29/09/2014
Por Ivan Longo
A temática LGBT no cinema brasileiro está em alta. Há pouco mais de uma semana, o longa de Daniel Ribeiro “Hoje eu quero voltar sozinho” foi escolhido pelo Ministério da Cultura para ser o indicado brasileiro ao Oscar. No último sábado (26), um filme brasileiro venceu a categoria de documentários de um festival LGBT de Portugal. Trata-se de “São Paulo em Hi-Fi”, de Lufe Steffen, que retrata a noite gay na capital paulista nas décadas de 60, 70 e 80.
“Mudou tudo (risadas)”, afirmou o diretor, quando perguntado sobre o que havia de diferente na noite LGBT dos anos 60 para cá. Em entrevista, Steffen falou sobre a importância da inserção da temática gay no cinema e também sobre os desafios da sociedade frente à tantas manifestações homofóbicas que ainda surgem, como a de Levy Fidelix no debate da Record, no último domingo (28).
Para Steffen, que é autor de inúmeras outras obras premiadas ligadas à temática gay como “A volta da Pauliceia Desvairada” (2012) ou “Fumaça em Formatos Bizarros” (2009), a inserção desse tipo tema é importante pois ajuda a quebrar preconceitos.
“Quanto mais as temáticas LGBT surgirem no cinema, na TV, na literatura, no teatro, mais avanços poderão ser alcançados no sentido de direitos para os LGBT”.
Confira a entrevista:
SPressoSP – Você já dirigiu curtas e obras ficcionais. Você acredita que venha tendo mais reconhecimento com os documentários? Por que?
Lufe Steffen - Sim, desde que comecei com os documentários (são 2 até agora), percebi que a repercussão ao meu trabalho aumentou. Talvez seja porque antes eu só tinha feito curtas de ficção, e os docs são longas, e longa acaba chamando mais atenção mesmo. Mas talvez seja porque são docs LGBTs, e o universo LGBT está muito na pauta do dia, todo mundo quer discutir isso, a gente tá vivendo um momento inédito de exposição do assunto. Então talvez eu tenha tido sorte de fazer 2 docs que chegaram na hora em que as pessoas queriam discutir isso. E aí a repercussão foi maior.
SPressoSP – O documentário retrata as noites gays em SP nas décadas de 60, 70 e 80. Como foi o processo todo de produção, as pesquisas, entrevistas? Descobriu muita coisa que não sabia?
Steffen - O processo durou menos de um ano, teve a fase de pesquisa, depois a fase de entrevistas, depois a montagem. Sim, descobri muita coisa que não sabia, afinal não vivi essa época, por ser de outra geração. Eu gostava de tudo isso, gostava do assunto, da época, mas não conhecia todos os detalhes dessa história.
SPressoSP – O que você pode falar que mudou em relação à “noite gay” e o que permanece o mesmo de lá para cá? Há muitas mudanças em relação ao que é retratado em “A volta da Pauliceia Desvairada”, por exemplo?
Steffen - Mudou tudo (risadas). Acho que nada permanece igual se formos comparar a noite gay das décadas de 60/70/80 com década de 2010. As mudanças foram em todas as áreas: mudou a moda, modos de se vestir, de se produzir, mudou o esquema de paquera, mudou a música, mudou o perfil das montadas, mudaram os lugares onde as boates existiam, a relação das pessoas com a noite, o sexo, as gírias, comportamento, enfim, tudo. E dá para dizer que o grande responsável pela revolução é a tecnologia, com celulares, internet, redes sociais. Isso mudou tudo mesmo. Acho que a única coisa que pode ser comum aos dois períodos é que a noite ainda é, para muitos integrantes da comunidade LGBT, um espaço onde eles podem se expressar e viver suas sexualidades e suas personas de forma relativamente livre.
SPressoSP – O que a premiação em Lisboa representa para o cinema nacional?
Steffen - Para o cinema nacional não sei. É claro que toda vez que um filme brasileiro recebe um prêmio fora do Brasil isso é um reconhecimento, um estímulo, e sempre é legal para qualquer filme e realizador. Mas não dá para depositar expectativas tão amplas num prêmio, no sentido de achar que o prêmio sozinho vai ajudar o cinema brasileiro. O cinema brasileiro precisa sim de prêmios, mas precisa principalmente de uma outra postura por parte dos governantes, do sistema de impostos para filmes estrangeiros, e da cadeia produção-distribuição-exibição. Isso é que precisa melhorar, ou mudar.
SPressoSP – Qual a importância da inserção da temática LGBT no cinema?
Steffen - Importância total. Quanto mais as temáticas LGBT surgirem no cinema, na TV, na literatura, no teatro, mais avanços poderão ser alcançados no sentido de direitos para os LGBT. Não adianta falarem que não precisa mais falar no assunto gay em filmes, em novelas. Claro que precisa. Enquanto houver um ser humano ( ? ) que diga determinados absurdos num debate na TV, continua sendo necessário dar visibilidade aos LGBT. Eu acredito que o cinema sempre teve e ainda tem poder para transformar a sociedade, mesmo que sutilmente, como qualquer arte. A arte aliás serve pra isso. Pra ver se dá um choque (no bom e/ou no mau sentido) nas pessoas.
SPressoSP – Como você enxerga esse cenário no Brasil hoje? Recentemente um filme de temática LGBT foi o indicado brasileiro ao Oscar. Há mais reconhecimento e espaço?
Steffen - Sim, o cinema brasileiro vem abrindo cada vez mais espaço para a questão LGBT. Esse processo já vem de 20 anos pra cá, se acelerou nos últimos 10 anos e nos últimos 5 ganhou um reforço incrível. Basta ver três longas de ficção recentes e marcantes que abordaram a questão gay – Tatuagem, Praia do Futuro e o Hoje Eu Quero Voltar Sozinho que você citou, que pode ser indicado ao Oscar. Então cada vez mais a questão gay se impõe no nosso cinema, isso é muito estimulante. Mas que a gente não se iluda, ainda há muita coisa para ser feita. Não só no cinema, claro, mas na vida, na política, no cotidiano de cada um.
SPressoSP – Em ano de eleições, a pauta LGBT volta a ser discutida com mais intensidade no espectro político. Queria que você comentasse o que representa um posicionamento homofóbico, como foi o de Levy Fidelix no debate de ontem. O cinema é um caminho para ajudar a desconstruir a homofobia?
Steffen - O caso desse candidato que falou essas coisas é, obviamente, assustador. Mas eu tenho esperança, não sei como rs, de que esse caso acabe ajudando as questões LGBT, porque foi tão absurdo o que ele falou, que está gerando uma reação de revolta em massa. Acho que isso (essa reação) é saudável. De repente tem gente (gay ou não) que não estava ligando pra necessidade de lutar pelos direitos LGBT, e com esse caso desse candidato a pessoa fica tão chocada que resolve se posicionar e sair da inércia. Então isso é bom. Mas de novo, claro que ainda existe muita coisa a ser feita. O cinema pode e deve, eu acho, ajudar sim a desconstruir essa homofobia, e todas as artes também podem, como eu já falei. Eu acho que tem muita gente tentando, na TV, nas novelas, no cinema, na literatura, no teatro. Tem muita gente empurrando esse muro da homofobia, e dá pra sentir que o muro tá rachado. Agora, pra derrubar tudo… vai demorar rs. Finalizo citando uma letra de música que eu acho que simboliza o povo brasileiro e simboliza também, porque não, essa luta:
“Mas é preciso ter força,
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria,
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha,
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
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