Por Giulliana Bianconi*
08/10/2017
Uma das inúmeras caixas-pretas sobre violência contra a mulher foi aberta aqui mesmo, na Folha de S. Paulo, em reportagem de Cláudia Colluci. Os dados estampados na capa, sobre estupro coletivo, eram inéditos até aquele 21 de agosto. Revelavam uma incidência de 10 desses crimes por dia no Brasil e o dobro de registros nos últimos cinco anos. Mesmo que defasados – estima-se que apenas 10% dos casos de violência contra a mulher sejam registrados – os dados escancaram que o estupro coletivo está longe de ser um crime raro, eventual ou um delírio das mulheres que pedem por políticas mais efetivas de enfrentamento à violência.
Recentemente, parece que o Brasil descobriu que ejaculações em mulheres nos ônibus também são bem mais frequentes do que poderia parecer. Depois do caso que aconteceu na Av. Paulista e que repercutiu nacionalmente, outros muitos vieram à tona.
A pergunta que a gente que trabalha analisando dados relacionados a gênero se faz é: quantas manchetes com números imprescindíveis de serem conhecidos sobre a violência contra a mulher no Brasil não tivemos ainda porque os dados estão em bases dispersas?
Os números sobre estupros são dos mais acessíveis por serem mais óbvios nos registros, mas crimes como violência psicológica, cárcere privado e assédio sexual e moral ainda ficam pulverizados em registros de bancos que padecem da falta de uma metodologia comum na coleta. Muitas vezes esses crimes sequer são identificados no momento do atendimento.
Hoje, as bases relacionadas a violência são montadas a partir da coleta de informação feita nos espaços de atendimento às vítimas (hospitais, delegacias, canais de denúncia, tribunais de justiça), mas é cada órgão no seu quadrado, e muito dado administrativo espalhado, sem um sistema integrado, o que dificulta imensamente análises amplas de contexto. As estatísticas policiais nacionais, compiladas na base Sistema Nacional de Estatísticas em Segurança, nem chegam a ter recorte de gênero. Quando há esse enfoque, como nas bases do SUS, não há a determinação para perguntar sobre a orientação de gênero, o que invisibiliza quase que totalmente nos registros da saúde pública as violências cometidas contra transexuais.
Um sistema nacional de dados sobre a violência contra a mulher é, desde 2007, uma meta da Secretaria Política para Mulheres (SPM), órgão que desde que foi criado em 2003 deu uma sacudida na forma como se registra e se promove o acesso das mulheres vítimas de violência a serviços de apoio. Para dar suporte à Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que entre tantos avanços determinou a inclusão de estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra as mulheres nas bases de dados dos órgãos do Sistema de Justiça e Segurança, também foi criado, na SPM, o Ligue 180.
Esse canal de denúncia acumula balanços nacionais nada animadores. Entre 2014 e 2015, por exemplo, as denúncias de cárcere privado atingiam a variação de 325%, segundo levantamento que fizemos na revista Gênero e Número. Já de acordo com a própria SPM, entre 2015 e 2016 esse tipo de crime teve ainda um aumento de 54%, com média de 17 registros por dia. Muita gente arregala os olhos: cárcere privado?! Sim. São muitas mulheres violentadas privadas da liberdade. Mas quem são elas? A base do 180 indica o que o Mapa da Violência, que usou as bases do Ministério da Saúde, já nos dizia em 2015: as mulheres vítimas de violência são principalmente as mulheres negras. Em 2016, dos relatos de violência feitos no canal Ligue 180 que registraram a informação “cor” 60,53% tinham denunciantes negras.
Reunir as bases e integrá-las, permitindo à sociedade acessar todas as informações possíveis, deveria seguir sendo uma meta indispensável visando a construção de políticas públicas eficientes. O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos foi extinto, numa das primeiras Medidas Provisórias do governo Temer, e a Secretaria de Política para as Mulheres, até então subordinada a esse Ministério, passou a ser responsabilidade do Ministério da Justiça e Cidadania. À ocasião, assistimos ao anúncio do então Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de que havia um plano federal de combate à violência contra a mulher sendo desenhado. Previa como uma das principais ações instalações de câmeras de segurança e as “patrulhas Maria da Penha” (sim, carros de polícia) em regiões com alto índice de agressões domésticas.
As tais caixas-pretas seguem sendo abertas, viram manchetes nos jornais ou nos sites, invariavelmente. E nada se traduz em políticas ou avanços nos sistemas de proteção. Pelo contrário. Para além de rondas policiais, onde estão o Governo Temer, seu plano federal e as políticas pensadas a partir de dados integrados que poderiam estancar a violência e evitar a repetição de manchetes tão absurdas?
*Giulliana Bianconi é jornalista e codiretora da Gênero e Número, organização de mídia voltada ao debate de gênero.
a violência é uma coisa muito errada principalmente com mulheres e crianças. E a policia do Brasil não faz nada e isso desencoraja muitas mulheres.
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