Estamos no momento de parar e reavaliar
Carla
Alzamora é diretora de planejamento da primeira agência brasileira a assinar
carta de princípios da ONU Mulheres. Para ela, casos recentes de peças
retiradas do ar após repercussão negativa deram alerta ao mercado.
Uma
campanha de cerveja durante o Carnaval que usa em uma das peças a frase
“Esqueci o ‘não’ em casa”, ignorando os muitos casos de assédio e violência
às mulheres. Uma marca de esmaltes que enaltece os pequenos feitos dos
homens, como “André fez o jantar”. Uma propaganda que usa a expressão “mimimi”,
sinônimo de frescura, para se referir às cólicas durante o ciclo menstrual.
No último
ano, exemplos como estes acabaram destacando as marcas pela repercussão
negativa das campanhas, que foram modificadas ou retiradas, seguidos de retratações. Para a
publicitária Carla Alzamora o bombardeio negativo da internet
vem fazendo com que muitas marcas repensem anúncios antes vistos como
inofensivos.
“As marcas
estão tendo mais cuidado. É um momento de parar e reavaliar. Elas perceberam
que isso não é um modismo, é um problema. Para resolver, precisa conhecer
as causas”, diz a diretora de planejamento da Heads, agência brasileira que, em
abril, se tornou a primeira da América Latina a assinar a carta de princípios
da ONU Mulheres.
Entre os
sete compromissos contidos no documento, estão itens como "promover a
igualdade de gênero" e "promover políticas de empoderamento
das mulheres". A publicitária reconhece que a parceria não torna
automaticamente a agência um modelo para o mercado com relação à equidade entre
os sexos, mas, afirma, estabelece um diálogo interno para tentar evitar as
campanhas que retratam as mulheres em leituras estereotipadas, submissas
e hiperssexualizadas.
“A gente
evita ao máximo fazer [comerciais desfavoráveis à figura feminina], mas podem
acontecer erros e desvios de rotas”, diz Carla. Ela cita como exemplo uma
campanha do cliente Positivo Informática, estrelada pelo funkeiro MC
Guimê. “A estética do funk ostentação vem muito associada à objetificação
da mulher. Focamos a comunicação nos atributos do produto e minimizamos a
possibilidade de interpretação que estereotipasse a mulher.”
O trabalho
conjunto, ela diz, envolve uma mudança de mentalidade que precisa envolver
cliente, criadores e quem pensa a estratégia. “Fugimos do caminho que
estereotipava a mulher. O contrário do ofensivo não é o chato. Sempre dá pra
pensar de maneira diferente.”
No caso da
Heads, agência brasileira com sede em Curitiba e filiais em São Paulo, Rio e
Brasília, a mudança vem ocorrendo há alguns anos. Em 2009, a empresa participou
de um encontro sobre raça e gênero, no Rio, para falar sobre o tema
“Uma comunicação não discriminatória”. No ano passado, na comemoração dos seus
25 anos, recebeu o ex-secretário-geral da ONU, Koffi Annan, Nobel
da Paz em 2011, que falou sobre o empoderamento feminino como ferramenta de
desenvolvimento da sociedade.
Desde
então, segundo a diretora de planejamento, a agência que tem entre seus
clientes O Boticário, resolveu aprofundar-se no tema, firmando
parcerias com sites como Think Eva e Papo de Homem e criando o projeto
interno Todxs por Elas (o x é a maneira que grupos pela
igualdade usam para uma comunicação sem privilegiar gêneros), liderado por ela.
A agência
divulgou uma pesquisa inédita sobre a maneira como a publicidade brasileira
retrata homens e mulheres. Durante uma semana de julho, foram analisados todos
os comerciais veiculados nacionalmente na Globo e no canal a
cabo Megapix (líder de audiência entre os adultos).
Entre os
dados inéditos, o levantamento mostrou que 28 por centro das 2.823 peças
analisadas estereotipam papéis masculinos e femininos. Destes, 55% focavam as
mulheres –seja pelos papeis limitados, padrões de beleza e
comportamento inatingíveis ou a conhecida objetificação de campanhas de cerveja
que comparam o corpo feminino à bebida.
No outro
lado do espectro estão os anúncios que empoderam os dois gêneros, que somaram
apenas 12% dos avaliados. Deste total, 52% eram protagonizados por
personagens femininas, retratando mulheres em papéis não limitantes ou
com liberdade de escolha.
Carla, que
assistiu este ano à premiação no Glass Lion, nova categoria criada
no Festival de Cannes que premia trabalhos voltados à igualdade de gêneros,
admite que ainda não há, na publicidade brasileira, nenhuma campanha que tenha
tido a repercussão de algumas das premiadas –entre as quais, nenhuma
concorrente era nacional (clique para ver a lista de premiados).
“Ainda há
um receios das marcas brasileiras e do mercado de trazer essa
discussão a público. Estamos tímidos, com medo de tocar no assunto e ainda tem
uma coisa do brasileiro de não querer falar de algo porque está na moda. Não,
essa discussão precisa acontecer. Essas campanhas são extremamente importantes”,
diz.
MACHISMO X FEMINISMO
Para tentar avançar no tema, a publicitária defende
que não é preciso levantar bandeiras. “A visão que estamos trazendo
para nossos clientes e outras pessoas que nos procuram é que não precisa
levantar a bandeira do empoderamento feminino para empoderar. O
empoderamento vem com o objetivo de dar uma visão mais equilibrada para os
gêneros.”
Filha,
sobrinha e prima de publicitários, a curitibana refuta o argumento de que nossa
publicidade reflete um mercado ainda majoritariamente masculino,
embora esta ainda seja a realidade dos departamentos de criação – mesmo na
Heads, que tem 60% dos quadros preenchidos por mulheres.
“Um dos
nossos aprendizados nesse processo é que nem o machismo é só
dos homens, nem o feminismo só das mulheres. Feminismo e
machismo não são opostos – o feminismo é mal interpretado nesse sentido. É
preciso enfrentar o problema dos dois lados.”
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