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sexta-feira, 4 de maio de 2018

‘Casais devem conversar honestamente para evitar traição’, diz especialista


Esther Perel, a guru dos relacionamentos amorosos, defende que as pessoas dediquem mais horas a seus parceiros
VALÉRIA FRANÇA
27/04/2018
Conversar honestamente é a primeira coisa que um casal deveria fazer para se proteger da infidelidade, afirma a psicoterapeuta belga Esther Perel, autora do best-seller "Sexo no Cativeiro". A segunda é manter o relacionamento vivo. Para isso, é preciso "guardar o melhor de suas energias para o parceiro e não privilegiar o mundo —ou seja, os amigos, os filhos, a família e o trabalho—, deixando para o parceiro apenas o que sobrou de você."

Esther Perel durante palestra no festival South by Southwest 2018, realizado em Austin, Texas. Aguru dos relacionamentos afirma que a infidelidade é mais comum do que se imagina e pode ser útil na reconstrução de matrimônios (Foto: DAVID PAUL MORRIS/GETTY IMAGES)
Esther Perel durante palestra no festival South by Southwest 2018, realizado em Austin, Texas. Aguru dos relacionamentos afirma que a infidelidade é mais comum do que se imagina e pode ser útil na reconstrução de matrimônios (Foto: DAVID PAUL MORRIS/GETTY IMAGES)
A guru dos relacionamentos amorosos diz que a infidelidade é mais comum do que se pensa. Mas acredita que, nesse assunto, não se deve ser nostálgico. "Estamos indo de um casamento de obrigações para um casamento com liberdade de escolhas", afirma. "Temos, sim, mais divórcios do que antes, assim como mais oportunidades de uma segunda chance de felicidade. No passado, o casal podia estar emocionalmente miserável, mas não havia divórcio. Os pais passavam 30 anos vivendo em quartos separados e muitas vezes se odiando em nome da família.  As coisas mudaram muito. Hoje a família só está feliz se o casal está feliz", afirma.
A senhora fala de uma narrativa moderna da infidelidade. Por quê? O que mudou?
A narrativa moderna sobre infidelidade quebra a ambição do grande amor da vida. Monogamia não é ter uma pessoa para a vida inteira, mas uma pessoa por vez. Se escolhi você, por você, não fico olhando ao redor para ver se tem mais alguém. Por você, eu me torno exclusivo para você. Acho que isso nunca aconteceu antes. Nossos avôs e avós viviam em um mundo em que sabiam da existência do “outro” ou da “outra”. Eles não esperavam o amor e a paixão do casamento. O amor e a paixão aconteciam com alguém de fora do matrimônio.
A ideia de que você quebra o amor ao trair muda o conceito de infidelidade?
Infidelidade e fidelidade não tinham nada a ver com amor, até não muito tempo atrás. A fidelidade era praticamente um princípio econômico. O homem tinha de garantir que a herança quando morresse fosse mesmo para os filhos de sangue. E a mulher sabia que poderia engravidar se fosse infiel. Era um sistema econômico para manter o patrimônio.
Por que as pessoas traem?
Hoje as pessoas traem porque o casamento falhou como portador do amor e da paixão prometidos. Se você me trai, você trai a ambição de um grande amor. Você quebra totalmente minha confiança.
Por que a senhora escolheu a palavra infidelidade ao invés de traição no livro?
Porque traição é só um dos elementos da experiência de infidelidade. Há outros sentimentos. O livro não é um livro de casos, mas um livro sobre os relacionamentos modernos através da lente da infidelidade, que faz parte do drama da humanidade. É só ir à ópera. Eu digo que não há outra experiência que incorpore mais todos os aspectos do drama humano do que a infidelidade. Acho que, por isso, o livro é um best-seller já em 25 países.
Do jeito que a senhora fala e escreve no livro, parece que a infidelidade é regra hoje em dia?
Não. Ninguém casa e diz a infidelidade vai fazer parte de nossa nova vida. Ninguém vai dizer eu vou trair você. Quando você casa, você promete ser fiel. E vou confiar em você. Fidelidade é um contrato de confiança. Mas se você vai viajar, encontra o ex-namorado e decide não contar, isso é infidelidade? Quem decide se você pode ou não ver o ex-namorado? Você tem o direito de não contar? Você tem a obrigação de contar porque isso faz parte do contrato de fidelidade? Ou na situação inversa, você tem o direito de dizer que o outro não pode ver o ex? Tudo isso hoje em dia é novo. Isso não fazia parte de uma conversa de casal antes. Até porque, para começar, não havia ex. É muito novo entender o que é fidelidade e quando se atravessa o limite dela. Se você está comigo e fantasia com alguém, isso é traição?
O conceito de infidelidade ficou mais amplo?
Há novas formas de infidelidade. Tem pessoas que me procuram porque descobriram que o parceiro tem um caso. Mas tem também quem vem porque o parceiro se conectou com o ou a ex-namorada via Facebook, ou se sentiu traído com pornografia e não concorda com isso, ou mesmo porque o outro fez uma daquelas massagens chamadas de “com final feliz”. Todas essas novas formas de infidelidade entram em meu consultório junto com o paciente.
Homens e mulheres encaram de maneira igual a infidelidade?
Não existe igualdade de gênero na infidelidade. Homens sempre têm a licença de trair e todas as explicações estão na natureza do homem. Ele fica entediado. Ele tem o direito. Ele quer novidades. Mulheres querem monogamia, segurança, fidelidade e, quando trai, ela está se sentindo miserável, desesperada e infeliz. As consequências para ela são sempre muito piores do que para ele. E se existe a consciência de que as consequências são terríveis, você precisa pensar duas vezes antes de agir. Nós nunca saberemos o que a mulher realmente quer até que as consequências sejam as mesmas para ambos os sexos.
O primeiro momento é sempre de raiva?
Sim, no que eu chamo de fase 1, o paciente está machucado, quebrado, confuso, com raiva, assustado e se sentindo sozinho, sem condições de conversar com ninguém. O cérebro está em choque. É preciso tratar a dor para que, aos poucos, seja possível começar a raciocinar.

Tem uma fase 2, então?
O casal vai precisar de uma conversa racional que começa com discussão sobre quem traiu. Não cabe querer saber detalhes (como quantas vezes, as posições ou coisas parecidas), mas entender o que levou à traição. E quem traiu tem de reconhecer, sim, que mentiu, tem de se desculpar e expressar que se sente mal por ter ferido o parceiro – mesmo que ache que o caso foi uma experiência maravilhosa. Entender o que aconteceu faz parte do processo de recuperar a confiança no outro. E para que haja o perdão, é preciso mostrar empatia com o sofrimento do parceiro. Daí, então, o casal pode ser capaz de discernir se quer se separar ou não. Algumas pessoas não querem por outras razões que não o amor. Às vezes por medo de ficar sozinho, de perder o padrão de vida, a família – ou tudo isso junto.
Uma traição pode acabar com a imagem de anos de casamento, como se nada de bom tivesse acontecido antes?
Quando há um caso de infidelidade, a nova realidade se sobrepõe às demais. Questiona-se tudo. Quando o parceiro estava segurando sua mão, de fato era na sua mão ou na da outra pessoa que pensava naquele momento? Quando ligou, queria ligar para você ou para outra pessoa? Isso é enlouquecedor. Quebra por completo a concepção de realidade. Quem mente sobre um caso pode mentir sobre outras coisas.
E mentir sobre outras coisas também seria traição?
Eu minto para você que quero ter filhos, mas nunca quis; que gostaria de mudar para outra cidade com você, mas nunca de fato pensei nisso; falo sobre uma série de intenções que nunca se realizaram. Tudo isso pode ser considerado traição. Meu trabalho é abrir as cabeças para que o casal consiga ter uma conversa difícil, mas proveitosa. Às vezes, quando alguém tem um caso pela primeira vez na vida tem o sentimento de não estar mentindo para si próprio, embora esteja enganando o parceiro. Meu trabalho é mostrar a complexidade da traição.
A infidelidade é melhor ou pior compreendida de acordo com o nível escolar?
Não, acontece igual em todas as classes sociais. Não tem nada a ver com formação escolar, mas com inteligência emocional. Tem a ver com empatia. Se você tem empatia por mim e quer saber o quanto me machucou, então eu também posso ter a empatia de entender por que você decidiu ter um caso.
A senhora escreveu que um relacionamento aberto não é garantia contra a infidelidade. O que os casais podem fazer para proteger a relação?
A única coisa que protege um casal é manter um relacionamento forte e vibrante. Para isso, é preciso conversar desde o início sobre frustrações, sobre sexo, sobre sentimentos, de um jeito que, na verdade, as pessoas nunca falam. Os relacionamentos hoje vivem de negociação. No passado, os papéis eram definidos, seguiam-se regras pré-estabelecidas. Sabia-se quem deveria trazer o dinheiro e quem deveria alimentar a criança. Nas sociedades urbanas hoje, as pessoas negociam quem deve ganhar o dinheiro e quem vai alimentar a criança.
Ou seja, conversas profundas têm que fazer parte da rotina do casal?
Sim, mas muitos nunca abrem o jogo. Passam anos sem falar sobre nada ou conversando superficialmente. Conversar honestamente é a primeira coisa que deveriam fazer para se proteger da infidelidade. A segunda é manter o relacionamento vivo. Guardar o melhor de suas energias para o parceiro, e não privilegiar o mundo —ou seja, os amigos, os filhos, a família e o trabalho—, deixando para o parceiro apenas o que sobrou de você. Isso é muito comum.
Algumas pessoas que entrevistei sobre essa releitura da infidelidade me disseram que vivemos o colapso da moralidade e dos costumes...
Foram homens que disseram isso?
Sim, por quê?
Para o homem essa mudança foi mais difícil, porque ele sempre teve mais liberdade do que a mulher. Hoje, o papel do homem é muito questionado. Acho que precisamos ter cuidado com a nostalgia. Estamos indo de um casamento de obrigações para um casamento com liberdade de escolhas – e é por isso que algumas pessoas dizem que estamos nos tornando individualistas, que não respeitamos os valores da família, não honramos os compromissos, que nos divorciamos muito rápido. Temos, sim, mais divórcios do que antes, assim como mais oportunidades de uma segunda chance de felicidade. A família tradicional dizia o que você tinha de fazer, você gostando ou não. C’est comme ça (é assim). Havia normas, mas não havia escolha. No passado, o casal podia estar emocionalmente miserável, mas não havia divórcio. Os pais passavam 30 anos vivendo em quartos separados e muitas vezes se odiando em nome da família.  As coisas mudaram muito. Hoje a família só está feliz se o casal está feliz.
E dá para encontrar a felicidade no amor?
Amar é um verbo e não um estado permanente de entusiasmo. Quando você ama, precisa fazer coisas que expressem seu amor. É um investimento em tempo, atenção, em foco, criatividade e bom-humor. É importante amar mais até do que dizer “amor”. Hoje existem mais expectativas sobre os relacionamentos do que em qualquer época passada. Porém, gasta-se mais tempo no trabalho, com as crianças, e menos com seu parceiro. Na América, são 33 horas longe das crianças e do parceiro por semana, então, fica muito difícil ter um relacionamento feliz. Eu sempre digo que a qualidade do seu relacionamento determina a qualidade de sua vida. É preciso ser, ou aprender a ser, um excelente comunicador. Hoje mais do que nunca ser um bom ouvinte virou a chave para a negociação. Os casais esquecem a criatividade. Você precisa fazer a sexualidade ser importante no relacionamento. Você precisa ter confiança e dar espaço para o seu parceiro, porque fogo precisa de ar.

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