12/10/2014
Há 20 anos, em Pequim, o mundo concordou em melhorar os direitos das mulheres. Atualmente a igualdade de género ainda é uma luta mesmo no seio da União Europeia.
Em 1995, os países que compõem as Nações Unidas juntaram-se em Pequim e definiram 12 áreas fundamentais para o avanço dos direitos das mulheres em todo o mundo. Passados quase 20 anos, o Lóbi Europeu das Mulheres, que congrega mais de 2.000 associações de mulheres de vários países europeus, reuniu-se em Lisboa para apresentar o relatório “Das Palavras à Ação” (ou em inglês “From Words to Action”), avaliando o impacto da conferência de Pequim nos Estados-membros e pedindo à União Europeia que seja o “líder mundial da igualdade de género no mundo”.
O liceu Passos Manuel serviu esta sexta-feira de palco para a apresentação deste relatório, perante uma audiência repleta de mulheres (e poucos homens) vindas de vários pontos da Europa para a reunião anual do Lóbi Europeu das Mulheres (LEM), uma organização sediada em Bruxelas que luta junto das instituições europeias para promover a igualdade de género e os direitos das mulheres, e que este ano teve lugar na capital portuguesa. No dia em que se soube que o prémio Nobel da Paz tinha sido atribuído a Malala Yousafzai, o clima era animado entre as mais de 100 pessoas que iam enchendo o auditório da escola secundária portuguesa. A escolha da cidade para este evento, segundo Viviane Teitelbaum, presidente desta organização, disse ao Observador, deveu-se à necessidade de dar relevância à Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres – que integra a LEM.
“As mulheres são as primeiras vítimas das medidas de austeridade e isso tem um impacto direto não só nas suas vidas e das suas famílias, mas no futuro. Se as medidas têm de ser tomadas, têm de respeitar a igualdade, mesmo quando estamos confrontados com situações difíceis, como a que estamos a viver”, disse Viviane Teitelbaum
Algumas das mulheres que vieram até Lisboa este ano estiveram presentes na Conferência de Pequim e contribuíram para o relatório “Das Palavras à Ação” com testemunhas e recolha de dados nos seus países. O relatório apresenta conclusões sobre a evolução dos Estados-membros da UE nas 12 áreas em que há quase 20 anos governos de todo o mundo concordaram melhorar para as mulheres.
No tópico sobre o papel das mulheres no poder – um dos mais defendidos por esta organização em Bruxelas e onde foi acordado em Pequim dar uma maior igualdade às mulheres -, a LEM aponta que estas continuam “sub-representadas em posições de topo em todos os domínios”. Desde logo nos parlamentos nacionais – em junho de 2014, apenas 27% dos deputados dos países da UE eram mulheres -, mas especialmente no setor privado, onde há 4% de mulheres nos conselhos de administração das maiores empresas europeias. Esta organização pede há muito que uma diretiva sobre a obrigatoriedade de ter mulheres em altos cargos no setor privado avance, assim como a introdução nos tratados da igualdade de representação a nível do colégio de comissário da Comissão Europeia.
Ana Gomes, eurodeputada do PS, que também esteve presente no lançamento deste relatório disse que a questão da desigualdade se resume muitas vezes ao poder. “Precisamos de mulheres no poder, e não é só por causa do dinheiro. É sobre definirmos quais as prioridades para a nossa sociedade. Precisamos de mulheres para uma melhor governace na Europa”, afirmou. A eurodeputada lembrou ainda que a UE está na liderança dos direitos das mulheres no mundo, mas não esqueceu que após a Comissão Juncker, “Portugal se torna no único país europeu que nunca nomeou uma comissária”.
“Não somos só vítimas, que precisamos de ajuda, somos agentes de mudança”, lembrou Ana Gomes
Numa mensagem em vídeo, Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora do órgão das Nações Unidas para as mulheres, lembrou a “voz forte” que esta organização tem tido na promoção dos direitos das mulheres, não só na Europa, mas em todo o mundo.
As prioridades para o futuro
Reunido com os seus parceiros nos 28 Estados-membros em Lisboa entre 8 e 12 de outubro, o Lóbi Europeu das Mulheres define a sua estratégia de ação no próximo ano, assinalando não só a importância dos 20 anos de Pequim, mas também as suas prioridades. Viviane Teitelbaum reconhece que os direitos das mulheres evoluíram nas últimas duas décadas, mas diz que ainda há muito trabalho a fazer.
“Uma das nossas prioridades é fazer de 2016 o Ano Europeu Contra a Violência Contra as Mulheres e fazer aprovar uma diretiva sobre este tipo de violência, já que os Estados-membros têm entendimentos diferentes sobre estes crimes. Tem de se aplicar a todos os tipos de violência. Outra prioridade e combater o empobrecimento das mulheres europeias. E ainda voltar a colocar o tema dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na agenda. Temos receio porque o Parlamento Europeu está muito polarizado com partidos populistas e de extrema-direita, mas esperamos que isso não impeça a nossa ação”, enumerou a presidente da organização.
A violência contra as mulheres e a promoção desta agenda a nível europeu é também uma das prioridades do Governo português, segundo anunciou Teresa Morais, secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, na apresentação deste relatório. A governante partilhou com a audiência os avanços feitos em Portugal no que diz respeito a este tópico, nomeadamente o alargamento do crime de violência doméstica para relações onde as pessoas não vivem juntas, enumerando algumas das dificuldades que subsistem como o facto de haver muito poucas mulheres nos conselhos de administração das empresas do PSI 20.
Virginija Langbakk, presidente do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, disse que espera que o empenho do governo português se reflita também no fornecimento de dados sobre a violência de género no país, lembrando que no índice apresentado em 2013 sobre a igualdade em todos os países da UE, Portugal não forneceu dados sobre esta matéria. Segundo Langbakk, “as mulheres jovens e mais velhas” são as que estão mais em perigo na Europa devido ao desemprego e precariedade e aos sucessivos cortes nas pensões e desigualdade na atribuição das mesmas.
O Instituto Europeu para a Igualdade de Género vai ainda apresentar neste mês de outubro uma avaliação estatística sobre o impacto de Pequim na União Europeia, um documento que, segundo Marini di Nardo e Elena Falcomatà, dois representantes da presidência italiana do Conselho que estiveram esta sexta-feira em Lisboa, vai permitir “perceber quais são os desafios e quais foram os problemas na implementação destas políticas”.
Durante o próximo ano, o Lóbi Europeu das Mulheres vai dedicar a cada mês do ano uma área de ação de Pequim, fazendo por exemplo de abril o mês da saúde das mulheres, em Junho o mês das mulheres como factor de mudança ambiental e em agosto o mês para o desenvolvimento da criatividade as mulheres mais jovens.
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