Nesta quinta-feira (8/3), celebraremos os dois anos da vigência da Lei 13.257/16, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância. A lei estabelece princípios e diretrizes de políticas públicas para as crianças de 0 a 6 anos, com foco nas áreas de educação, saúde e assistência social, e compromete o Estado, a sociedade e a família na atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida.
O assunto veio à tona com a decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus coletivo (HC 143.641) que determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães.
A relevância da decisão é inequívoca. Não obstante as críticas quanto ao impacto negativo sobre a criminalidade, não podemos negar que foi retirado um véu de invisibilidade que recaía sobre as crianças que vivem no sistema carcerário de nosso país, dentro e fora do ventre de suas mães. Também os filhos pequenos, alguns ainda na fase de amamentação, que tem rompido precocemente o vínculo com suas mães, presas em flagrante, sofrem drama oculto e desconhecido da maioria da população.
Mas qual a extensão dos danos causados pelo afastamento entre o filho e o adulto com quem o mesmo mantém forte vínculo de afeto?
O conhecimento referente à primeira infância ganhou importância com os estudos psicanalíticos, especialmente as pesquisas, nas décadas de 40 e 50 do século XX, referentes às experiências traumáticas vividas por crianças no pós-guerra. À época, tais estudos afirmavam que as ocorrências nos primeiros anos influenciavam muito a qualidade de vida das crianças, inclusive com efeitos na fase adulta. Mais recentemente, novas pesquisas na área da neurociência vêm comprovar que as experiências e emoções dos primeiros anos têm impacto sobre toda a vida, pois esculpem os caminhos do cérebro em desenvolvimento. Tão grande é a potência na assimilação de informações que, se mantivéssemos a capacidade cerebral dos bebês ao curso da vida, todos seríamos grandes gênios.
Outros estudos, na área da economia, sobre a importância do investimento na primeira infância ao longo do tempo, demonstram que, a cada dólar investido nessa etapa da vida, a sociedade recebe sete em retorno. Esse investimento pode colaborar para o aumento da escolaridade, empregabilidade, com impacto positivo na saúde pública e redução da criminalidade. Segundo o economista James Heckmann, “é na primeira infância que começa a grande divisão que faz com que a desigualdade se perpetue nas gerações posteriores”.
Para conquistarmos a igualdade de direitos e a justiça social tão sonhada, é preciso cuidar do início da vida. É preciso que a sociedade se aproprie desse conhecimento para cobrar ações governamentais de atenção a essa faixa etária. Afinal, se mudarmos o princípio da história, mudamos o seu curso e o seu fim.
Os investimentos na primeira infância são, portanto, a principal e mais profunda fonte de mudanças do cenário atual de injustiças e violência.
Raquel Santos Pereira Chrispino é juíza de Direito e membro da Comissão Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude do TJ-RJ.
Eliana Olinda Alves é psicóloga do TJ-RJ.
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