Por Stephanie Morin*
08/11/2017
Ônibus, metrô, trem, balada, casa do vizinho, quadra esportiva, reunião de trabalho. O local muda, mas o crime é o mesmo – violência sexual contra a mulher – e tem gerado uma onda crescente de denúncias nos últimos meses. Mais e mais mulheres no Brasil e outros países vem exigindo que os seus representantes, colegas e parceiros reconheçam a gravidade do problema e se comprometam com ações voltadas à prevenção das agressões e à responsabilização dos criminosos, sejam eles produtores de Hollywood ou passageiros de ônibus.
Não é à toa. Foram registrados 45.460 estupros no Brasil em 2015, além de 6.988 tentativas, segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. No Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Paraná e Roraima a taxa de estupros supera 35 vítimas por 100 mil habitantes. Já o Estado de São Paulo concentra o maior número absoluto de boletins de ocorrência de estupro: mais de 9.200 em 2015. E esses números não iluminam a real dimensão do problema dada a subnotificação de casos de violência sexual no Brasil. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2014, estimou que apenas 10% dos estupros consumados no país são reportados à polícia.
Impõe-se a implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e repressão da violência contra a mulher, baseadas em informação pública, detalhada e confiável. Nesse sentido, o Instituto Sou da Paz pública se dedica a análises das estatísticas de estupro no Estado de São Paulo desde 2012. Estudo lançado em setembro revelou que os registros de estupro aumentaram 11,5% no estado durante o primeiro semestre de 2017, com destaque para a Grande São Paulo, onde cresceram 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Quase sete entre 10 vítimas de estupro no estado são vulneráveis, ou seja, menores de 14 anos e/ou pessoas portadoras de condições que as impediam de discernir ou oferecer resistência.
Este último dado confirmou um diagnóstico sobre estupros realizado pelo Sou da Paz em 2016 após a leitura e sistematização de todos os boletins de ocorrência registrados na cidade de São Paulo, ao longo dos primeiros semestres de 2015 e 2016 (quase 2.000 casos). Neste período, cerca de 60% das vítimas foram violentadas por pessoas de seu círculo pessoal, incluindo familiares, companheiros e ex-companheiros. Em 1/5 dos casos envolvendo conhecidos, o criminoso era um vizinho; 18% era um colega da vítima e 10% um amigo da família. Entre os familiares, os mais citados foram os pais (28%), padrastos (26%) e tios (17%). E a maioria dos casos de estupros foi praticada dentro de uma residência. Foram identificados inúmeros relatos de longos históricos de abuso pelo mesmo agressor.
Também chamou atenção a alta proporção de estupros envolvendo familiares em alguns bairros na Zona Norte de São Paulo, como Perus e Jaçanã (cerca de 50%). Já na Zona Sul, como Parelheiros, Capão Redondo e Jardim Mirna, a proporção de estupros praticados por desconhecidos foi mais alta (em média, 35%). Enquanto em algumas localidades o estupro parece estar mais relacionado a problemas domésticos e de convivência, em outros a dinâmica criminal é outra, sendo mais frequente a vitimização através de sequestros por desconhecidos armados. Tais distinções georeferenciadas são essenciais para o desenho de iniciativas efetivas para combater o estupro.
Desde os anos 1980, as lutas feministas alcançaram avanços importantes para combater a violência contra a mulher no Brasil. Ressalta-se, por exemplo, a criação em 2003 da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República, que impulsionou a primeira Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, e a sanção da Lei Maria da Penha em 2006, reconhecida pelas Nações Unidas como uma das legislações mais avançadas do mundo para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Mas, apesar desse progresso e do aumento expressivo de denúncias de assédio e abuso sexual, muitas iniciativas governamentais continuam, por mais bem-intencionadas, se desenvolvendo de forma fragmentada, resultando em respostas pouco efetivas para fortalecer e proteger as mulheres. É preciso assegurar a produção e publicação de dados que iluminem as dinâmicas desses crimes e orientem ações transversais de combate à violência contra a mulher, desenvolvidas de forma articulada e colaborativa entre entes municipais, estaduais e federais. E, sobretudo, reconhecer que nada disso bastará para prevenir novos casos de violência, se não mudarmos os paradigmas da sociedade brasileira em relação à igualdade de gênero.
Aí, pergunta-se: o que posso fazer – eu, leitor – para contribuir com a redução dos estupros no Brasil? Porque assustar-se e voltar à indiferência que te rodeia minutos depois não resolve.
Não é preciso liderar protestos ou impulsionar campanhas – que reconhecemos a importância. Que tal condenar piadas sobre o estupro nas redes sociais, inclusive feitas por familiares e amigos próximos? Se recusar a compartilhar imagens que expõem mulheres como objetos sexuais e rechaçar, abertamente, toda e qualquer ameaça de agressão e estupro? Ou ainda, se declarar feminista ou aliado do feminismo e explicar aos colegas que isso não supõe a superioridade das mulheres sobre os homens ou mimimi, mas sim, a concordância com a luta histórica por igualdade em direitos?
Pequenas atitudes adotadas no dia-a-dia são fundamentais para desconstruir a violência sexual e a cultura do estupro no Brasil. Reside aí a forma mais inovadora de enfrentamento desses números aterradores.
Por Stephanie Morin é Gerente de Gestão do Conhecimento do Instituto Sou da Paz
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