As grandes personagens femininas estão em alta. Nos últimos anos são elas – e não apenas os super-heróis masculinos – que levam milhares de pessoas aos cinemas, livrarias e para a frente das telas de TV ou computador dentro de casa. Só para citar os sucessos de 2016 e 2017, na telona tivemos a hors-concoursMulher Maravilha, vivida por Gal Gadot, e a não princesa da Disney Moana. Nas superproduções para televisão do canal HBO, por exemplo, as mulheres tomaram a cena em Game of Thrones e Big Little Lies. E, na literatura, vivemos o que, nos Estados Unidos, foi chamado de Ferrante Fever (“febre Ferrante”, em português), termo cunhado graças ao fenômeno das vendas dos livros da autora italiana Elena Ferrante que narram histórias de mulheres em situações limítrofes. Só no Brasil, foram comercializadas mais de 50 mil cópias das obras dela. No mundo, esse número já passa de 4 milhões de exemplares.
Além de um diagnóstico sobre o tipo de conteúdo que entretém grandes públicos, o que isso nos diz sobre a realidade em que vivemos? Em seu ensaio A Verdade das Mentiras, o escritor peruano Mario Vargas Llosa afirma: “A ficção nos completa”. No texto, ele defende ainda que “Os homens não estão contentes com o seu destino”. Segundo o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, recorremos à ficção para aplacar a necessidade de ter uma vida diferente. Diz ele: “Ela é escrita e lida para que os seres humanos tenham as vidas que não se resignam a não ter. No embrião de todo romance ferve um inconformismo, pulsa um desejo insatisfeito”. No exercício de suas fantasias e fabulações, o ser humano inconformado e insatisfeito recria um outro universo que desafia, completa e se sobrepõe à realidade em que vive.
Uma pesquisa realizada por Molico, marca de produtos lácteos da Nestlé, em parceria com a antropóloga Mirian Goldenberg, comprovou com dados o que já podíamos deduzir apenas ao observar as produções artísticas. Depois de entrevistar mil pessoas espalhadas pelo território nacional, o levantamento concluiu que os brasileiros desejam, mesmo, um mundo repleto de valores que foram associados ao feminino. Para se ter uma ideia, seis em cada dez entrevistados afirmou que gostaria de viver em um ambiente mais honesto, e metade deles sente falta de felicidade e solidariedade. Infelizmente, porém, essa não é a realidade que encontramos no dia a dia. Segundo os participantes, prevalecem atualmente a violência, a agressividade, a competição e a desonestidade, entre outros atributos relacionados ao gênero masculino.
“Em sua essência, todos os valores são neutros, mas acabam atribuídos a mulheres ou a homens por razões culturais”, diz Mirian, que coordenou o estudo e é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “No Brasil, tudo que diz respeito à casa, ao cuidado e ao outro é considerado feminino, ao passo que os valores ligados ao trabalho e ao mundo exterior são tidos como masculinos.” A antropóloga faz questão de frisar ainda que nem todos os valores associados ao mundo dos homens são ruins. “Toda sociedade precisa, por exemplo, de alguma dose de agressividade e competição”, diz. E isso fica claro nas personagens da atualidade. Confira abaixo um perfil de algumas delas:
Mulher Maravilha
O longa inspirado nos quadrinhos conta a história de uma heroína que carrega o melhor do masculino e do feminino em uma só personagem. No filme, a atriz Gal Gadot encarna a amazona que deixa seu povoado para salvar a humanidade da guerra. Lança-se ao mar para cuidar de um náufrago, derrete-se ao ver um bebê no colo da mãe e, aguerrida, não mede esforços para cumprir seu objetivo e lutar como uma grande garota.
Moana
A animação narra a história de uma garotinha destemida que enfrenta o mar e seus perigos para salvar seu povo, mesmo contrariando os pais. O feminino está presente do começo ao fim – a começar pelas referências metafóricas, como a concha que atrai a garotinha para o mar, ou sua avó, que é também a anciã e a grande força-motriz da personagem. A heroína só atinge seu objetivo depois de curar o coração de uma grande monstra (isso mesmo, uma mulher de coração ferido) e trazer de volta a fertilidade para sua aldeia.
Game of Thrones
Desde as primeiras temporadas, a série baseada nos livros de George R. R. Martin já tinha grandes personagens femininas, como Catelyn Stark (Michelle Fairley) ou Cersei Lannister (Lena Headey). No entanto, elas foram ganhando mais força e espaço com o passar dos episódios. A sétima temporada foi só delas. Arya Stark (Maisie Williams) se tornou uma grande guerreira. Sua irmã, Sansa Stark (Sophie Turner), evoluiu do papel de moçoila casadoira para líder política. Isso sem falar em Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), a líder populista candidata número um ao Iron Throne (o trono do rei dos sete reinos), ou na própria Cersei, cada vez mais vilã.
Big Little Lies
A série protagonizada pelas amigas na vida real Reese Witherspoon e Nicole Kidman, além de Shailene Woodley, Laura Dern e Zöe Kravitz, vai fundo na alma feminina. Ambientada em uma pequena comunidade californiana, conta a história de mães de crianças em idade de alfabetização que entram em conflito depois que uma das meninas aparece mordida por um coleguinha. O episódio traz à tona o pior e o melhor de cada uma delas: casos de violência doméstica, paixão desmedida, assédio sexual contra mulheres, amizades novas e antigas, infidelidade, e, à medida que a trama avança, um senso de sororidade que brota e (alerta para spoiler!) as salva.
Série Napolitana
Os quatro romances que compõem a obra mais famosa da escritora italiana Elena Ferrante narram a saga das amigas Lenu e Lila. Nascidas em Nápoles no período pós-Segunda Guerra, as meninas vivem juntas, da infância à maturidade, uma jornada para lá de feminina: o amor pelas primeiras bonecas (e o sofrimento por perdê-las), o primeiro beijo, a menarca, a perda da virgindade, o casamento, a maternidade, o adultério, o divórcio, a velhice. Tudo isso marcado pela violência latente da comunidade italiana e, sobretudo, da máfia napolitana.
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