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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Proteção à mulher tem desafios em Campinas

Publicado 25/09/2017
Por Letícia Guimarães

A estrutura de atendimento para a mulher que sofreu violência em Campinas é considerada insuficiente por especialistas. Entre as lacunas no sistema, são elencadas a falta de mais unidades de Delegacia da Mulher (DDM), inclusive unidades que funcionem 24 horas, mais centros de atendimento multidisciplinar e mais funcionários nos que já existem, além do aumento de vagas no abrigo de mulheres. A demora em obter medidas protetivas contra maridos e companheiros chegaria a até duas semanas — espera que deixa as vítimas sem proteção contra os agressores. Apesar de casos recentes e militantes na área confirmarem essa demora, Prefeitura e Defensoria Pública defendem que as decisões da Justiça saem dentro do prazo.


Para aumentar a gama de serviços oferecidos à mulher, a Prefeitura pretende criar o Centro de Referência e Atenção Integral à Mulher (Craim), que deverá atender não só as vítimas de violência. No local, segundo a diretora de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Mônica Macedo Nunes, serão realizadas pequenas cirurgias, exames, diagnósticos e haverá funcionários capacitados para identificar casos de violência, que serão encaminhados aos setores competentes, como Delegacia da Mulher ou Defensoria Pública.

Um dos casos em que a mulher sofreu nova agressão enquanto esperava pela medida protetiva é o de Maria (nome fictício), relatado pela inspetora da Guarda Municipal Ana Paula Rojo, que coordena programa Guarda Amigo da Mulher, serviço que monitora medidas a pedido das vítimas. Ana Paula conta que a mulher havia sido agredida pelo companheiro em abril deste ano, registrou ocorrência e solicitou a protetiva. Dentro de 48 horas, o homem voltou a procurar Maria, e a agrediu com um golpe de marreta na cabeça. Enquanto estava no hospital, no dia 7 de abril, ela recebeu a medida; no dia seguinte o mandado de prisão foi expedido, e em 9 de abril, o acusado foi detido pela GM.

Há situações em que, mesmo com a medida protetiva, a vítima acaba sofrendo violência, como foi o caso da farmacêutica T.A.S., de 32 anos, que foi esfaqueada pelo ex-namorado no dia 2 deste mês. Ela pediu pela proteção em março, que saiu em 15 dias. O agressor se reaproximou, mas ela decidiu pelo fim do relacionamento. Após esfaqueá-la, ele fugiu para Mongaguá, onde a família o internou em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos, mas por meio de denúncia anônima, a Polícia Civil localizou o acusado e o prendeu na semana passada.

A advogada Erica Zucatti da Silva, que atua como voluntária na entidade SOS Ação Mulher e Família, explica que a emissão de medidas protetivas deveria demorar, no máximo, cinco dias, ao invés de uma a duas semanas, como ocorre. “Quando a vítima pede a medida na delegacia, o delegado tem 48 horas para remeter a solicitação à Justiça, que por sua vez tem mais 48 horas para deferir ou não o pedido, mas enquanto a permissão não sai e a vítima e o agressor não são notificados, a mulher fica a mercê da violência.”

Se o risco de vida for extremo, a vítima pode ser encaminhada para a Casa Abrigo da Mulher SARA-M, opção oferecida ainda na delegacia, segundo Erica. “Se a mulher sentir que é necessário ir para o abrigo, até levando os filhos, a polícia a acompanha até sua casa para retirar seus pertences e a leva até o local, que é sigiloso.” Entretanto, Casa Abrigo da Mulher SARA-M conta com apenas 15 vagas o que, segundo Erica e a vereadora Mariana Conti (Psol), que preside a Comissão da Mulher na Câmara Municipal, é um número muito aquém da demanda.

A advogada diz que o atendimento da mulher vítima de violência em Campinas melhorou nos últimos anos, mas ainda não é totalmente eficaz. Na opinião dela, seria preciso ter, pelo menos, cinco Delegacias da Mulher para atender a demanda. Campinas tem duas.

“Em muitos casos de violência, a mulher não vai denunciar, seja pela dificuldade de acesso à delegacia, pela descrença no sistema ou pelo desencorajamento em prosseguir com a denúncia”, diz a vereadora. A falta de notificação, na opinião de Mariana, pode representar um dos motivos para a defasagem na estrutura de atendimento, já que as estatísticas dos crimes servem como base para a implantação de centros que prestem serviços para as vítimas.

Já para a coordenadora geral da SOS Ação Mulher e Família, Gislaine Rossetto, a rede disponível de atendimento é suficiente, mas precisa de mais investimentos financeiros. A entidade trabalha com o apoio e reforço de vínculos para a mulher, o homem e os filhos, quando há casos de direitos violados ou violência, fornecendo atendimento psicológico, social e jurídico.

Elza Fratini Montali, coordenadora da Coordenadoria da Mulher de Campinas também discorda das críticas, e afirma que no Centro de Referência de Apoio à Mulher Operosa (Ceamo) da Prefeitura, que também atende mulheres com consultoria jurídica e psicossocial, todas as vítimas que procuram o serviço são atendidas. Já a vereadora aponta a quantidade de funcionários do Ceamo como um problema. “Tem um psicólogo, um advogado e um assistente social, e isso, para uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes, é pouco”, afirma.

Sobre a demora na emissão de medidas protetivas, Elza diz que as mulheres que são atendidas no Ceamo contam que as medidas têm saído no prazo (quatro dias), ou até no mesmo dia, dependendo da gravidade do caso. Ana Rita Souza Prata, que é Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo, também ressalta que o prazo de emissão é respeitado.

À ESPERA
Criada em julho, a Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ainda não saiu do papel, mas segundo a vereadora Mariana Conti, há expectativa de que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) instale o órgão em Campinas ainda este ano. Segundo ela, a vara especial é prevista na Lei Maria da Penha, e uma das atribuições é acelerar a expedição de medidas protetivas e monitorá-las para que não sejam burladas.

COMO PEDIR
A Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo, Ana Rita Souza Prata, explica que se tiver ocorrido violência doméstica e familiar a mulher pode requerer medida protetiva. “Por essa leitura, entende-se que o boletim de ocorrência não seria necessário, contudo os juízes têm sido muito resistentes em conceder as medidas sem ele.” O pedido pode ser feito na Delegacia de Polícia Civil, Ministério Público e Defensoria Pública.

Como critérios para conceder a medida, a Justiça observa o relato dos fatos e as provas existentes. Nos casos em que a mulher consegue a medida, o agressor também é notificado sobre a decisão, que pode ser a suspensão do porte de arma dele, até o afastamento do lar e da vítima. Se descumprir, estão previstas advertência, multa e até prisão.

Projeto quer centro de saúde para ampliar rede de proteção
O projeto Centro de Referência e Atenção Integral à Mulher (Craim), que deverá atender mulheres como um todo, não só as vítimas de violência, é uma aposta da Prefeitura para melhorar a rede de proteção. Segundo a diretora de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Mônica Macedo Nunes, o projeto do prédio está em análise na Caixa Econômica Federal, já que parte da verba virá do Ministério da Saúde, e assim que houver liberação, começa o processo licitatório para a escolha da empresa que irá executar a obra ao lado do Hospital Mário Gatti.

O Craim, segundo a Prefeitura, terá 2,7 mil metros quadrados e a estimativa é que a obra custe R$ 6 milhões. A diretora explica que no local as mulheres atendidas terão encaminhamento, se necessário, para as áreas específicas, como Defensoria Pública, delegacia e assistência social. “Os funcionários serão capacitados para poder identificar casos de violência, mesmo se a vítima não relatar abertamente.” O local contará com serviços de pequenas cirurgias, diagnósticos, coleta de exames, além de ações de prevenção e promoção como, por exemplo, planejamento familiar. Segundo a Prefeitura, no local ainda haverá um espaço do Centro de Referência de Apoio à Mulher Operosa (Ceamo), para apoio psicossocial e jurídico às vítimas. Atualmente, a rede de atendimento à mulher que sofre violência ou violação de direitos é composta pelo Ceamo e pela ONG SOS Ação Mulher e Família, que prestam atendimento psicológico, social e jurídico, e a Casa Abrigo Sara-M. Há também os serviços de apoio, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que atua em casos de violência na família como um todo, além das duas unidades da Delegacia da Mulher, Defensoria Pública e o serviço Guarda Amigo da Mulher, que monitora medidas protetivas a pedido das vítimas. O Ceamo atende, em média, 130 mulheres por mês, e na SOS Ação Mulher e Família são atendidas 30 mulheres com suas famílias por mês, encaminhadas pelo Creas, de acordo com a coordenadora geral da entidade, Gislaine Rossetto. O abrigo Sara-M possui 15 vagas, e fica em local sigiloso para a segurança das vítimas e seus filhos, que também podem ser acolhidos. Já o Programa Guarda Amigo da Mulher começou com 25 mulheres assistidas em 2016, e hoje tem 46.

Em 2013, houve articulação para trazer para Campinas o projeto do governo federal chamado Casa da Mulher Brasileira, que integra no mesmo espaço serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres, desde acolhimento e triagem, delegacia, Juizado, Defensoria Pública, Ministério Público, central de transporte e alojamento.

Entretanto, a iniciativa está parada porque a prioridade do governo federal era instalar estas casas em 13 capitais do País.

Por enquanto, as capitais que já possuem o centro em operação são Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e Brasília, no Distrito Federal.

Segundo a Prefeitura, não há projetos no momento para trazer a Casa da Mulher Brasileira para Campinas.

Legislação é desconhecida da maioria
“Apesar de a Lei Maria da Penha já ter 11 anos de existência, as pessoas não conhecem o conteúdo, o que é necessário para poder buscar seus direitos”, explica a advogada Erica Zucatti da Silva. Ela presta serviço voluntário na instituição SOS Ação Mulher e Família como consultora jurídica, e auxilia mulheres a buscarem medidas protetivas, quando necessário, ou saber como proceder caso o agressor viole a regra. Para ajudar mulheres a compreender melhor a lei, integrantes do Coletivo Feminista Rosa Lilás, de Campinas, organizam um curso, iniciado em agosto, que aborda desde os tipos de violência sofridas pela mulher, como sexual, física, psicológica, moral (quando há calúnias, injúrias ou difamações) ou patrimonial (em casos que o agressor toma posse de bens e dinheiro da vítima), até detalhes da Lei Maria da Penha. A integrante do Coletivo, Diana Nascimento Moraes Novaes, conta que muitas mulheres não conhecem de fato a lei, e que por isso não percebem algumas situações em que seus direitos são negados. “Ter acesso à informação fortalece a mulher.” A iniciativa do curso foi divulgada pelas redes sociais, além de cartazes em escolas, universidades e postos de saúde da cidade, e segundo Diana, cerca de 70 mulheres se inscreveram. “Serão sete encontros quinzenais. Pretendemos realizar mais edições.”

Programa da GM acompanha casos de vítimas
O programa Guarda Amigo da Mulher, coordenado pela inspetora da Guarda Municipal Ana Paula Rojo, acompanha vítimas que tenham medida protetiva contra os agressores. Segundo ela, a procura pelo programa pode ser espontânea ou por meio de encaminhamento feito pelo Judiciário. “Mesmo quando há encaminhamento, nós entramos em contato com a vítima e explicamos sobre o programa, e se optar por não participar, ela não é obrigada.” O acompanhamento é feito com visitas na casa da vítima e no trabalho, sempre de maneira surpresa, para que o agressor não fique sabendo das datas. Nas visitas são coletadas informações sobre se o agressor tem rondado a casa da vítima, ou a escola dos filhos, por exemplo. No início do programa, em 2016, 26 vítimas estavam inseridas e, hoje, são 46 mulheres que têm o apoio da GCM.

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