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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

“Todxs por elas?”

Estamos no momento de parar e reavaliar


Carla Alzamora é diretora de planejamento da primeira agência brasileira a assinar carta de princípios da ONU Mulheres. Para ela, casos recentes de peças retiradas do ar após repercussão negativa deram alerta ao mercado.

Uma campanha de cerveja durante o Carnaval que usa em uma das peças a frase “Esqueci o ‘não’ em casa”, ignorando os muitos casos de assédio e violência às mulheres. Uma marca de esmaltes que enaltece os pequenos feitos dos homens, como “André fez o jantar”. Uma propaganda que usa a expressão “mimimi”, sinônimo de frescura, para se referir às cólicas durante o ciclo menstrual.

No último ano, exemplos como estes acabaram destacando as marcas pela repercussão negativa das campanhas, que foram modificadas ou retiradas, seguidos de retratações. Para a publicitária Carla Alzamora o bombardeio negativo da internet vem fazendo com que muitas marcas repensem anúncios antes vistos como inofensivos.


“As marcas estão tendo mais cuidado. É um momento de parar e reavaliar. Elas perceberam que isso não é um modismo, é um problema. Para resolver, precisa conhecer as causas”, diz a diretora de planejamento da Heads, agência brasileira que, em abril, se tornou a primeira da América Latina a assinar a carta de princípios da ONU Mulheres.

Entre os sete compromissos contidos no documento, estão itens como "promover a igualdade de gênero" e "promover políticas de empoderamento das mulheres". A publicitária reconhece que a parceria não torna automaticamente a agência um modelo para o mercado com relação à equidade entre os sexos, mas, afirma, estabelece um diálogo interno para tentar evitar as campanhas que retratam as mulheres em leituras estereotipadas, submissas e hiperssexualizadas.

“A gente evita ao máximo fazer [comerciais desfavoráveis à figura feminina], mas podem acontecer erros e desvios de rotas”, diz Carla. Ela cita como exemplo uma campanha do cliente  Positivo Informática, estrelada pelo funkeiro MC Guimê. “A estética do funk ostentação vem muito associada à objetificação da mulher. Focamos a comunicação nos atributos do produto e minimizamos a possibilidade de interpretação que estereotipasse a mulher.”

O trabalho conjunto, ela diz, envolve uma mudança de mentalidade que precisa envolver cliente, criadores e quem pensa a estratégia. “Fugimos do caminho que estereotipava a mulher. O contrário do ofensivo não é o chato. Sempre dá pra pensar de maneira diferente.”

No caso da Heads, agência brasileira com sede em Curitiba e filiais em São Paulo, Rio e Brasília, a mudança vem ocorrendo há alguns anos. Em 2009, a empresa participou de um encontro sobre raça e gênero, no Rio, para falar sobre o tema “Uma comunicação não discriminatória”. No ano passado, na comemoração dos seus 25 anos, recebeu o ex-secretário-geral da ONU, Koffi Annan, Nobel da Paz em 2011, que falou sobre o empoderamento feminino como ferramenta de desenvolvimento da sociedade.

Desde então, segundo a diretora de planejamento, a agência que tem entre seus clientes O Boticário, resolveu aprofundar-se no tema, firmando parcerias com sites como Think Eva e Papo de Homem e criando o projeto interno Todxs por Elas (o x é a maneira que grupos pela igualdade usam para uma comunicação sem privilegiar gêneros), liderado por ela.

A agência divulgou uma pesquisa inédita sobre a maneira como a publicidade brasileira retrata homens e mulheres. Durante uma semana de julho, foram analisados todos os comerciais veiculados nacionalmente na Globo e no canal a cabo Megapix (líder de audiência entre os adultos).

Entre os dados inéditos, o levantamento mostrou que 28 por centro das 2.823 peças analisadas estereotipam papéis masculinos e femininos. Destes, 55% focavam as mulheres –seja pelos papeis limitados, padrões de beleza e comportamento inatingíveis ou a conhecida objetificação de campanhas de cerveja que comparam o corpo feminino à bebida.

No outro lado do espectro estão os anúncios que empoderam os dois gêneros, que somaram apenas 12% dos avaliados. Deste total, 52%  eram protagonizados por personagens femininas, retratando mulheres em papéis não limitantes ou com liberdade de escolha.

Carla, que assistiu este ano à premiação no Glass Lion, nova categoria criada no Festival de Cannes que premia trabalhos voltados à igualdade de gêneros, admite que ainda não há, na publicidade brasileira, nenhuma campanha que tenha tido a repercussão de algumas das premiadas –entre as quais, nenhuma concorrente era nacional (clique para ver a lista de premiados).

“Ainda há um receios das marcas brasileiras e do mercado de trazer essa discussão a público. Estamos tímidos, com medo de tocar no assunto e ainda tem uma coisa do brasileiro de não querer falar de algo porque está na moda. Não, essa discussão precisa acontecer. Essas campanhas são extremamente importantes”, diz.

MACHISMO X FEMINISMO
Para tentar avançar no tema, a publicitária defende que não é preciso levantar bandeiras. “A visão que estamos trazendo para nossos clientes e outras pessoas que nos procuram é que não precisa levantar a bandeira do empoderamento feminino para empoderar. O empoderamento vem com o objetivo de dar uma visão mais equilibrada para os gêneros.”

Filha, sobrinha e prima de publicitários, a curitibana refuta o argumento de que nossa publicidade reflete um mercado ainda majoritariamente masculino, embora esta ainda seja a realidade dos departamentos de criação – mesmo na Heads, que tem 60% dos quadros preenchidos por mulheres.

“Um dos nossos aprendizados nesse processo é que nem o machismo é só dos homens, nem o feminismo só das mulheres. Feminismo e machismo não são opostos – o feminismo é mal interpretado nesse sentido. É preciso enfrentar o problema dos dois lados.”

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