Supremo Tribunal Federal vai discutir a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Como isso pode impactar a vida das brasileiras?
03.08.2018 | POR NATACHA CORTÊZ
A descriminalização do aborto volta a ser pauta no Supremo Tribunal Federal nos próximos dias 3 e 6 de agosto. O tema será discutido em duas audiências públicas convocadas pela ministra Rosa Weber, relatora do processo. Nessas sessões, serão ouvidas 45 exposições, de 20 minutos cada, feitas por organizações das áreas da saúde e direitos humanos, entidades religiosas e estudiosos do assunto.
Ouvir esses representantes é parte do processo que julga uma ação - a ADPF 442 - proposta pelo PSOL com assessoria técnica da Anis - Instituto de Bioética. Ela pede a exclusão do Código Penal dos artigos 124 e 126, que definem como crime a interrupção da gravidez tanto para a mulher, quanto para quem a ajuda a abortar.
Marie Claire conversou com Isabela Guimarães Del Monde, advogada da Rede Feminista de Juristas - que inclusive é um dos expositores a falar nas audiências -, para explicar o que significam as audiências e como elas podem, se é que podem, mudar o futuro do aborto no país.
O que diz a ADPF 442?
Que a proibição do aborto afronta preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não-discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde e ao planejamento familiar, entre outros.
Luciana Boiteux, a advogada que assina a ação, destaca que a criminalização do aborto leva brasileiras a recorrerem a procedimentos inseguros, que muitas vezes acabam em mortes e finais trágicos. Luciana vai mais longe e argumenta ainda que o problema afeta de forma mais intensa mulheres pobres, negras e periféricas. Essas, quando procuram abortar, correm mais riscos de acabar em serviços clandestinos, mantidos por não-médicos em condições inadequadas.
Por que Rosa Weber é a relatora?
Basicamente porque foi sorteada para ser a relatora da ação. O Supremo tem um sistema randômico de distribuição de pautas. Ou seja: ter Rosa como relatora dessa ADPF é nada além de acaso.
Rosa Weber já se mostrou favorável à descriminalização. Isso ajuda a ação do PSOL?
De alguma forma, sim. Para ela, até a 12ª semana de gestação, o aborto deve ser descriminalizado. No mais, a relatora tem papel fundamental no ritmo do processo. É Rosa que dará o primeiro voto e avisará a presidente do STF, Carmen Lúcia, que já é possível pautar o julgamento. Se fosse sorteado como relator um ministro contrário à legalização do aborto, como parece ser Ricardo Lewandowski, haveria uma probabilidade maior de o caso ficar parado.
Para que serve uma audiência pública?
Ela é um momento de manifestação de diferentes setores da sociedade civil sobre um tema. É um recurso especialmente importante para assuntos delicados e que dividem a sociedade.
Quais foram os critérios da ministra para a escolha desses representantes?
Competência técnica, atuação sobre o tema e paridade de posições, além de um número igual de pessoas falando de cada lado. De 187 inscritos, 45 foram selecionados. Tem ONG's, entidades e pessoas físicas também - a jurista Janaína Paschoal, por exemplo, falará contra a descriminalização.
O que de fato pede a ação do PSOL?
A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, por decisão da mãe e sem nenhum tipo de autorização da Justiça. "Em um contexto de descriminalização do aborto, nenhuma mulher será obrigada a realizá-lo contra sua vontade. Porém, hoje, o Estado brasileiro torna a gravidez um dever", diz o texto da ação.
Isso significa que o STF pode decidir pela descriminalização do aborto nos próximos dias?
Não, não existe essa chance nas audiências. Elas, digamos, são como os primeiros passos para uma futura descriminalização. Nas sessões de sexta e segunda-feira, aborto e suas implicações na vida das brasileiras serão assuntos debatidos e expostos à sociedade.
Todos os ministros estarão presentes?
A princípio, só Rosa Weber e Carmen Lúcia, a presidente, estão confirmadas para participar das sessões. Todos os outros ministros estão convidados, mas não têm a obrigatoriedade de estar ali - o que é um procedimento comum em ADPF's.
E depois das audiências, o que acontece?
O processo corre seu fluxo. A Procuradoria Geral da República deve se manifestar sobre o tema, vão ser juntados os posicionamentos dos amici curie - instituições que opinam nas decisões do Supremo -, e então os ministros todos devem decidir seus votos a favor ou contra a descriminalização. Para esse terceiro momento, não existe prazo. Pode levar meses ou anos.
O que muda se, lá na frente, o STF decidir pela descriminalização?
O aborto, quando realizado até a 12ª semana de gestação, deixa de ser crime. Isto é: nenhuma mulher será indiciada se decidir interromper a gestação. No entanto, descriminalizar não é o mesmo que legalizar. Para que políticas públicas - tanto para prevenção do aborto, quanto para realização do procedimento - existam, o Legislativo - Câmara e Senado - e o Executivo precisam agir, seja através de leis ou medidas provisórias.
E se o Supremo não descriminalizar?
Os artigos do Código Penal continuam valendo e o aborto segue sendo crime. Outras ações podem ser movidas, no entanto, para que sejam analisadas pelo STF, elas precisam propor novos questionamentos. Um outro caminho possível é a criação e a aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional. Esse é um cenário que dependeria exclusivamente dos políticos - na sua maioria, homens - e que não contaria com a participação direta da sociedade civil.
Esta não é exatamente a primeira vez que o STF decide sobre a legislação de aborto.
O caso mais emblemático foi o do aborto de fetos anencéfalos, de 2012. A audiências públicas aconteceram em 2008. Quatro anos depois, a pauta foi a plenário e a decisão dos ministros foi tomada.
Como é legislação do aborto no Brasil?
Atualmente, aborto apenas é permitido no país em três casos: se a mulher corre risco de vida por causa da gestação; se a gravidez é decorrente de um estupro ou se o feto é anencéfalo (sem cérebro) e, portanto, não conseguirá sobreviver após o parto. Em quaisquer outras situações, a mulher que fizer aborto pode ser presa por até três anos, enquanto médicos que realizarem o procedimento podem ser condenados a até quatro.
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