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quarta-feira, 25 de julho de 2012


Robin Hood de bisturi

Com o dinheiro de lipoaspirações e implantes de silicone, uma cirurgiã plástica reconstrói a face – e a vida – de crianças que nasceram com malformações

NATHALIA ZIEMKIEWICZ

A paulistana Rosângela Costa diz que “o céu escureceu” no dia em que deu à luz Jéssica, hoje com 18 anos. Ninguém no hospital da periferia de Osasco sabia explicar por que a menina nascera sem nariz, cega de um olho e com o maxilar incompleto. Rosângela diz que sua vontade era botar a criança para dentro, deixar que terminasse de se desenvolver, para então pari-la novamente. Só lhe restou voltar para casa. Em vez da filha nos braços, carregava uma sentença. “Com sorte, sua bebê terá dez dias de vida”, disseram os médicos. Jéssica contrariou o prognóstico e, quatro meses depois, trocou o leito da Unidade de Terapia Intensiva pelo colo de Rosângela. Na peregrinação por tratamento, a mãe soube de uma médica que trata desses casos gratuitamente. “Foi como se o sol aparecesse de novo”, diz Rosângela.
A cirurgiã plástica Vera Lúcia Cardim, de 59 anos, é uma versão médica de Robin Hood – personagem que roubava dos ricos para dar aos pobres. Só que dentro da lei. Vera usa parte do dinheiro pago pelos pacientes de seu consultório particular para financiar cirurgias restauradoras em pessoas como Jéssica. De um lado, ela aplaca a vaidade de seus pacientes adultos com silicones e lipoaspirações. De outro, ajuda a reconstruir a vida de crianças carentes nascidas com malformações faciais. As deformidades podem ser causadas por erros genéticos, desnutrição pelo uso de drogas durante a gravidez e até pela exposição a aparelhos de raios X na gestação. “A rotina do consultório particular enche minha geladeira, não meu coração”, diz Vera. Em 2006, ela fundou a Facial Anomalies Center, entidade conhecida pela sigla F.A.C.E., que atende pacientes carentes. Cerca de 4 mil pessoas já passaram por lá. Suas feições e vida foram retraçadas pela equipe de Vera, composta de um fonoaudiólogo, um ortodontista, um psicólogo e quatro cirurgiões. Todos voluntários.
SORRISO
A cirurgiã plástica Vera Lúcia Cardim e a estudante Jéssica Costa, operada de graça pela médica. Foram nove cirurgias para corrigir malformações faciais causadas por uma doença congênita (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

As cirurgias fazem mais que corrigir as complicações causadas pelas malformações, como alterações respiratórias. Elas ajudam a incluir socialmente as crianças que, apesar da aparência distoante dos colegas, são intelectualmente tão capazes quanto qualquer um. Muitas vezes, é o preconceito, e não as alterações físicas, que atravanca o desenvolvimento dessas crianças. “Elas têm um potencial incrível, mas são tolhidas pelo preconceito dos outros contra suas feições”, diz Vera. Aos 18 anos, Jéssica, que começou a ser atendida aos 11 meses, leva uma vida social normal. Diz estar preocupada com seus “ficantes”. Concluiu o ensino médio e quer se tornar médica, como Vera. Ela já passou por nove cirurgias. O nariz foi construído com partes do quadril e cartilagens da orelha. A décima operação está marcada. Será no maxilar, que lhe deixa com dentes encavalados e dificuldade na fala.
A causa não desperta simpatia com facilidade. Vera, nascida em Bagé, no Rio Grande do Sul, veio para São Paulo em 1977 para estagiar com o pioneiro da cirurgia craniofacial no Brasil, Jorge Miguel Psillakis. Atendia de graça no Hospital Beneficência Portuguesa. Só em 1997 conseguiu arrebanhar dois alunos que aceitaram ajudar gratuitamente nas cirurgias de pacientes carentes. O consultor financeiro Getúlio Vargas, de 35 anos, conhece de perto as dificuldades vividas por pessoas como Jéssica. Seus traços, pouco comuns e causados por uma síndrome chamada Crouzon, renderam-lhe o apelido de ET na infância. Os olhos saltados e o nariz desproporcional, que despertavam a atenção dos colegas, foram corrigidos com 19 cirurgias, pagas pelo plano de saúde dos pais. Como Vargas sabe que nem todos têm a sorte de contar com esse apoio, ajudou Vera a fundar a F.A.C.E.

Vera diz desembolsar R$ 5 mil por mês para manter a entidade que opera, atualmente, 80 pacientes por ano. Segundo ela, com mais verba, teria capacidade para ajudar o dobro de pessoas. Gente como a “menina monstro”, da Ilha do Frade, na Bahia. Com uma fissura enorme na face, ela era escondida num casebre da vila de pescadores e só sabia grunhir. Um turista, ao conhecer sua história, pagou a viagem, e Vera, o tratamento. A equipe teve, praticamente, de desmontar o crânio da garota para reconfigurá-lo novamente. O processo envolveu quase uma dezena de cirurgias. O resultado não poderia trazer mais satisfação a Vera. A menina, que vivia escondida em uma ilha na Bahia, incapaz de falar, hoje é psicóloga.



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