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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Nesta ilha na Finlândia, homens são proibidos e diárias começam em R$ 3.400

Em pleno mar Báltico, na ponta norte da Finlândia, fica um reduto feminista com conforto de hotel três estrelas e preço idem para hóspedes – inegociavelmente apenas mulheres – que desejam relaxar, praticar ioga, estar em contato com a natureza, comer orgânicos e discutir o universo feminino sem o bedelho masculino

16.01.2019 - POR HANNAH ROSE YEE
Uma ilha frequentada só por mulheres que buscam o bem-estar no Golfo da Finlândia. Tinha certeza de que estava a caminho de uma experiência surrealista quando decidi visitar a ilha SuperShe [SuperEla, em tradução livre]. Minhas impressões logo se dissiparam quando atravessei o oceano em um barco pilotado por Ida, uma bem-humorada adolescente finlandesa. “É aquela ali”, disse, apontando para o largo pedaço de terra cercado por pinheiros. Foi ela quem me guiou até “Fogo”, minha casa durante o tempo em que fiquei na ilha e “a menor das quatro cabanas disponíveis”, avisou, porém, disse sorrindo, com “a melhor vista para o oceano”.

Quem vai para SuperShe busca os poderes restauradores de um retiro exclusivo para mulheres. Inaugurado em junho de 2018 pela empresária alemã Kristina Roth, oferece um pacote de estadia de sete dias, que inclui transfers, uma noite na capital Helsinque, todas as refeições e uma lista de atividades por US$ 6.300. Nesse pacote está ainda incluído o acesso a toda a estrutura da ilha, que conta com uma tradicional sauna finlandesa, praia privada, sala para a prática de ioga, cabana para massagens, caiaques e redes de balanço dispostas por toda a propriedade. Ali, podem ser acomodadas não mais do que oito pessoas ao mesmo tempo, ao lado de seis funcionárias e da proprietária, sempre presente. Não havia um único homem na equipe. Aliás, não havia um único homem na ilha enquanto o retiro acontecia. E não por acaso. A presença masculina é proibida e indesejável.

A dona da propriedade, Kristina Roth, tem a pele superbrilhante e em um tom mel. É tagarela, eloquente e, minutos após me ver pela primeira vez, se lançou em um arbusto, retornando com um punhado de minúsculos mirtilos. Me ofereceu as frutinhas, surpreendentemente doces e deliciosas, que são também parte do cardápio “orgânico do campo à mesa” do retiro. Ali, Kristina me disse que só na companhia de mulheres conseguiu, de fato, relaxar. “Eu tinha uma consultoria de administração [avaliada em US$ 60 milhões], um ambiente de alta tensão e masculinidade, que vendi em 2015. Decidi que precisava investir em algo que promovesse o encontro de mulheres bem-sucedidas, motivadas, mas também curiosas e apaixonadas pela vida”, contou. “Gosto de me cercar de outras mulheres e me sinto verdadeiramente inspirada quando isso acontece.”

Antes de se tornar um reduto feminista em pleno Mar Báltico, SuperShe existia na internet. Era como uma comunidade só com integrantes mulheres que discutia a condição feminina e também promovia encontros presenciais. A ideia da ilha veio depois de uma conversa casual com seu noivo, um finlandês chamado Benny, cujos pais tinham um pedaço de terra à venda. “Visitei, me apaixonei e não pensei duas vezes antes de comprar”, lembra. “Já tinha estado em algumas ilhas particulares na vida. Mas o que temos aqui é especial. Até o ar é especial.”

Espaços exclusivos para a vivência de mulheres, como é o SuperShe, têm crescido em popularidade desde que, em 2016, o coworking The Wing abriu suas portas cor-de-rosa em Nova York. A própria Kristina é membro do clube. A escritora e produtora estadunidense Lena Dunham, também. O The Wing oferece de conversas com Hillary Clinton sobre liderança até escovas – sim, o método para alisar o cabelo – gratuitas. Chegou ao ponto de a unidade do SoHo, bairro nova iorquino chique e ao mesmo tempo alternativo, ter uma lista de espera de 13 mil mulheres. Hoje, há filiais do coworking em Washington, Los Angeles, São Francisco e Londres.
Ilha SuperShe (Foto: Micaela Werneck)


Kristina Roth, a proprietária da ilha (Foto: Micaela Werneck)
A sala de prática de ioga (Foto: Micaela Werneck)
Um dos almoços da minha estadia (Foto: Micaela Werneck)

Um dos quartos (Foto: Micaela Werneck)
Mas o que há na dinâmica dos espaços feitos exclusivamente para nós que os torna tão atraentes? Para Kristina, o encanto de estar na presença de outras mulheres está na capacidade de um mergulho íntimo e pessoal que só é possível em condições desse tipo. “[Homens] seriam uma distração”, disse sobre a possibilidade de ter a presença masculina na ilha. “Sem eles, até parece que você pode soltar o cabelo, tirar o sutiã, falar em voz alta”, contou, aos risos. Nem mesmo Benny, o noivo, pode visitar o local.
Legumes e flores comestíveis (Foto: Micaela Werneck)
Pelo que observei, nada na propriedade de Kristina é agressivo ou impositivo – como idealizou a fundadora. Tudo é pensado para ser “feminino”. “Para criar um espaço onde mulheres pudessem se sentir à vontade para se concentrar apenas em si mesmas e em sua saúde mental.” Mais de 8 mil se inscreveram para as 96 vagas disponíveis no programa inaugural na ilha, que terminou em setembro do ano passado. A segunda temporada acontece no próximo verão finlandês, ainda em 2019. Sobre a clientela, a maioria é de empresárias, mas também há psicólogas, artistas e advogadas.
Cozinhar em grupo faz parte da programação (Foto: Micaela Werneck)
Houve um empecilho a respeito da ilha. Logo antes de sua abertura, autoridades locais investigaram o serviço, alegando que ele poderia ser “discriminatório para os homens”. Sim, teve isso. “Recebemos reclamações de homens indignados com a proposta da SuperShe. Ofendidos com o fato de não serem bem-vindos aqui”, contou Kristina. “Mesmo depois de centenas de anos em que eles foram os chefões e ditaram tudo – os comportamentos, as regras, a forma como nós mulheres devemos nos portar –, têm a audácia de se revoltar por um simples clube de mulheres”, prosseguiu, levantando a voz.
A opinião da fundadora foi tema do jantar da minha primeira noite em SuperShe, na qual comemos pratos de salmão e trigo-sarraceno. À minha esquerda estava Jennifer, uma preparadora física – e amiga íntima de Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações no Facebook. Do meu lado direito estava Lucie, fotógrafa de moda em Praga. Ao lado dela, Yasmin, que trabalha em finanças em Edimburgo. Miisa, uma artista musical finlandesa, completava o grupo. Falamos sobre tudo, desde autocuidado e como aplicá-lo ao mundo corporativo aos benefícios de praticar ioga no período menstrual. Jennifer disse que teve três “ideias de empreendimentos incríveis” desde que chegou.
Meditação em grupo (Foto: Micaela Werneck)
O preço para fazer parte da turma gera certo senso de exclusividade, digamos. É importante lembrar: são ao menos US$ 900 por noite, cerca de R$ 3.400. O que incluiu, entre as commodities, um chef e um instrutor de ioga à disposição das hóspedes. “O que explica porque simplesmente não posso fazer um retiro barato”, justifica Kristina.
Me vejo atraída por Jennifer e Yasmin, duas mulheres muito diferentes cujos caminhos nunca teriam cruzado com o meu se não fosse a ilha. Ao mesmo tempo, passei boa parte da minha estadia na companhia de mulheres vinte anos mais velhas do que eu que a) não eram minhas parentes ou b) nem minhas empregadas. Conversei exaustivamente com elas, compartilhei vivências, mas, fundamentalmente, as ouvi. Todas são confiantes e fortes. Trocamos telefones. Combinamos de viajar juntas para a Estônia ou Escócia. Quero ser como elas quando crescer.

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