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domingo, 8 de outubro de 2017

Cobertura Hypeness: 6 coisas que aprendi num dos maiores encontros feministas do mundo

por: Bibiana Beck
Hypeness

Uma multidão de mulheres. Era isso que quem chegava ao campus da UFSC, uma das principais universidades de Floripa, pode vislumbrar entre 30 de julho e 4 de agosto. No local aconteciam conjuntamente dois dos maiores eventos relacionados aos estudos e lutas pelos direitos das mulheres e diversidade de gênero, o 13º Congresso Mundos de Mulheres e Fazendo Gênero 11. Com mais de 9.500 pessoas inscritas e outras centenas de participantes da comunidade, o movimentaram a cena dos estudos de gênero e ativismo feminista no Brasil e no mundo, visto que haviam inscritos de mais de 15 países.

Organizado de três em três anos pelo Instituto de Estudos de Gênero da UFSC, o seminário internacional Fazendo Gênero já é prata da casa (e sempre marcante). Já o Congresso Mundos de Mulheres (Women’s World) foi realizado pela primeira vez na América do Sul neste ano. Com o tema “Transformações, Conexões, Deslocamentos”, esta união de forças vem com tudo para ampliar espaços de diálogo inclusivos pensando em uma perspectiva global, plural em vozes e saberes para gerar novas possibilidades de construção do mundo que queremos para as mulheres.


Para Ana Veiga, um dos mulherões à frente da organização, a importância de receber estes diálogos no Brasil vai além: “o evento tornou-se fundamental para mostrar a dimensão da força das mulheres no combate ao machismo ressuscitado por essa onda conservadora que tomou conta do país e de outras partes do mundo. Na contramão da retirada de direitos, da intolerância religiosa, do empobrecimento da população em vulnerabilidade e do crescimento do feminicídio no Brasil, paramos para discutir, traçar estratégias, formar redes e agir, demonstrando a potência dos feminismos e da valorização das diferenças”.

E a agenda foi potente mesmo. Formada por conferência, simpósios, mesas redondas, fóruns de discussões e atrações culturais teve o efeito de me deixar com uma certeza e uma dúvida, ambas muito fortes. A certeza: tem muita mulher fod@ fazendo coisas incríveis, da organização de um evento dessa proporção, aos trabalhos acadêmicos, passando por performances incríveis e a mobilização social intensa que teve seu ápice em uma marcha que mobilizou quase uma dezena de milhares de pessoas. A dúvida: como faz pra acompanhar tudo isso?

Eu, a repórter, me ~infiltrei~ entre os mais de 400 monitores que apoiaram o evento. Além de usar camiseta rosa pink e passar o microfone pra mulheres incríveis darem as suas contribuições em fóruns sobre temáticas diversas como mídias, direitos humanos e estudos acadêmicos, papeei com pessoas que estavam por lá e fiquei de olhos e ouvidos abertos para trazer alguns dos aprendizados que ficaram dos cinco dias de atividades:

1. O feminismo não é uma onda: é uma luta constante

Em meio a um fórum sobre o espaço acadêmico de debates, repleto de jovens universitárias, uma senhora do alto dos seus 70 e alguns anos pede a palavra. Há pouco havia sido apresentado um trabalho sobre a trajetória política das mulheres a partir da análise da sua participação nas revoluções Francesa, Russa e Industrial e seu papel nas lutas por igualdade a partir da distribuição econômica, política e social. Sua primeira frase é: “Meu nome é Moema, eu sou educadora social e feminista há 55 anos”. Como boa educadora, dá uma aula sobre como – ao contrário do que a gente costuma ouvir – contrário do que a gente costuma ouvir, as lutas feministas não nasceram na década de 1960 e vão muito além das três famosas ondas e das sufragistas.
Eu não sabia quem era Moema. Mas me emocionou conhecer alguém que há mais de cinco décadas se comprometeu em lutar pela equidade de gênero. Ao pesquisar, descobri que tinha a minha frente Moema Libera Viezzer, uma escritora, socióloga e militante feminista que está entre as 52 brasileiras incluídas na candidatura de mulheres para o Prêmio Nobel da Paz em 2005. Por que eu nunca tinha ouvido falar nela? Porque assim como as mulheres presentes nas grandes revoluções, Moema – exilada no período da Ditadura Militar -, também foi apagada da história.
A lição é que vale ir atrás das histórias das mulheres e reescrever nossas narrativas sobre o passado da humanidade – uma categoria que, apesar de muita gente esquecer, também nos inclui.

(E Moema, se você estiver lendo isso e quiser adotar uma neta, tamos aí. Rsrs)

2. O âmbito acadêmico e os movimentos sociais podem (e devem) andar juntos

Estudar é uma coisa. Ser ativista é outra. Certo? Não necessariamente. Se a gente parar para pensar que boa parte das pesquisas se apoiam em justificativas sociais, faz todo o sentido que a academia esteja mais próxima dos movimentos. Porém, isso nem sempre acontece: “Não é sempre que a academia está aberta para receber os movimentos sociais. A coordenação geral do evento aceitou essa interface e reconheceu essa importância”, afirma Vera Gasparetto, uma das responsáveis por articular a participação de movimentos e coletivos sociais. Para ela, isso demarca um deslocamento importância: “O movimento social historicamente é o objeto de pesquisa. Quando eles estão em conexão e diálogo, fazemos a experimentação e comprovamos que uma nova academia é possível e necessária. Uma academia que dialoga… Os movimentos deixam de ser objeto e passam a ser sujeito de pesquisa, porque também podem dar sua opinião, debater, suas experiências concretas”.
Essa união não deve parar por aí. Um dos legados que deve ficar do evento é uma criação de um fórum permanente de debate entre gênero e movimentos sociais no Instituto de Estudos de Gênero da UFSC.

3. A voz não precisa “ser dada” a ninguém

Sabe aquele termo “dar voz”? Quando o assunto são movimentos sociais e o âmbito universitário, há uma janela para deixá-lo um pouquinho de lado. Para subverter a “lógica extrativista” (como bem coloca Maria Juracy Toneli, professora na disciplina de ‘Gênero, corpos e sexualidade’ no curso de Psicologia da UFSC) – as pessoas podem e devem falar por si: “A ideia que muitas feministas acadêmicas têm debatidos é que a gente pode, sim, ter a voz das experiências concretas em vez de nos colocarmos em posição de ‘dar a voz’. A voz não precisa ser dada: ela já existe, mas precisa transitar”, completa Vera.
Em vez de “dar voz”, que tal darmos ouvidos e atenção genuínos?

4. “Diversas, mas não dispersas”

Se tem uma coisa que a gente vai aprendendo quando mergulha nos estudos sobre gênero é que muitos conceitos são polissêmicos – ou seja, uma mesma palavrinha pode ter sentidos e significados diferentes de acordo com as diferentes teorias. “Feminismo” é uma dessas palavras. O que temos, na verdade, são feminismos – no plural. E isso não é, necessariamente, uma coisa ruim: “O mais emocionante, a meu ver, foi o espaço aberto e ocupado por todas as mulheres de movimentos sociais que passaram pelo. Elas protagonizaram. A união das indígenas de diversos povos e partes do Brasil, as camponesas, as trabalhadoras do sexo, as trans, as lésbicas, as trabalhadoras domésticas, as mulheres negras, as sem terra, as mulheres com deficiência, as moçambicanas (que assumem o Mundos de Mulheres de 2020)… Todas integradas e dispostas a trocar saberes e experiências, pensando caminhos de luta por direitos e respeito”, conta Ana.
A diversidade de presenças e vozes mostrou que os movimentos sociais de mulheres são diversos, mas não estão dispersos e podem colaborar para construir coisas incríveis.

5. Mulheres precisam estar sempre vigilantes em relação aos seus direitos (e muitas estão)

Como já dizia Simone de Beauvoir “basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Em tempos um tanto quanto sombrios quanto os que vivemos no Brasil, isso se torna visível. Ao mesmo tempo que tanto era dito sobre a busca de respeito e igualdade entre os gêneros no evento, uma reforma trabalhista que permite que mulheres gestantes trabalhem em ambientes insalubres havia sido aprovada, um legislativo que não acolhe as demandas das mulheres no que diz respeito aos seus próprios direitos reprodutivos está no poder e há projeto para dificultar (ainda mais) o acesso de mulheres vítimas de estupro à contracepção de emergência ou interrupção legal da gravidez. E isso são só alguns exemplos.
Acha que as mulheres vão ficar só no “blábláblá”? Vão não, boba. A Marcha Internacional Mundos de Mulheres por direitos levou quase 10 mil pessoas às ruas (o que para Floripa, é um número bem expressivo) para protestar contra todos perrengues que recaem sobre a gente a partir do momento que, ao nascer, dizem aos nossos pais que “é menina”: “Embora a grande mídia tenha tentado reduzir a marcha a um ato ‘fora Temer’, o que fizemos foi muito mais do que isso. Foi uma manifestação ampla contra o machismo, o feminicídio, a homofobia, a pobreza que assola as mulheres, principalmente quando são pretas, quilombolas, indígenas, de periferia. E podemos incluir aí a população LGBT”, conta Ana.
A boa notícia é que estamos juntas, somos muitas, nos queremos vivas e vamos continuar na luta.

6. As mulheres são uma importante força para a mudança – e podem conduzir a sociedade a modos de viver mais justos

“As mulheres saem daqui mais fortes, sabendo que não estão sozinhas e que podem muito mais do que essa sociedade, de valores patriarcais, tenta reiteradamente dizer a elas”, ressalta Ana. Ou seja: as mulheres são poderosíssimas e estão cada vez mais cientes disso. Ela continua: “o legado é de força e resistência, para nós e para as próximas gerações. O mais emocionante foi ver o encontro crescer, enquanto as sensibilidades geravam seus laços. Fizemos história, faremos muito mais”. Tá bom pra você, meu bem?

Esta edição do evento terminou. Mas torçamos para que um mundo de mulheres esteja só começando. Depois deste cinco intensos dias, o que fica é a certeza de que a conversa continua e a luta também. E que essas duas coisas podem (e devem) fazer parte do nosso dia a dia. Seja dentro da universidade, no mercado de trabalho, na família… Que a gente abrace e acolha cada vez mais mulheres. É nós por nós. E nós somos maravilhosas.

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