Comissão composta por 18 homens e apenas um mulher incluiu texto em proposta para ampliação de licença-maternidade. Terá de passar ainda pelo plenário da Câmara e pelo Senado
por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 09/11/2017
LUIS MACEDO/AG. CÂMARA
Deputados da bancada da Bíblia combinam estratégias para aprovar criminalização do aborto até em casos de estupro: retrocesso e fundamentalismo
Brasília – Numa espécie de golpe armado previamente, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados aprovou, ontem (8), a inclusão, numa proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata de aumento do período de licença-maternidade para mulheres que tiverem filhos prematuros, de emenda que proíbe o aborto em todas as circunstâncias. Atualmente, a prática é permitida no Brasil em casos de estupro e de comprovação de fetos anencéfalos (sem cérebro ou com má formação cerebral).
A votação, na comissão que aprecia a matéria, foi marcada por várias discussões entre os parlamentares e ainda será votada pelo plenário da Casa, mas já se antevê muito embate. O resultado foi massacrante: 18 votos pela aprovação da emenda (todos de deputados homens), contra apenas 1 – única mulher da comissão, só a deputada Erika Kokay (PT-DF) votou contra a medida.
O que mais chamou a atenção dos deputados, independentemente de serem favoráveis ou contrários ao aborto, foi a manobra imposta pelos integrantes da ala evangélica (também chamada de bancada da Bíblia) durante a condução dos trabalhos. Além de terem atuado para fazer imperar o conceito de que a vida se inicia a partir da fecundação do óvulo, os deputados evangélicos se articularam para uma sessão que, na visão de muita gente, representou a volta das chamadas “jabutis” – penduricalhos colocados em textos que pouco tem a ver com determinado tema, como pretexto para que seja aprovado.
O gesto foi visto, também, como uma espécie de retaliação à decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF) que já tinha autorizado o aborto nos dois casos específicos. A sessão foi permeada por parlamentares levantando bonecos de borracha representando fetos em gestos patéticos, gritos e protestos diversos, num dia em que não se esperava a votação dessa matéria.
Adiamento recusado
Em tom de revolta, Erika Kokay apresentou questão de ordem para adiar a votação, mas não conseguiu obter êxito. Erika argumentou que o parecer do relator da PEC, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), trata de tema estranho à proposta original e chamou a votação de “fraude”. Segundo ela, a emenda desrespeitou os 171 deputados que assinaram a proposta original, que apenas amplia a licença maternidade para mães de bebês prematuros.
O relator se justificou dizendo que a emenda pode ser incluída na proposta porque não vai alterar o Código Penal. Para a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) a aprovação da matéria no plenário, da forma como foi aprovada pela comissão, vai mudar sim, o ordenamento jurídico brasileiro.
Também Glauber Braga (Psol-RJ) questionou a legalidade do funcionamento da comissão, mesmo sem a deliberação pelo presidente da Câmara de requerimento para prorrogar o prazo dos trabalhos. “Se uma mulher que sofreu um estupro coletivo realizou interrupção da gravidez, vocês acham que ela deve ser presa? ”, questionou o deputado.
Os evangélicos, por sua vez, mostraram-se irredutíveis. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) limitou-se a repetir o mote "ser a favor da vida e contra a morte dos indefesos".
O Pastor Eurico (PHS-PE), referindo-se ao grupo que integra, disse “somos contra esse assassinato em massa de inocentes”. Foram feitas, ao longo dos debates, várias menções à Bíblia e até à intolerância religiosa, como forma de se justificar a emenda, numa versão de que a posição contrária à emenda é contrária à forma de pensar dos evangélicos.
Retorno à CCJ
No final, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) avaliou o resultado da votação como exemplo da baixa representatividade de mulheres no Congresso Nacional, apesar de serem maioria entre o eleitorado brasileiro. “É por manobras deste tipo que precisamos ampliar nossa participação aqui dentro”, destacou.
Já a deputada Pollyana Gama (PPS-SP) defendeu que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara se manifeste também sobre o parecer do relator.
A CCJ, que tem como atribuição examinar preliminarmente a constitucionalidade das PECs, aprovou a admissibilidade, apenas, da versão original do texto – sem a referida emenda.
A questão está sendo discutida, agora, do ponto de vista regimental. Se vencer o pedido de Pollyana Gama, a proposta retornará à CCJ. Caso contrário, será votada pelo plenário da Câmara. Em todo caso, precisa ser incluída na pauta e contar com, pelo menos, 308 votos em dois turnos, por se tratar de uma PEC. Depois seguirá para tramitação no Senado. Ou seja: a briga continua.
Mas os que atuam para impedir o retrocesso já conversam com os colegas para o fato de que precisam ficar alertas. Segundo eles, além da influência cada vez maior da bancada evangélica nas duas Casas, o problema maior é o aproveitamento destes deputados, dos vácuos nos horários entre audiências de comissões técnicas e ordens do dia – quando estas matérias polêmicas costumam ser incluídas, de forma sorrateira, na pauta das comissões especiais.
Veja como votaram os deputados:
Erika Kokay (PT-DF) - Não
Gilberto Nascimento (PSC-SP) - Sim
Leonardo Quintão (PMDB-MG) - Sim
Givaldo Carimbão (PHS-AL) - Sim
Mauro Pereira (PMDB-RS) - Sim
Alan Rick (DEM-AC) - Sim
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) - Sim
Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) - Sim
Marcos Soares (DEM-RJ) - Sim
Pastor Eurico (PHS-PE) - Sim
Antônio Jácome (PODE-RN) - Sim
João Campos (PRB-GO) - Sim
Paulo Freire (PR-SP) - Sim
Jefferson Campos (PSD-SP) - Sim
Joaquim Passarinho (PSD-PA) - Sim
Eros Biondini (PROS-MG) - Sim
Flavinho (PSB-SP) - Sim
Evandro Gussi (PV-SP) - Sim
Diego Garcia (PHS-PR) - Sim
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