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domingo, 10 de dezembro de 2017

Na abertura do Diálogos, dados e reflexões sobre avanços e desafios para a equidade de gênero

Programação do Diálogos Gênero e Número, que teve início pela manhã, seguiu por todo o dia; jornalistas, pesquisadores e estudantes se reuniram no evento, que também contou com transmissão online

Por Mariana Bastos
6 DE DEZEMBRO DE 2017

Na mesa de abertura do “Diálogos Gênero e Número”, evento ocorrido nesta terça-feira no Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro, estiveram em alta sobretudo dois tópicos: a divisão sexual do trabalho, com a mulher quase sempre responsável pelo papel de cuidado, e a necessidade de uma coleta interseccional de dados, com recortes de gênero, classe e raça.

O debate, nomeado “Olhando para os dados de ontem e hoje: desafios para um cenário de equidade de gênero”, contou com a participação de Ana Paula Pellegrino (Instituto Igarapé), de Flávia Oliveira (GloboNews, e Radio CBN) e de Fabio Malini (Universidade Federal do Espírito Santo) e foi mediado por Giulliana Bianconi (Gênero e Número).


Após uma sequência de visualizações de dados que expunham cenários de iniquidade de gênero a partir de temas-chave, como mercado de trabalho, renda e trabalho reprodutivo, foi iniciada uma dinâmica de perguntas.

A jornalista Flávia Oliveira alertou para o fato de que o envelhecimento da população brasileira cria uma sobrecarga sobre as mulheres, que assumem as tarefas de cuidado numa lógica tradicional de divisão sexual do trabalho. “Quando falamos de atribuições domésticas e familiares, pensamos nos cuidados com os filhos. Mas há uma herança sobrecarregando as mulheres: é o envelhecimento da população brasileira que nos transfere a responsabilidade com os idosos. Ao longo das décadas, a gente passou a ter menos filho, passou a parir menos. Eram cinco filhos por mulher nos anos 70 e agora é 1,9, mas a gente está herdando as atribuições familiares com os idosos, inclusive com sogra. Esse papo de ‘casei o meu filho e ganhei uma filha’. A mulher além de ter que cuidar da própria mãe, tem que cuidar da mãe do marido porque ele também não se ocupa disso”, comentou a jornalista da GloboNews.

A narrativa dos cuidados, inclusive, é um tema de disputa nas redes entre grupos feministas e os componentes da nova direita brasileira, segundo Fabio Malini. O pesquisador apresentou no debate dados de uma coleta feita na última semana no Twitter em perfis dos agentes mais populares da agenda conservadora na rede social.

“Peguei todos os tuítes relacionados à palavra mulher. Nesse universo de pessoas que fazem oposição à dita ideologia de gênero, as palavras mais associadas a “mulher” são “homem, “Deus”, “corpos”, “ideologia”, “meninos”, “filhos”. Ou seja, é um vocabulário da submissão. Então, há uma tentativa de um eterno retorno [aos papéis tradicionais de gênero]”, afirma Malini. “O conceito da ideologia de gênero construído por esses atores mira muito num valor muito discutido no campo feminista que é a noção do cuidado. É muita interessante como o fato de colocarem o endereçamento desse debate no cuidado das crianças é uma estratégia de contra-atacar no debate em torno da questão de gênero.”

O pesquisador da Ufes também fez um levantamento nas notícias publicadas no Facebook relacionadas ao termo “mulher”. A palavra mais associada a essas notícias é “violência”. “Violência é a grande pauta desses veículos. É um tema que está no radar contínuo”. A mediadora Giulliana Bianconi destacou que a violência contra a mulher foi um dos primeiros temas da agenda feminista a extrapolar o campo da luta de direitos das mulheres e ganhar espaço nas políticas públicas.

Ana Paula Pellegrino, do Instituto Igarapé, que trabalha em pesquisas e em formulação que perpassam violência de gênero, alerta para o fato de que, em muitos casos, o papel da cuidadora também é ressaltado na narrativa relacionada aos feminicídios. “A mulher morreu e o que se apresenta é a ideia de que ela deixou uma filha, deixou o marido, deixou a mãe. É uma narrativa que surge. Aí, nós temos uma revanche que é falar da mulher pela mulher”, comenta a pesquisadora.
Dados interseccionais

Flávia e Ana Paula também trouxeram para o debate a necessidade de trabalhar com as camadas de interseccionalidade, levando em conta identidade de gênero, raça/cor, orientação sexual e classe social na coleta de dados para determinar as opressões específicas sofridas por cada grupo social e assim, elaborar políticas públicas que deem conta dessa complexidade.

“Mesmo dentro dessa agenda de violência de gênero há dinâmicas diferentes. O estupro corretivo das lésbicas é um exemplo. É um fenômeno totalmente diferente [do estupro sofrido por mulheres heterossexuais]. A gente não tem estatísticas sobre isso. As estatísticas oficiais não dão conta dos crimes de ódio sofridos pela população LGBT. Há criminalização contra feminicídio, mas não contra LGBTs. A questão é que há mulheres que morrem por crimes de ódio específicos, por questões de identidade de gênero e orientação sexual. Isso também é pauta da agenda feminista”, comenta Flávia Oliveira.

Ao mesmo tempo em que o cenário de diversidade entre as mulheres aponta para a necessidade de conseguir estatísticas com esses recortes interseccionais, isso impõe às vezes entraves na construção metodológica de algumas pesquisas. Ana Paula cita o exemplo de uma tentativa de coletas de dados de feminicídio na América Latina para demonstrar a complexidade desse tema, uma vez que há diferenças culturais na determinação de raça entre alguns países.

“Aqui no Brasil, a questão de raça/cor é trabalhada pela autodeclaração. Isso gera uma dificuldade no levantamento de homicídios com esse recorte porque a pessoa morta, obviamente, não consegue declarar nada. Temos uma segunda dificuldade também. Aqui no Brasil a gente é ligado à cor da pele. Por mais que seus antepassados sejam italianos, se a cor da pele é mais morena, você vai tender a se classificar como pardo. Em outros países, há uma valorização da herança genética. Então, essa pessoa por mais que seja muito branca, sabendo que tem uma herança indígena, vai se declarar como mestiça. É interessante ter uma equipe internacional no Instituto Igarapé porque temos inúmeras discussões sobre como é feita essa autodeclaração em cada um desses países. Chegamos à conclusão de que não dava para fazer essas comparações [dos números de mortes por raça/cor entre os países]”, afirmou a pesquisadora.

Apesar dos inúmeros desafios para as mulheres superarem as desigualdades elencados durante o debate, a jornalista da GloboNews apresentou os avanços das mulheres brasileiras na educação e qualificação profissional como um alento para mirar o futuro. “Mesmo com uma representação política irrisória, quase residual, as mulheres tomaram esse país de assalto nos últimos 50 anos. Não é trivial sair de uma maior taxa de analfabetismo comparada com a dos homens nos anos 70 e chegar na virada do século com maior proporção de conclusão de nível superior. Isso é uma revolução”, disse Flávia. “Se a gente olhar o Brasil só pelo recorte de gênero, o que as mulheres brasileiras fizeram a partir da segunda metade do século XX foi o que a Coreia do Sul fez.”

Uma das visualizações apresentadas na mesa por Giulliana Bianconi, produzida a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra a inversão do acesso à educação superior (imagem abaixo)


Flávia pontuou que a próxima fronteira é a disputa por mais postos de poder. “Ainda estamos sub-representadas seja no executivo, no legislativo, no judiciário ou no setor privado. Quem decide ainda é masculino. A revolução estará completa quando a gente conseguir mudar esse eixo de representatividade política.”

O “Diálogos Gênero e Número – Dados, Jornalismo e Arte para falar sobre Direitos” foi produzido pela Gênero e Número, com apoio da Artigo 19, Fundação Ford, Fundo Elas, Instituto Patrícia Galvão e ONU Mulheres. Foram seis mesas de diálogos ao longo do dia e além deste texto será possível acompanhar a cobertura das outras mesas nos próximos dias.

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