoma, o que é conhecido como epigenoma, também podem ser transmitidas às gerações posteriores. Isso também aconteceria com a vulnerabilidade ao vício.
Esta semana, um grupo de pesquisadores da Universidade de Fudan, em Xangai, China, publicou os resultados de um estudo que pode ajudar a entender um pouco melhor a relação entre as mudanças epigenéticas de um consumidor de cocaína e a propensão que seus filhos utilizem a substância de forma descontrolada. No artigo, que foi publicado na revista Nature Communications, explicam como separaram ratos dependendo da motivação para procurar a droga. Este interesse dos roedores era medido fazendo com que, para ter acesso à substância, tivessem que empurrar uma alavanca várias vezes. O número máximo de vezes que um dos participantes no estudo pressionava a alavanca era utilizada para estimar o grau de motivação que a droga inspirava.
Amplos estudos com gêmeos mostraram que o risco de abusar das drogas é hereditário em até 60% dos casos.
Depois de identificar os animais com mais interesse em tomar cocaína, observaram a relação de seus filhotes com a substância e viram que eram mais propensos a se viciar, algo que em seres humanos ocorre em cerca de 20% dos consumidores habituais. Os autores também descobriram que a hereditariedade do vício não depende de um consumo maior ou menor, mas da maior ou menor motivação para buscar a substância.
Para entender melhor os fatores que tornam hereditário o vício, os pesquisadores analisaram o esperma dos ratos que queriam consumir mais e dos que não. Assim, encontraram diferenças na metilação de algumas zonas de DNA, um tipo de marcas epigenéticas que alteram a expressão dos genes. Depois, viram que algumas dessas mudanças também se mantinham na prole, algo que poderia explicar por que eles também têm comportamentos de dependência.
Embora o estudo tenha sido realizado em animais e não se deveria pensar em extrapolá-lo diretamente para seres humanos, os resultados são consistentes com as observações que foram realizadas em estudos epidemiológicos. O consumo de cocaína dos pais tem sido relacionado com problemas de ansiedadenos filhos, memória deteriorada e déficit de atenção. Além disso, foi observado que se a mãe toma cocaína antes da gravidez, a sensibilidade dos filhos à droga aumenta, o que facilita o vício.
O conhecimento da influência das alterações epigenéticas dos pais na tendência para o consumo abusivo de drogas nos filhos poderia servir no futuro para modificar e reduzir esse risco. Pesquisadores como Juan Carlos Izpisúa, professor do Laboratório de Expressão Genética do Instituto Salk nos EUA, conseguiu manipular essas marcas e esperam que isso possa ser feito de forma mais controlada e generalizada no futuro. Os autores deste estudo agora querem estudar se o uso de outras drogas, como a heroína, pode causar alterações epigenéticas semelhantes.
VÍCIO EM ALIMENTOS
Os mecanismos cerebrais da recompensa que nos empurram a nos alimentar para continuar vivendo são similares aos que incitam o consumo de drogas. Como no caso dos psicotrópicos, a intensidade do prazer que alguns alimentos provocam em algumas pessoas, podem causar dependência.
Vários estudos já mostraram que os excessos alimentares do pai produzem marcas em seus genes que podem ser transmitidas aos filhos. Um estudo recente da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e do Instituto Karolinska de Estocolmo, descobriu que os espermatozoides dos pais obesos tinham marcas nos genes que regulam o apetite adaptadas aos seus hábitos alimentares.
Estas marcas e estes hábitos, diferentes em homens gordos e magros, variam de acordo com os hábitos alimentares e modificam a expressão dos genes que regulam o apetite. Habitualmente pensava-se que o momento da fecundação era uma espécie de novo começo e o pai só transmitia aos filhos a informação de seu próprio genoma. Agora, acumulam-se as provas de que isso não é assim e o que fazemos na nossa vida muda a expressão dos nossos genes e o tipo de herança que deixamos para nossos descendentes.
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