Carta Forense
03/07/2018 por Sami Storch
03/07/2018 por Sami Storch
A conciliação no âmbito judicial se encontra instituída na legislação brasileira há bastante tempo, é aplicada nas causas cíveis em geral e, com maior ênfase, naquelas relativas à vara de família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei nº 9.099/95; também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos evitando-se a instauração de uma ação penal.
Não obstante, ainda é alto o índice de rejudicialização (ajuizamento de novos processos entre as mesmas partes, quando o término do processo anterior - por meio consensual ou não - foi insuficiente para harmonizar o relacionamento entre as partes); também na área criminal e na de infância e juventude, são elevados os índices de reincidência e a reiteração de questões conflituosas envolvendo as mesmas pessoas, famílias e comunidades.
Não obstante, ainda é alto o índice de rejudicialização (ajuizamento de novos processos entre as mesmas partes, quando o término do processo anterior - por meio consensual ou não - foi insuficiente para harmonizar o relacionamento entre as partes); também na área criminal e na de infância e juventude, são elevados os índices de reincidência e a reiteração de questões conflituosas envolvendo as mesmas pessoas, famílias e comunidades.
Nesse cenário, e sem falar na sofrida demora de uma instrução processual, reconhece-se que o processo judicial tradicional não é suficiente para que o Judiciário cumpra sua missão de resolver as demandas que se lhe apresentam.
Impõem-se, então, outros métodos que ofereçam a possibilidade de tratamento dos conflitos de forma mais adequada. Hoje a legislação já admite e incentiva os chamados métodos adequados de solução de conflitos (MASCs), prevendo expressamente a mediação, a arbitragem e outros (art. 3º, §§ 2º e 3º), e o CNJ estabelece, como incumbência dos órgãos judiciários, oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, inclusive como forma de disseminar a cultura de pacificação social (Resolução nº 125/2010).
Além disso, a crise em que chegou a Justiça recentemente gerou, como efeito positivo, uma maior abertura para abordagens transdisciplinares, inovadoras e sistêmicas, desapegadas do legalismo estrito e das funções tradicionalmente reservadas ao magistrado. Nesse sentido, o CNJ editou aResolução Nº 225 de 31/05/2016, instituindo a Justiça Restaurativa, à qual cada vez mais juízes vêm se dedicando.
Nesse contexto é que os tribunais brasileiros vêm acolhendo e disseminando de forma exponencial as práticas de constelações familiares e de direito sistêmico, desde que as nossas primeiras experiências com palestras vivenciais, iniciadas na Bahia em outubro de 2012, começaram a mostrar impactos profundos e emocionantes, não só em relação às partes nos processos, mas também na postura e na vida de advogados, servidores e suas famílias.
Os resultados:
Na Vara de Família, as primeiras estatísticas mostraram soluções conciliatórias em índices superiores a 90% dos processos e as experiências mais recentes, outras comarcas pelo Brasil obtiveram resultados semelhantes.
Em casos de adolescentes envolvidos em atos infracionais, o índice de reincidência após um ano foi inferior a 15% - muito menor que o normalmente obtido com a mera aplicação de medidas socioeducativas tradicionais.
No aspecto qualitativo, os resultados são mais marcantes, quando vemos casos como o de um homem e uma mulher que, pelo conflito oriundo da separação do casal e após anos de litígios, geradores de 25 processos (incluindo ações de divórcio, guarda dos filhos, alimentos, execuções, denúncias criminais de fraude empresarial e de violência doméstica), participam de uma constelação e, poucos dias depois, realizam um acordo que põe fim a todos eles e agora se tratam como amigos; o caso de um homem, conhecido na cidade como baderneiro, frequentador da delegacia de polícia, réu em ação penal sob acusação de homicídio, que passa a frequentar as sessões de constelação no fórum e poucos meses depois deixa de perambular pelas ruas, começa a trabalhar e reaproxima-se da família; ou o de um adolescente acolhido numa instituição porque seus pais não puderam criá-lo e que, aos 17 anos sem ter encontrado uma família adotiva, envolvido com traficantes e tido como “caso perdido”, faz uma constelação e em seguida é acolhido numa família substituta, com sucesso, retomando os estudos e o bom convívio social.
As constelações familiares, criadas pelo alemão Bert Hellinger como uma abordagem terapêutica, hoje são reconhecidas como uma ciência dos relacionamentos humanos, utilizadas de diversas formas e em inúmeras áreas (como na educação, na assessoria empresarial, no marketing e na saúde). Através de seus muitos recursos, desde posturas, frases discretas e exercícios de visualização até a constelação propriamente dita (posicionamento de representantes das pessoas envolvidas em um conflito e de membros de suas famílias), as constelações permitem que venham à tona as dinâmicas ocultas que conduzem as pessoas a relacionamentos conflituosos e atos violentos, movidas pelos vínculos inconscientes com seus antepassados familiares.
Revelam-se, na constelação, as “ordens do amor” descobertas por Hellinger, que são leis sistêmicas que regem as relações e padrões inconscientes de comportamento. O conhecimento de tais leis sistêmicas nos conduz a uma nova visão a respeito da vida, do direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando soluções harmônicas e satisfatórias para todos os envolvidos - especialmente para os filhos, que então não mais estarão sujeitos ao mesmo “emaranhamento sistêmico” que determinou o padrão de conflito dos pais.
O conhecimento das ordens do amor permite a compreensão das dinâmicas dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das aparências, facilitando ao julgador e às partes em conflito adotarem, em cada caso, o posicionamento mais adequado à pacificação das relações envolvidas.
Essa abordagem pode ser utilizada como ferramenta de trabalho não apenas por juízes, mas também por mediadores, conciliadores, advogados, membros do Ministério Público e quaisquer profissionais cujo trabalho tenha como objetivo auxiliar as pessoas na solução de situações conflituosas. E o potencial disso fica evidente a partir do atual movimento de criação de Comissões de Direito Sistêmico, com grupos de estudo e prática, em inúmeras seccionais da OAB.
A constelação familiar é uma prática séria e profunda, que necessita de profissionais responsáveis e bem capacitados. O cuidado na seleção e capacitação dos profissionais é recomendável, como em qualquer profissão que lide com os relacionamentos e emoções humanas. Porém, os questionamentos e críticas se devem, principalmente, ao desconhecimento do que sejam as constelações, que não se confundem com psicoterapia ou religião.
Constelar um processo ou as partes não significa que estas tenham que expor qualquer intimidade, ou que o juiz vá se imiscuir em atividades próprias de um psicólogo. Pode-se fazer uma constelação sem uma única palavra, bem como tratar de temas delicados com constelação, em grupos, tocando em pontos sensíveis de várias pessoas sem falar de quem se trata e sem saber de qualquer detalhe relativo a fatos narrados nos autos.
Assim, achar que as constelações familiares se limitam a uma atividade profissional específica, semelhante a uma consultoria, sessão de coaching ou de terapia, demonstra desconhecimento da filosofia e da abordagem desenvolvida por Hellinger, e falar das constelações como se fossem uma mera técnica seria reduzir o seu significado e seu potencial.
Ao profissional dedicado ao direito sistêmico, fundamental é que se tenha internalizado em sua própria vida, alma e postura as ordens sistêmicas descobertas por Hellinger e que promovem a paz nos sistemas. É esta a alma do direito sistêmico.
É natural que alguns prefiram continuar com as mesmas tradicionais formas de operar o direito. É essa a postura mais conservadora e segura (principalmente para os próprios profissionais que resistem às adaptações e aprendizados que os novos tempos impõem). Estranho é esperar que das mesmas formas advenham resultados melhores que os já obtidos.
Aos que buscam sempre melhores práticas com vistas aos melhores resultados na resolução de conflitos, recomenda-se conhecer bem as constelações e o direito sistêmico.
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