A infiltração de agentes na internet
Fábio Ramazzini Bechara
Fábio Ramazzini Bechara
10 de Maio de 2017
Entrou em vigor, no último dia 08/05, a Lei n. 13.441 que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente para admitir a possibilidade de infiltração de agentes de polícia na internet em investigações por crime contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.
Muito embora o Brasil ainda não tenha aderido à Convenção do Conselho da Europa sobre crimes cibernéticos, denominada Convenção de Budapeste, o fato é que a iniciativa legislativa em comento ajusta-se ao disposto no artigo 9º do tratado internacional.
A infiltração de agentes não é uma novidade no Direito brasileiro, já que já estava prevista na Lei n. 9.034/1995 (antiga Lei do Crime Organizado), posteriormente revogada pela Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas).
O recurso à infiltração policial nesses dois casos está limitado à natureza da infração penal. Como os crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente não necessariamente envolvem uma organização criminosa, a lei preenche um vácuo normativo.
Diferentemente da Lei das Organizações Criminosas, a Lei n. 13.441/2017 estabeleceu um elemento modal, ao delimitar o espaço dentro do qual é possível a infiltração – no caso, a internet, a rede mundial de computadores.
A nova lei observou o mesmo rigor procedimental da Lei n. 13.250/2013, ao exigir autorização judicial para a execução da medida, por requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial, com duração de até noventa dias, renovável por igual período, mas não podendo exceder setecentos e vinte dias, e a excepcionalidade da medida.
Duas definições importantes foram previstas expressamente na lei:
a) Dados de conexão, como sendo as informações referentes a hora, data, início, término, duração, endereço de Protocolo de Internet (IP) utilizado e terminal de origem da conexão;
b) Dados cadastrais, como sendo as informações referentes a nome e endereço de assinante ou de usuário registrado ou autenticado para a conexão a quem endereço de IP, identificação de usuário ou código de acesso tenha sido atribuído no momento da conexão.
O agente infiltrado necessariamente será um policial, nos termos da lei, e poderá utilizar uma identidade fictícia, por exemplo, por meio de um perfil. Contudo, tal circunstância deve constar formalmente da decisão judicial que autorizou a medida.
Age o policial nessas circunstâncias no estrito cumprimento do dever legal, razão pela qual não comete crime contra a fé pública. No mesmo sentido, na prática de eventuais crimes relacionados com a finalidade da investigação e que não caracterizem excesso, não poderá ser responsabilizado o agente infiltrado, pelas mesmas razões.
O agente infiltrado não é a fonte da prova dos eventuais crimes apurados, mas sim o meio que possibilita identificar os meios de prova, como, por exemplo, diálogos, fotos, dentre outros, colhidos durante o período de infiltração.
A segurança na operação, para o agente infiltrado, para a criança e o adolescente, e, principalmente, para o resultado da investigação, decorre, fundamentalmente, da transparência e do irrestrito cumprimento dos deveres estabelecidos pelo juiz em sua decisão.
Quanto mais diligente e criterioso o agente infiltrado, menor o potencial de risco para a efetividade e a validade dos atos de investigação e de prova.
A regulação da infiltração de agentes na internet pela Lei n. 13.441/2017 deixa evidente que o seu caráter intrusivo impõe certos limites e controles com vistas à instrução de uma investigação criminal, na medida em que o infiltrado se insere na esfera de intimidade e vida de outras pessoas. No mesmo sentido, deixa igualmente claro que a internet, embora um espaço virtual público, resguarda determinado círculo de reserva e proteção.
Fábio Ramazzini Bechara - Promotor de Justiça em São Paulo. Woodrow Wilson Center Global Fellow. Doutor em Direito pela USP. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Nenhum comentário:
Postar um comentário