Quando vejo os braços do Ben e do Noah se erguendo para pedir um colo, isso muda totalmente a maneira com que eu lido com uma situação.
O colo que os meus filhos me pedem está além do carinho, afeto, segurança, saudades ou qualquer sentimento do tipo. O colo que eles me solicitam é o momento de conexão, no qual nós dois (ou três) iremos baixar a guarda e sentir o momento. Da parte deles, hoje com 4 e 2 anos, eles podem estar precisando de diferentes coisas naquele momento. Agora, quanto a mim, tenha certeza: eu preciso daqueles colos.
Quando os meus filhos me abraçam, eles me mostram aquilo que eu não estou enxergando, aquilo que não estava sentindo na correria do dia a dia. Eles, sem se preocupar com a minha lista de tarefas, me trazem de volta ao lugar de cuidado. Cuidado com eles e comigo, um cuidado de “nós”. Um simples colo me lembra que tudo que eu já vivi, li, ouvi e aprendi, têm um mesmo final: o amor.
O amor deles, mesmo que eles são saibam, me transporta diretamente para o colo que eu recebia do meu pai quando eu tinha a idade dos meus filhos. A frequência com que eu e meu pai conseguíamos estar juntos era menor, mas o afeto que recebi dele durante a minha primeira infância teve papel importante.
Mesmo com o distanciamentos que se criou ou longo do tempo (e que hoje eu tento diminuir), todas as vezes que íamos ao parque passar a tarde jogando futebol ou andando de bicicleta contribuíram para eu ter uma relação de amor única com o meu pai.
Durante um bom tempo eu trabalhei de segunda a sábado em horário comercial, o mesmo tipo de rotina de trabalho que meu pai tem até hoje: 48h por semana, mais o tempo de deslocamento. Além do desgaste, essa rotina me afastou de momentos lindos com meus filhos. Consultas que eu não fui, reuniões de pais que perdi, festas comemorativas na escola em que me desdobrei para passar meia hora que fosse, pelo menos para que eles tivessem a memória de eu estar ali.
Hoje, trabalhando numa rotina bem mais flexível, tenho a oportunidade de ver meus filhos evoluindo e tenho tempo de sentar e aprender com eles.
Esses dias, o Ben me ensinou o nome de vários dinossauros que eu não fazia ideia que existiram. E não só o nome; foi me explicando que o Pteranodonte voa, que o Tiranossauro come “carniça” e que o Brontossauro come folhas e tem o pescoço bem grande. Eles me mostram que, mesmo com pouco tempo de experiência, eles têm muito a me ensinar ( e eu a aprender), principalmente no quesito da curiosidade. Eles me inspiram a me manter curioso para aprender cada vez mais.
Eu também aprendi que, quando a gente tem filhos, é preciso estar mais atento as sinais que não são verbais, que não é descrito, nos detalhes das coisas que estão acontecendo ao nosso redor. Esse é um dos aprendizados que mudou o jeito de como eu olho para tudo no meu dia-a-dia.
Acredito que a troca que existe entre as gerações de pais e filhos, nas coisas ditas e nas não-ditas, fortalecem as relações.
Olhando para trás, queria que meu pai tivesse aprendido a deixar as amarras dele de lado, que ele tivesse aprendido mais sobre afeto, sentimentos, que ele pudesse me abraçar mais, dizer que me ama — porque isso são exercícios que eu faço muito com meus filhos — para que a nossa relação hoje, entre dois adultos, pudesse ser muito mais leve e afetuosa.
No entanto, ao ser pai eu aprendi que meu pai fez tudo por mim: tudo o que ele podia, tudo o que ele sabia. Se ele errou foi na busca de acertar, de me criar da melhor maneira.
Com meus filhos eu aprendi que eu também sou passível de errar. Meu maior obstáculo hoje com eles, nesse período de pandemia, é a paciência que eu diariamente preciso exercitar. É o exercícios de ouví-los ainda mais nos momento de atrito, de brigas, de tristeza, de choro. Eles estão aprendendo a lidar com os sentimentos deles, mas a externalização dos sentimentos deles às vezes entra em conflito com os meus.
Tem horas que eu não consigo lidar imediatamente com os sentimentos deles, eu bato de frente nesse obstáculo e, depois, consigo pensar nisso de uma maneira mais tranquila.
Nem sempre eu consigo dar ou receber o colo físico dos meus filhos. E, então, eu tento guardá-lo em minha mente para acessá-lo quando necessário. No mundo em que vivemos, principalmente sendo um pai da periferia e preto, passo muito mais horas fora de casa que nela — e é aí que esse afeto mental se torna tão valoroso. Ele me lembra, a todo momento, que tenho um motivo de estar ali lutando com questões que nos deixam tão cansados a ponto de, ao regressar ao nosso lar, não conseguimos nos doar verdadeiramente àqueles que merecem todo o nosso carinho.
Desde os seus primeiros berros ao nascer — que me fizeram desmanchar em lágrimas — estar com meus filhos, em uma presença de qualidade, me ensina coisas que eu não fazia ideia que eram possíveis.
Esses choros, lembro bem, foram as gotas que transbordaram o mar de sentimentos represados em algum lugar aqui dentro. Aprendi ali que os momentos sublimes da vida merecem que estejamos despidos de tudo, com a alma livre. E se o momento mais bonito da minha vida até então tinha sido o nascimento do meu filho Benício, ele e o irmão têm me mostrado, ao longo do tempo, que a vida não tem limites para descobertas. Eu quero aprender muito com a curiosidade deles, quero ouvir tudo o que eles puderem me ensinar das descobertas deles e dos pontos de vista que eles têm.
Eu, pessoalmente, também não tenho limites em desejar e trabalhar para oferecer cada dia mais um mundo melhor para eles. Um mundo em que as crianças pretas e periféricas possam ter o futuro que quiserem e sonhar com aquilo que mais as encherem de alegria.
Até aqui, vejo que o melhor para mim e para eles, mesmo ainda pequenos, é a conversa de peito aberto. Conversas essas que poucas vezes (ou nenhum) eu tive com meu pai. Acredito que criar um espaço de franqueza sobre o que quer que esteja acontecendo, sobre uma dúvida ou uma ideia, vai construir para nós um refúgio, um lugar onde teremos a segurança de estar e falar sobre qualquer coisa que seja pertinente no momento. Sem crise, sem tabu, sem melindre e principalmente sem medos.
A cada momento que olho para os meu filhos e converso sobre tudo, permito que eles sejam eles mesmos, que sonhem o próprios sonhos, cantem a próprias músicas, dancem em seus ritmos, escolham as cores que vão colorir o próximo desenho, eu me lembro de como fui repreendido em muitos aspectos por meu pai quando criança. Posso me lembrar como o único incentivo que ele me deu foi o de ser jogador de futebol.
É aí, olhando também para a geração que veio antes de mim, que está o desafio. Essa é uma ferida que ainda tenho aberta e ela pulsa. Acredito que do lado daí, você que me lê, também tenha as suas feridas, certo?.
A partir do desejo de lidar de forma diferente e criar um futuro melhor junto deles, dos meus filhos, tenho aprendido que é preciso (e possível) também perdoar o meu pai.
Perdoar porque eu tenho a certeza que, assim como eu aprendo com os meus filhos hoje, ele deve ter aprendido muito comigo. Aprendido a abraçar aqueles amamos, a ter paciência nos momentos de atritos e a fortalecer os laços com os mais próximos. Perdoar porque tenho a certeza de que ele fez e faz tudo aquilo que esteve ao seu alcance. E se hoje eu sou um homem que se permite a aprender com os meus filhos, foi porque aprendi e ainda aprendo com o Valmir, meu pai.
Neste Dia dos Pais, eu quero o colo, o momento e todo o aprendizado, venha do meu pai ou venha dos meus filhos.
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Bruno Amorim faz parte do podcast Balaio de Pais, onde se conversa sobre paternidade, transformação individual, coletiva e social.
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