Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2020
No último dia 4, o Supremo Tribunal Federal finalmente deu fim à discussão acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, por meio do julgamento do RE nº 576.967, sob a sistemática da repercussão geral, em que, por maioria de votos (7 a 4), fixou a tese de que "é inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade". A discussão foi originada em razão da interposição de recurso por contribuinte contra decisão do TRF 4ª Região que havia considerado constitucional a tributação.
Os principais argumentos do contribuinte pelo pecurso analisado pelo Supremo foram no sentido de que o salário-maternidade trata-se, na realidade, de uma sistemática de suporte à mulher gestante durante o período de inatividade, de modo que tal verba não poderia configurar natureza remuneratória, afastando-se, assim, a incidência da contribuição previdenciária. Outro ponto forte da argumentação consiste na demonstração de que a verba não possui caráter habitual, de tal modo que não entraria no entendimento que sustenta a tributação previdenciária com base na habitualidade dos recursos. A Fazenda Nacional, em contrapartida, sustenta que a mulher gestante continua abrangida pela folha de salários durante o período de afastamento, o que justificaria a natureza salarial da verba, que supostamente seria destinada com caráter de remuneração.
De acordo com o voto do ministro relator Luís Roberto Barroso, que foi acompanhado pelos ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Celso de Mello e Luiz Fux, a tributação do salário-maternidade desestimula a contratação de mulheres, gerando discriminação incompatível com a Constituição Federal. Afirmou o ministro que o afastamento dessa tributação "privilegia a isonomia, a proteção da maternidade e da família, e a diminuição de discriminação entre homens e mulheres no mercado de trabalho".
Ainda, o ministro relator entendeu que os critérios para a tributação do salário-maternidade não foram preenchidos, uma vez que tal verba não possui caráter remuneratório (ou seja, não se destina à contraprestação pelo trabalho), bem como não se caracteriza ganho habitual, uma vez que a gestação não é um estado habitual da mulher, sendo, portanto, inconstitucional também por esse viés.
Muito embora o julgamento não tenha abordado especificamente as questões relativas ao salário-paternidade, a expectativa é que o julgamento do RE nº 576.967, favorável aos contribuintes, reflita também no salário-paternidade, que vinha sendo julgado pelo STJ desde 2014, com entendimento pela incidência da contribuição previdenciária. A mesma expectativa também é esperada como reflexo aos casos que abordam a licença-maternidade estendida, justamente porque tratam de verbas de natureza idêntica ao salário-maternidade, a qual foi declarada como inconstitucional.
Vale dizer que o entendimento fixado pela Corte Suprema até mesmo ultrapassa os reflexos tributários, isso porque a decisão firmada configura também um verdadeiro avanço e reconhecimento do direito da mulher no mercado de trabalho que, há muito tempo, vem sendo afetada, dentro outros inúmeros fatores, pelo desestímulo do próprio Estado aos empregadores para a contratação de mão de obra feminina, principalmente em razão do ônus tributário decorrente do salário-maternidade.
Sob tal aspecto, com o excelente posicionamento da Corte Suprema, ao "admitir uma incidência tributária que recai somente sobre a contratação de funcionárias mulheres e mães é tornar sua condição biológica, por si só, um fator de desequiparação de tratamento em relação aos homens, desestimulando a maternidade, ou, ao menos, incutindo culpa, questionamentos, reflexões e medos em grande parcela da população, pelo simples de fato de ter nascido mulher" pode se considerar que, além de uma importante vitória para os contribuintes na esfera tributária, estamos falando também em uma significativa decisão que impacta de maneira extremamente positiva aos direitos das mulheres no mercado de trabalho.
Letícia Marchioni Sequeira é advogada da área de contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.
Ana Cristina Mazzaferro é advogada da área de contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.
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