Durante quase 12 horas, primeira parte de audiência pública levou ao plenário do Supremo Tribunal Federal argumentos pró e contra descriminalização do aborto até 12ª semana de gestação
A primeira parte da audiência pública sobre a descriminalização do aborto, que aconteceu nesta sexta-feira (03/08), durou cerca de 12 horas e teve 32 organizações representadas no plenário do Supremo Tribunal Federal. Argumentações pró e contra a descriminalização do procedimento até a 12ª semana de gestação foram apresentadas à relatora da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, a ministra do STF Rosa Weber.
O Ministério da Saúde enviou representantes que apresentaram dados da pasta sobre o tema. A médica Maria de Fátima Marinho disse que o Ministério estima que aconteçam 1 milhão de abortos induzidos por ano no Brasil. “Complicações do aborto inseguro trazem sobrecarga para o SUS”, afirmou. “O procedimento inseguro do aborto leva a mais de 250 mil internações por ano. Isso gera 15 mil complicações e cinco mil complicações muito graves”.
A Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Fiocruz trouxeram argumentos de profissionais médicos a favor da descriminalização. “Aborto é tema urgente e parte da vida reprodutiva das mulheres. Essa constatação independe de nossas crenças pessoais”, disse Rosires Pereira de Andrade, da Febrasgo. “Evidências mostram que são métodos inseguros, oferecidos na clandestinidade, e a falta de apoio médico que permitem a persistência de riscos associados ao aborto, como infecção, hemorragia, perfuração de útero e morte.”
José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, falou como representante da ANM. “Não se trata de ser a favor ou contra aborto, o que está em discussão é se abortos serão legais ou clandestinos, seguros ou de alto risco, e se mulheres serão acolhidas ou abandonadas.” Ele também trouxe dados sobre a taxa de falha de métodos contraceptivos, argumentando que mesmo as mulheres que fazem uso destes métodos estão sujeitas a uma gestação indesejada.
Marcos Augusto Bastos Dias, da Fiocruz, salientou que a criminalização não evita que mulheres abortem. “A mulher toma decisões não devido à lei, mas ao que faz sentido para sua vida. A mulher sabe o que é melhor para si. É um equívoco acreditar que o obstetra deva ou possa convencer uma mulher de qualquer decisão”, afirmou. “Ao médico cabe apenas respeitar a decisão da mulher, e atuando como coadjuvante, garantir que caso decisão seja por aborto, isso se faça de maneira segura.”
A pesquisadora Débora Diniz, do Anis – Instituto de Bioética, fechou o turno da manhã aplaudida de pé por quem acompanhava a audiência pública. Diniz tem sido ameaçada de morte por grupos contrários à descriminalização do aborto e iniciou sua fala dizendo que era “senso de dever urgente” estar presente na audiência pública. Ela apresentou dados da Pesquisa Nacional do Aborto 2016, da qual foi uma das coordenadoras.
Essa multidão de mulheres [que abortam] pode ser descrita por números: uma mulher por minuto, quatro milhões de mulheres entre 18 e 39 anos, neste momento, no país.
Um dos argumentos de Diniz foi o possível impacto no sistema penitenciário caso todas as mulheres que, segundo a pesquisa, fizeram um procedimento de aborto, fossem presas e condenadas.
Antes da fala de Diniz, no início da audiência, o médico Raphael Câmara, contrário à descriminalização do aborto, também apresentou seus argumentos. Ele afirmou que “o ministro da Saúde inventou número de complicações e mortalidade por aborto em entrevista ao [jornal] O Estado de S. Paulo”. Câmara também questionou os estudos sobre o tema: “Estudos, de forma geral, são enviesados. Há conflito de interesse ideológico. Todos esses estudos sobre temas polêmicos são feitos por pessoas com causas.”
A antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, do Instituto Baresi, argumentou a favor da descriminalização sob a perspectiva das mulheres com deficiência. Dias refutou o argumento de que a descriminalização do aborto levaria a “eugenia” por abortos indiscriminados de fetos com deficiência.
Quando usam nossas vidas para justificar que autorizar o aborto pode implicar em eugenia, fazem uma usurpação cruel da nossa experiência. Eugenia é nos negar igualdade de condições e participação na vida social, inclusive por meio da reprodução. Eugenia é o Estado gerir nossa vida, nos esterilizar, decidir nossa fecundidade e vida. Não é eugenia nos garantir e garantir a qualquer mulher o direito de decidir por qualquer razão que seja.
Para Dias, a proteção às pessoas com deficiência acontece da melhor forma quando há suporte às suas famílias. De acordo a representante do Instituto Baresi, tal suporte prévio garantiria que mulheres grávidas não tomassem decisões baseadas somente no medo. Ela também foi aplaudida de pé.
Lenise Aparecida Martins Garcia, representante do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, argumentou na audiência a favor da criminalização. Ela afirmou que há situações em que homens insistem que mulheres abortem, e assassinam estas mulheres caso sejam contrariados. Ela se posicionou contra a referência de 12 semanas para interrupção da gestação, que chamou de “arbitrária”, e apresentou um vídeo em que, segundo ela, o feto com sete semanas se movimenta dentro do útero da gestante.
Viviane Petinelli, do Instituto de Políticas Governamentais, afirmou na audiência que é contra a descriminalização do aborto e apresentou dados demográficos na sua argumentação. Petinelli afirmou que a prática do aborto pode prejudicar o momento de “bônus demográfico” que o Brasil vive, onde, proporcionalmente, há mais pessoas economicamente ativas do que dependentes. Segundo ela, a descriminalização, a médio e longo prazo, poderá diminuir a arrecadação da previdência social, ao mesmo tempo em que os gastos com saúde e aposentadorias serão maiores.
Rebecca Gomperts, da organização internacional Women on Waves, defendeu a descriminalização do aborto a partir da sua experiência à frente da ONG. Ela destacou que pílulas dos medicamentos abortivos misopostol e mifepristona, que permitem que o procedimento seja feito em casa até a nona semana de gestação, pararam de ser enviadas pela organização de apoio Women on Web, parte da Women on Waves, ao Brasil.
De acordo com Gomperts, a criminalização dos medicamentos fomenta a utilização de métodos inseguros para a prática do aborto, como uso de facas e agulhas para perfuração do útero. As pílulas, antes enviadas gratuitamente ao Brasil pela organização, agora é vendida por R$ 800 a R$ 3.000 no mercado negro, segundo Gomperts. Durante a apresentação, ela também leu trechos de emails enviados à organização por mulheres que cogitam o suicídio pela impossibilidade de abortarem de forma segura e defendeu que o risco de saúde à vida da gestante, hipótese em que é possível abortar legalmente no Brasil, também englobe o risco de suicídio.
Na segunda-feira (06/08), as argumentações da sociedade civil sobre a ADPF 442 continuam. A previsão é que mais 26 organizações tenham sua vez no segundo dia de audiência pública. A Gênero e Número fará novamente, em tempo real, a cobertura da audiência pública no Twitter.
*Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número
O Ministério da Saúde enviou representantes que apresentaram dados da pasta sobre o tema. A médica Maria de Fátima Marinho disse que o Ministério estima que aconteçam 1 milhão de abortos induzidos por ano no Brasil. “Complicações do aborto inseguro trazem sobrecarga para o SUS”, afirmou. “O procedimento inseguro do aborto leva a mais de 250 mil internações por ano. Isso gera 15 mil complicações e cinco mil complicações muito graves”.
A Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Fiocruz trouxeram argumentos de profissionais médicos a favor da descriminalização. “Aborto é tema urgente e parte da vida reprodutiva das mulheres. Essa constatação independe de nossas crenças pessoais”, disse Rosires Pereira de Andrade, da Febrasgo. “Evidências mostram que são métodos inseguros, oferecidos na clandestinidade, e a falta de apoio médico que permitem a persistência de riscos associados ao aborto, como infecção, hemorragia, perfuração de útero e morte.”
José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, falou como representante da ANM. “Não se trata de ser a favor ou contra aborto, o que está em discussão é se abortos serão legais ou clandestinos, seguros ou de alto risco, e se mulheres serão acolhidas ou abandonadas.” Ele também trouxe dados sobre a taxa de falha de métodos contraceptivos, argumentando que mesmo as mulheres que fazem uso destes métodos estão sujeitas a uma gestação indesejada.
Marcos Augusto Bastos Dias, da Fiocruz, salientou que a criminalização não evita que mulheres abortem. “A mulher toma decisões não devido à lei, mas ao que faz sentido para sua vida. A mulher sabe o que é melhor para si. É um equívoco acreditar que o obstetra deva ou possa convencer uma mulher de qualquer decisão”, afirmou. “Ao médico cabe apenas respeitar a decisão da mulher, e atuando como coadjuvante, garantir que caso decisão seja por aborto, isso se faça de maneira segura.”
A pesquisadora Débora Diniz, do Anis – Instituto de Bioética, fechou o turno da manhã aplaudida de pé por quem acompanhava a audiência pública. Diniz tem sido ameaçada de morte por grupos contrários à descriminalização do aborto e iniciou sua fala dizendo que era “senso de dever urgente” estar presente na audiência pública. Ela apresentou dados da Pesquisa Nacional do Aborto 2016, da qual foi uma das coordenadoras.
Essa multidão de mulheres [que abortam] pode ser descrita por números: uma mulher por minuto, quatro milhões de mulheres entre 18 e 39 anos, neste momento, no país.
Um dos argumentos de Diniz foi o possível impacto no sistema penitenciário caso todas as mulheres que, segundo a pesquisa, fizeram um procedimento de aborto, fossem presas e condenadas.
Antes da fala de Diniz, no início da audiência, o médico Raphael Câmara, contrário à descriminalização do aborto, também apresentou seus argumentos. Ele afirmou que “o ministro da Saúde inventou número de complicações e mortalidade por aborto em entrevista ao [jornal] O Estado de S. Paulo”. Câmara também questionou os estudos sobre o tema: “Estudos, de forma geral, são enviesados. Há conflito de interesse ideológico. Todos esses estudos sobre temas polêmicos são feitos por pessoas com causas.”
A antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, do Instituto Baresi, argumentou a favor da descriminalização sob a perspectiva das mulheres com deficiência. Dias refutou o argumento de que a descriminalização do aborto levaria a “eugenia” por abortos indiscriminados de fetos com deficiência.
Quando usam nossas vidas para justificar que autorizar o aborto pode implicar em eugenia, fazem uma usurpação cruel da nossa experiência. Eugenia é nos negar igualdade de condições e participação na vida social, inclusive por meio da reprodução. Eugenia é o Estado gerir nossa vida, nos esterilizar, decidir nossa fecundidade e vida. Não é eugenia nos garantir e garantir a qualquer mulher o direito de decidir por qualquer razão que seja.
Para Dias, a proteção às pessoas com deficiência acontece da melhor forma quando há suporte às suas famílias. De acordo a representante do Instituto Baresi, tal suporte prévio garantiria que mulheres grávidas não tomassem decisões baseadas somente no medo. Ela também foi aplaudida de pé.
Lenise Aparecida Martins Garcia, representante do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, argumentou na audiência a favor da criminalização. Ela afirmou que há situações em que homens insistem que mulheres abortem, e assassinam estas mulheres caso sejam contrariados. Ela se posicionou contra a referência de 12 semanas para interrupção da gestação, que chamou de “arbitrária”, e apresentou um vídeo em que, segundo ela, o feto com sete semanas se movimenta dentro do útero da gestante.
Viviane Petinelli, do Instituto de Políticas Governamentais, afirmou na audiência que é contra a descriminalização do aborto e apresentou dados demográficos na sua argumentação. Petinelli afirmou que a prática do aborto pode prejudicar o momento de “bônus demográfico” que o Brasil vive, onde, proporcionalmente, há mais pessoas economicamente ativas do que dependentes. Segundo ela, a descriminalização, a médio e longo prazo, poderá diminuir a arrecadação da previdência social, ao mesmo tempo em que os gastos com saúde e aposentadorias serão maiores.
Rebecca Gomperts, da organização internacional Women on Waves, defendeu a descriminalização do aborto a partir da sua experiência à frente da ONG. Ela destacou que pílulas dos medicamentos abortivos misopostol e mifepristona, que permitem que o procedimento seja feito em casa até a nona semana de gestação, pararam de ser enviadas pela organização de apoio Women on Web, parte da Women on Waves, ao Brasil.
De acordo com Gomperts, a criminalização dos medicamentos fomenta a utilização de métodos inseguros para a prática do aborto, como uso de facas e agulhas para perfuração do útero. As pílulas, antes enviadas gratuitamente ao Brasil pela organização, agora é vendida por R$ 800 a R$ 3.000 no mercado negro, segundo Gomperts. Durante a apresentação, ela também leu trechos de emails enviados à organização por mulheres que cogitam o suicídio pela impossibilidade de abortarem de forma segura e defendeu que o risco de saúde à vida da gestante, hipótese em que é possível abortar legalmente no Brasil, também englobe o risco de suicídio.
Na segunda-feira (06/08), as argumentações da sociedade civil sobre a ADPF 442 continuam. A previsão é que mais 26 organizações tenham sua vez no segundo dia de audiência pública. A Gênero e Número fará novamente, em tempo real, a cobertura da audiência pública no Twitter.
*Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número
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