Conquista fundamental para o Estado Democrático de Direito, o Ministério Público começa 2018 alinhado com o que foi sonhado na Constituição Federal há três décadas: reunindo mais de 310 promotoras e procuradoras de todo o país, o Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público nasce para promover a igualdade de gênero por meio de ações eficazes e projetos inovadores para as mulheres na ativa e aposentadas do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, Ministério Público Federal e Ministério Público estadual, Ministério Público do Distrito Federal e Ministério Público de Contas.
No mesmo sentido, foi encaminhada pelo conselheiro Silvio Roberto Oliveira de Amorim Junior, do Conselho Nacional do Ministério Público, proposta à procuradora-geral da República, Raquel Dodge que, se aprovada, tornará obrigatória a promoção da igualdade de gênero institucional.
O objetivo também é que o Projeto Cenários, do CNMP, de 8 de março de 2018, levante dados sobre a atual situação das mulheres nos cargos de decisão e liderança do MP de todo o Brasil (em São Paulo, maior Ministério Público do país, nunca tivemos procuradora-geral, corregedora-geral, tampouco uma chefe de gabinete; no Paraná nunca houve corregedora- geral nem uma chefe de gabinete; em Mato Grosso do Sul, nunca tivemos uma chefe de gabinete).
Tais ações servirão de base para fomentar a igualdade de gênero daqui pra frente, pois, até então, sequer tínhamos esses dados. A inexistência de pesquisas e estatísticas oficiais de âmbito nacional constituem obstáculo para compreensão das dinâmicas de desigualdade de gênero e para a avaliação de políticas públicas. Nos propomos, assim, a responder questões que até hoje estão sem respostas: por que nós, mulheres, não participamos ativamente da política institucional? Quantas são as promotoras e procuradoras negras? E as portadoras de deficiência?
E mais. Queremos desmitificar afirmações como: “mulher não vota em mulher”; “são as mulheres que não querem participar”; “não existe mulher preparada para falar sobre esse tema”; “não importa se é homem ou mulher, o que importa é ter pessoas competentes”; “não participe desse movimento pois ele é político”.
Esses “mitos” postos como verdade absoluta nos impedem de avançar no tema e de ocupar espaços importantes da Instituição. É como se não conseguíssemos ultrapassar a cortina de fumaça que se criou em torno da questão: não nos unimos e sem união, não temos força para romper o “teto de vidro”. Pelo contrário, fortalecemos cada vez mais a estrutura dominante quando nos afastamos dela.
Uma pesquisa realizada pelas promotoras Maria Clara Costa Pinheiro de Azevedo (MP-MG), Daniela Campos de Abreu Serra (MP-MG), Hosana Regina Andrade de Freitas (MP-MG), Maria Carolina Silveira Beraldo (MP-MG), Monica Louise de Azevedo (MP-PR) e Ana Teresa Silva de Freitas (MP-MA) destacou dados de 2016: “somos 10.650 membros ministeriais, dos quais 6.303 (59%) são do sexo masculino e 4.347 (41%) são do sexo feminino”.
A informação está na tese Santo de Casa Não Faz Milagre?, aprovada por unanimidade no XXI Congresso Nacional do Ministério Público, e afirma que, “estatisticamente, o MP difere da população brasileira, pois, segundo dados do IBGE, as mulheres formam 51,6% do contingente populacional”. Importante ressaltar que das 4.347 mulheres, apenas 16% ocuparam cargos de liderança.
Assim como eu, muitas colegas já passaram por discriminação durante a carreira e no desempenho de suas funções, ainda que não revelem ou não identifiquem determinadas situações como preconceituosas e de desqualificação da mulher.
Me penitencio por não ter reagido antes. Sim, a violência institucional silencia e viola direitos. É preciso refletir sobre a falta de representatividade feminina, sobre o fato de que determinadas situações não são “piadinhas” ou “brincadeirinhas”, mas sim, micro-machismos, muitas vezes inconscientes e enraizados, que causam dados materiais e emocionais a muitas de nós.
Por isso estamos lado a lado: mais de 310 promotoras e procuradoras, do Oiápoque ao Chuí, se uniram em menos de 20 dias num Movimento Nacional de Mulheres do MP. E assim, faremos do MP do século XXI, a instituição protagonista do debate da equidade de gênero e raça nas carreiras jurídicas. Quem promove a justiça e luta pelo fim de todas as formas de violência contra as mulheres deve dar o exemplo e garantir, interna corporis, a igualdade material entre todos os membros do Ministério Público Brasileiro.
Entre tantos, nossos objetivos são de trazer para a carreira conceitos de gestão que desenvolva uma política institucional com oportunidades iguais para homens e mulheres, levando em consideração questões culturais e sociais que muitas vezes criam barreiras para as mulheres, por exemplo: promoções, movimentação na carreira e critérios de avaliação de meritocracia. Ademais, buscamos o desenvolvimento de uma gestão de mentoria de modo que as promotoras e procuradoras mais jovens e recém-ingressas na carreira, consigam conciliar vida pessoal e profissional sem se afastarem da vida institucional.
Queremos flexibilidade para participar de networking e de reuniões das quais, via de regra, não fazemos parte, por serem inconciliáveis com o nosso dia a dia. Basta dar uma “passeada” pelos sites institucionais: aproximadamente 90% das imagens de posses, congressos, cursos, palestras, reuniões, destaques e notícias são de homens. Essas imagens falam por si e nos faz perceber o quanto estamos afastadas da construção do nosso MP.
A sensação é de invisibilidade, silêncio e sub-representatividade. Cadê as Mulheres do MP? Qual MP queremos para nós e para as jovens estudantes que se formam e estudam anos a finco, sonhando com a tão almejada carreira de promotora de justiça?
Por isso que no dia 26 de maio nos encontraremos em São Paulo, para redigirmos o primeiro documento oficial com todas as nossas propostas. Será um momento histórico não apenas para nós mulheres do Ministério Público, mas para todo país, pois quando um órgão como o nosso abraça uma causa, é certo que todos os outros o seguirão.
Nosso movimento busca o fim das desigualdades nas instituições públicas. E temos força para isso: a criação do Comitê de Gênero e Raça do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Grupo Interinstitucional do Paraná, da Diretoria da Mulher da Associação Paulista do Ministério Público e da Associação Paranaense do Ministério Público, bem como a criação do Comitê de Gênero e Raça da Procuradoria-Geral da República, inclusive as ações do próprio CNMP, comprovam que as instituições têm que buscar um novo modelo para acompanhar uma das principais e demandas da sociedade contemporânea: a diversidade.
Tenho 15 anos de Ministério Público, pouco sei e pouco fiz. Mas há quem tenha o dobro de tempo de carreira, experiência e sabedoria infinitamente maiores que a minha: Ela Wiecko Wolkmer de Castilho, Sub-Procuradora Geral da República. Em entrevista para a Universidade Federal de Santa Catarina, resumiu a representatividade feminina no processo eleitoral do MP:
“Na escolha para a Procuradoria Geral da República, sempre prevaleceu o nome da pessoa mais votada. É uma prática que não é imposta pela lei, mas que é consensual, já que, em tese, qualquer pessoa que conste da lista tríplice pode ser escolhida. Então, quanto a isso, há outras considerações a serem feitas.
Eu sempre, não na última vez, mas nas outras, eu era a única mulher. Então, identifico, aqui, uma dificuldade pois, para você vencer essa barreira e se tornar a mais votada, é muito difícil, porque, se você olha dentro do Ministério Público Federal, é constante a percentagem do número de mulheres na faixa dos 30%, então, são os homens que, na realidade, votam e eles que definem o processo.
É perceptível algumas situações, por exemplo: os homens podem chegar tarde em casa, no final de semana vão jogar futebol e, com as mulheres, é diferente. Quando elas têm filhos não podem ficar até mais tarde. E é nessas rodas, na roda do chopp, na roda do futebol, na roda do uísque, que os arranjos de poder são estabelecidos.
Assim, as mulheres ficam alijadas desses momentos em que ocorrem as decisões…é muito importante ter cada vez mais mulheres nesses espaços de poder, políticos, representativos, no Congresso, nas instituições, nas empresas, em posições de poder, para que seja possível que, numa quantidade maior de mulheres, apareçam mais líderes e aquelas que se destaquem nos diversos campos.”
Este é o ano, este é o momento. Naturalmente, somos também inspiradas pelo fato de termos a primeira mulher como procuradora-geral da República, Raquel Dodge — que, em breve, se juntará a nós nessa jornada sem volta que é o exercício da cidadania das mulheres membros do Ministério Público brasileiro.
Afinal, representatividade importa, não para que uma mulher possa entender as “questões hormonais” de outras mulheres, como ouvi uma vez, mas sim para mostrar que podemos ter liberdade de escolha, no desenvolvimento do nosso potencial profissional, intelectual e político, em toda a sua plenitude.
Como afirmou Jessica Bennett, jornalista premiada e desde 2017 líder do New York Times: “Só tem uma coisa melhor do que uma mulher confiante: um exército delas”. Estamos nos unindo e assim permaneceremos nos ideais democráticos da Constituição Federal e da nossa Instituição. É preciso desconstruir o machismo e o patriarcado que afastam as mulheres do pleno exercício de seus direitos, inclusive nas instituições dos sistemas de Justiça. E quem não concordar, que atire a primeira pedra: nosso teto é de vidro e ele vai quebrar.
Maria Gabriela Prado Manssur é promotora de Justiça, membro do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do MP-SP; coordenadora da Diretoria da Mulher (APMP) e associada do Movimento do Ministério Público Democrático.
Nenhum comentário:
Postar um comentário