Estamos construindo um modelo de sociedade que vai contra a nossa natureza
El País
ESTHER PANIAGUA
10 NOV 2017
Já aconteceu com todo mundo. Em algum momento, nos sentimos excluídos ou marginalizados. Desde o colégio, depois de um temido “não quero mais ser sua amiga”, até o círculo familiar, em um grupo de amigos ou de esporte nos quais não encaixamos nem com calçadeira. Ou no trabalho. No mínimo, em alguma situação pontual em nosso entorno da qual quisemos fazer parte. Esse tipo de situação nem sempre é descartada com facilidade do baú de lembranças. Às vezes deixam marcas psicológicas, emocionais e físicas e no mínimo causam sofrimento enquanto são vividas. Por que a rejeição nos dói tanto?
“Pertencer, ser, acreditar e benevolência são os quatro pilares pelos quais medimos o valor de nossas vidas”, nos explica Saul Levine, psiquiatra e professor emérito da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA). Com isso se refere à sensação que vivemos ao nos sentir parte integrante e apreciada de um grupo de pessoas que são importantes para nós, para nossa autoestima, para a própria saúde, sejam familiares, colegas ou grupos religiosos.
“Somos uma espécie social e a sensação de que estamos compartilhando partes significativas de nossas vidas com outras pessoas que nos recebem e abraçam é uma etapa vital de nosso crescimento pessoal e de nossa saúde psicológica e até física”, continua o psiquiatra. “Sentir-se integrado ajuda a superar em companhia fracassosamorosos e perdas, êxitos e contratempos, em uma comunidade íntima e especialmente solidária”.
Por todas essas razões, quando sofremos ao sermos rejeitados ou excluídos socialmente é uma reação totalmente normal. “Significa que somos pessoas saudáveis”, afirma Miriam Ortiz de Zárate, psicóloga e diretora do Centro de Estudos de Coaching (CEC), em Madri.
“Sofremos quando nos excluem de um grupo do qual queremos fazer parte porque nossa biologia nos leva a funcionar como seres sociais, vinculados a um clã”, explica. Este modo de reagir não é novo sob o sol. É um sentimento compartilhado com nossos mais distantes antepassados. “Responde às necessidades humanas de 20.000 anos atrás, quando um indivíduo isolado não tinha nenhuma possibilidade de continuar vivo se não contasse com o apoio de uma tribo”, afirma a especialista em coaching.
“Pertencer, ser, acreditar e benevolência são os quatro pilares pelos quais medimos o valor de nossas vidas” (Saul Levine, psiquiatra e professor emérito da Universidade da Califórnia em San Diego, EUA.)
Uma questão de sobrevivência
Viver em um coletivo permitia compartilhar a busca por alimento e a carga de trabalho entre vários e proteger-se mutuamente diante dos perigos do exterior. “Esta necessidade se arraigou em nosso cérebro mais primitivo, o reptiliano, que regula as funções vitais primárias com o objetivo de sobreviver”, explica Ortiz de Zárate.
Milhares de anos depois, ou seja, hoje, as circunstâncias externas mudaram, mas nosso cérebro – para o bem ou para o mal – variou muito pouco. “Agora temos plenamente integrada a necessidade de pertencimento e até a levamos ao extremo: somos capazes de morrer ou de matar a fim de atender essa necessidade tão básica”, afirma.
Essa é precisamente a chave do sucesso de alguns grupos terroristas, como aponta Pablo Herreros, sociólogo e antropólogo. “Ser excluído de forma sistemática causa uma falta de integração que leva à busca desesperada por um espaço social no qual sejamos aceitos, mesmo que seja em grupos tóxicos”, acrescenta o autor do livro Yo, mono (eu, macaco, em tradução livre).
Que outros riscos são inerentes ao sentimento de rejeição?
“As vivências de exclusão geram em nós crenças do tipo: ‘não sou adequado, tenho uma carência, há algo em mim que não encaixa, não sou válido, não sou digno’...”, explica a diretora do CEC. “Os efeitos são muito diversos e repercutem tanto no estado de ânimo como no comportamento, e podem ser fonte de problemas psicológicos como ansiedade, depressão, ideias de suicídio etc.”.
O professor de Psicologia Social da Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED) Alejandro Magallares destaca outra consequência diferente, como a atrofia afetiva, “que dificulta expressar as próprias emoções ou empatizar com os outros”; também problemas cognitivos, sobretudo na inteligência, que podem acarretar uma queda do rendimento em tarefas complexas de lógica e argumentação.
“Ser excluído provoca uma falta de integração que leva à busca desesperada por um espaço social, ainda que seja em grupos tóxicos” (Pablo Herreros, sociólogo e antropólogo)
Menciona também efeitos na capacidade de autocontrole e comportamento (agressividade, hostilidade, condutas irracionais), assim como consequências físicas: as pessoas que sofrem disso costumam sentir mais dor e ter diversas anomalias do ritmo cardíaco.
Outro efeito indesejado da rejeição social é que aprofunda a chamada praga do século XXI: a solidão. “Se as pessoas que nos rodeiam são desconhecidas para nós ou são percebidas como hostis, sua presença tem o efeito contrário ao de pertencimento, já que este depende da proximidade e da acomodação social, da troca de experiências e emoções significativas”, afirma o professor Levine, que apela para uma questão básica: “Em momentos difíceis, os seres humanos precisam dos outros, pessoas próximas que ajudem a aliviar nossa dor; e, em momentos felizes, que validem e compartilhem nossa alegria”.
Três reações diante da rejeição
Estes são os tipos de reação quando nos deixam de lado, segundo o CEC.
1. Falta de autenticidade
Consiste em construir uma imagem própria adequada a cada situação e de esconder aquilo que pensamos que poderia ser motivo de rejeição ou exclusão do grupo. Por exemplo, pessoas muito complacentes ou que se fazem de simpáticas ou procuram a todo custo se tornar imprescindíveis.
2. Autopunição
Pessoas que ficam presas à ideia de carência ou de falta de valor. Sentem-se incompletas e vivem com uma clara consciência de suas limitações, geralmente distorcida e exagerada. Frequentemente é exteriorizado com expressões como “não sei”, “não sirvo”, “não sou capaz”...
3. Rebeldia
Reagem na defensiva: “se não me aceitam neste grupo, não é porque estão me excluindo, é que não quero estar ali”. Enterram seus verdadeiros sentimentos sem ter consciência da do dor que lhes causa a exclusão e sem poder fazer nada para remediar. Vivem com raiva e com a sensação de injustiça. Argumentam e justificam seu direito a se vingar, ou simplesmente se isolam, e criam seu próprio mundo sob a ideia de que não necessitam de ninguém para ser felizes.
Ambos os sentimentos, o sofrimento e a felicidade, são expressões que hoje em dia são percebidas de forma mais exagerada pois estão imersos em uma sociedade com frequência individualista demais, afirma José Manuel Sánchez, codiretor do CEC. “O modelo que construímos não está levando em conta que somos seres gregários e que necessitamos do grupo”, afirma. “Apenas há 100 anos vivíamos em núcleos de população muito menores, como uma família mais ampla em uma estrutura social mais colaborativa na qual se desenvolviam vínculos duradouros e onde o próprio grupo familiar e a vizinhança serviam de suporte”.
Em momentos difíceis, os seres humanos necessitam de pessoas próximas que ajudem a aliviar nossa dor; e, em momentos felizes, que validem e compartilhem nossa alegria." (Saul Levine, psiquiatra)
Pelo contrário, acrescenta, a vida agora tende a se desenvolver em pequenos apartamentos em grandes cidades, onde se perdem os vínculos com o bairro, com unidades familiares cada vez menores. Em consequência, afirma Sánchez, “nos sentimos mais sozinhos do que nunca, apesar de estarmos rodeados de milhões de pessoas”.
O design e a tecnologia vêm em nosso socorro
O mundo não para, assim como o ser humano na busca por soluções para novas necessidades. Começam a proliferar experiências que procuram a integração do modelo tradicional dentro da modernidade, como o cohousing (moradias colaborativas em comunidade). Na Espanha há alguns projetos ainda incipientes, mas nos países nórdicos estão muito mais arraigados e oferecem resultados tão positivos que estão influenciando o design das cidades e bairros, detalha o especialista do CEC.
Além disso, apesar das limitações do modelo urbano e do isolamento rural, estamos conectados ao mundo através da Internet, uma ferramenta útil frente ao sentimento de marginalização. Pode proporcionar certo sentido de pertencimento para determinados indivíduos, interagindo com gente que lhes escuta a milhares de quilômetros, mesmo que nunca se vejam na vida, afirma o sociólogo Pablo Herreros.
Pertencimento ou miragem?
À primeira vista, poderíamos pensar que ter inúmeros contatos nas redes sociais seria uma bênção para a integração, mas esses meios frequentemente servem de pretexto para evitar a comunicação significativa e relações mais profundas, afirma Levine, que compara isso com essa sensação de solidão aglomerada da vida nas grandes cidades: É verdade que há grupos de ideias afins na Internet, mas eles não estão destinados a substituir amizades íntimas autênticas.
Esse psiquiatra salienta outro efeito negativo das relações on-line: O poder desenfreado do anonimato que anima as paixões mais baixas a se expressarem de maneira destrutiva. Refere-se ao fenômeno dos trolls, alguém que publica mensagens provocadoras em fóruns, blogs e redes sociais, só para gerar polêmica.
Comecemos por ser honestos conosco mesmos. Quase todos nós sofremos quando não nos incluem, especialmente quando o grupo é importante para nós. (José Manuel Sánchez, codiretor do CEC)
Isso, na sua opinião, está degradando nossa cultura, nosso civismo e até o discurso político, embora, por outro lado, também reconheça que há muitas atividades positivas que podem ser compartilhadas para permitir o crescimento dos contatos e pessoal. Mas vejamos isto por seu verdadeiro valor e com suas limitações, no marco do sentido de pertencimento do qual estamos falando.
Na mesma linha, o diretor associado do Centro de Estudos do Coaching comenta que as redes sociais podem ser um excelente complemento ao contato humano ou um grande substituto onde se confunde a popularidade com o pertencimento, numa busca constante por likes, e neste caso, elas só gerarão vazio e sensação de solidão.
Solução? Se a rejeição lhe faz sofrer, você está num bom caminho E o que fazer? Sánchez aponta a família. Quando estamos bem colocados em relação ao pertencimento dentro dela, temos uma confiança básica fundamental para confrontar a vida, suas vicissitudes e a possibilidade de sermos excluídos de outros grupos. Se não for assim, é preciso trabalhar em consertar nossa relação com esse sistema de origem e reconstruir nossa confiança básica.
Metaforicamente falando, temos que ser capazes de sair da casa dos pais de forma sã, e se pode trabalhar com terapia sistêmica ou com coaching sistêmico. O especialista do CEC destaca que a dor de se sentir rejeitado é útil para aprender e alimentar a capacidade humana de transcender.
Comecemos por ser honestos conosco mesmos. Quase todos nós sofremos quando não nos incluem, especialmente quando o grupo é importante para nós. Aceitemos esse sofrimento como parte da nossa biologia, como um mal necessário pelo qual teremos que transitar de qualquer maneira, recomenda.
Além disso, ele aponta como positivo o sofrimento frente à rejeição, em contraposição à reação oposta: sentir indiferença. Esse costuma ser um indicador de que há algo que não vai bem no nosso sistema de valores e crenças. É contraproducente fingir que a exclusão não nos afeta, só serve para adiarmos um processo pendente, afirma.
Como disse o eminente psicólogo social norte-americano Elliot Aronson, autor de O Animal Social, um clássico na matéria, somos animais sociais que precisam se sentir aceitos. Então, já sabe: se você não se abala com a exclusão, pense duas vezes.
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