Professor emérito da UNICAMP
Pesquisador sênior no Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp)
Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Aborto Inseguro da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO)
Entrevistado por Júlia Saraiva
Aluna do Curso de Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas / IFCH, da Universidade Estadual de Campinas / Unicamp
Voluntária da OSC SOS Ação Mulher e Família
05/07/2018
05/07/2018
1) A sua trajetória profissional se cruzou com a ONG SOS Ação Mulher e
Família. Como foi essa parceria?
Honestamente, não lembro de ter trabalhado com SOS Ação Mulher e Família,
mas posso estar errado e foi essa ONG a que enviava para o DGO da Unicamp
as mulheres estupradas que ficavam grávidas, para a interrupção legal da
gestação, nos anos de 1980. Naquela época era só o Chefe da Ginecologia,
Professor Eduardo Lane e eu que fazíamos as interrupções de gestação por
estupro.
2) Apesar da proibição do aborto no Brasil, ele ocorre com frequência na
ilegalidade. Em sua opinião, qual é a situação do aborto no nosso país
atualmente?
Como a frequência do aborto depende da capacidade da mulher de prevenir
a gravidez não desejada, e esta depende da informação e do acesso a
anticoncepção de alta eficácia, há uma lenta redução na taxa de aborto, na
medida em que há um também muito lento progresso nessa área. O mais notável é a
redução nas complicações graves do aborto clandestino, pelo acesso ao aborto
com medicamentos.
Infelizmente o Brasil é um dos poucos países no mundo em que o
misoprostol não se vende nas farmácias (por intervenção equivocada de grupos feministas
no inicio dos anos 90). Apesar disso, a um maior custo, as mulheres conseguem
misoprostol e se complicam muito menos que antes de 1990.
3) Qual é o perfil mais comum entre mulheres que passam por um aborto
não espontâneo?
Não tenho dados confiáveis como para responder essa pergunta. O que
sabemos é que há mais aborto quanto menor é a condição socioeconômica da
mulher, medida pelo nível de educação e pelos ingressos familiares.
A mulher com mais educação tem menos gravidezes não desejadas que as com
menor educação, mas quando engravida, aborta numa maior porcentagem, porque tem
meios para tanto.
4) Como o senhor observa o papel do companheiro da mulher que aborta
nesse processo?
Quando a mulher tem um parceiro estável, o habitual é que este parceiro
seja um grande apoio para a mulher na sua decisão de abortar, mas também
há o caso em que é o parceiro que impõe o aborto ou com menos frequência, que
se opõe a realizá-lo.
Na mulher sem parceiro estável, a frequente omissão ou sumiço do
parceiro que não assume, é uma causa frequente do aborto,
5) A gravidez na adolescência é um assunto tratado muitas vezes
superficialmente. Qual a sua perspectiva sobre o tema?
Enquanto não há uma política efetiva de educação em sexualidade
responsável de meninas e meninos desde a educação Elemental, junto
com facilidade de acesso a anticoncepção, com ênfase na camisinha por
proteger também contra doenças sexualmente transmissíveis, continuará havendo
muita gravidez na adolescência. Infelizmente o aborto é mais complicado nessa
idade, porque geralmente é mais tardio e de maior risco. Facilitar o
acesso ao aborto com medicamentos contribuiria muito para reduzir esse risco.
6) Quais medidas o senhor considera efetivas para a prevenção da
gravidez na adolescência?
Educação em sexualidade responsável ampla e sem
hipocrisias, que ensine a só ter sexo quando realmente se deseja e não por ser
igual aos outros ou por imposição do grupo, e a que não se aceite o sexo
sem proteção, acompanhado de serviços de saúde sexual e reprodutiva
amigáveis para adolescentes.
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