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domingo, 24 de novembro de 2019

Por que tão poucas mulheres ganharam prêmios Nobel de ciência?

  • Galileu
  • MARY K. FEENEY, PARA O THE CONVERSATION*
  • 19 NOV 2019
Todos os prêmios Nobel de ciência em 2019 foram concedidos a homens. É um retorno ao cenário tradicional depois que, em 2018, a engenheira bioquímica Frances Arnold ganhou o de química e Donna Strickland recebeu o prêmio de física.

Strickland foi somente a terceira física mulher a receber um Nobel, depois de Marie Curie, em 1903, e Maria Goeppert-Mayer, 60 anos depois. Quando perguntada sobre como se sentia, ela observou que no início foi surpreendente perceber que havia tão poucas mulheres entre as vencedoras do prêmio: “Mas, quer dizer, eu vivo em um mundo que principalmente composto por homens, então ver uma maioria masculina também não me surpreende.”
A raridade de ver mulheres laureadas com o Nobel levanta questões sobre a exclusão das mulheres da educação e de carreiras na ciência. Pesquisadoras avançaram muito ao longo do século passado, mas há evidências esmagadoras de que as mulheres permanecem sub-representadas nas áreas de STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
Estudos têm mostrado que aquelas que persistem nessas carreiras enfrentam barreiras explícitas e implícitas ao seu progresso. O preconceito é mais intenso em campos predominantemente masculinos, nos quais as mulheres carecem de  representação expressiva e são frequentemente vistas como ocupantes de um lugar simbólico ou marginal.
Quando as mulheres alcançam os mais altos níveis nos esportes, política, medicina e ciência, elas servem como exemplos para todos – especialmente para meninas e outras mulheres. Na medida em que as coisas melhoram em termos de igualdade de representação, o que ainda prejudica as mulheres no laboratório, em postos de liderança e em premiações?

Boas notícias no início do processo
Estereótipos tradicionais sustentam que as mulheres “não gostam de matemática” e “não são boas em ciências”. Tanto homens como mulheres relatam esses pontos de vista, embora já tenham sido contestados empiricamente por pesquisadores. Estudos mostram que meninas e mulheres evitam as áreas STEM não por causa da incapacidade cognitiva, mas pela exposição e experiência precoces com STEM, a política educacional, o contexto cultural, os estereótipos, e a falta de exposição a exemplos a seguir.
Nas últimas décadas, os esforços para melhorar a representação das mulheres nos campos de STEM se concentraram em combater esses estereótipos com reformas educacionais e programas individuais que podem aumentar o número de meninas que entram e permanecem no chamado processo STEM – o caminho dos ensinos fundamental e médio até a faculdade e treinamentos de pós-graduação.  
Essas abordagens estão funcionando. É cada vez mais provável que mulheres expressem interesse nas carreiras STEM e busquem cursos STEM na faculdade. As mulheres agora representam metade ou mais das profissionais de psicologia e ciências sociais, e estão cada vez mais representadas na força de trabalho científica, com exceção das ciências da computação e da matemática.
De acordo com o Instituto Americano de Física, as mulheres obtêm cerca de 20% dos diplomas de bacharel e 18% dos doutorados em física, um aumento em relação a 1975, quando as mulheres recebiam 10% dos diplomas de bacharel e 5% dos doutorados em física.
Mais mulheres estão se formando com doutorado em STEM e ganhando posições em corpo docente. Mas elas se deparam com penhascos e tetos de vidro à medida que avançam em suas carreiras acadêmicas.

O que não funciona para as mulheres
As mulheres enfrentam várias barreiras estruturais e institucionais nas carreiras acadêmicas em STEM. Além de questões relacionadas à disparidade salarial entre os gêneros, a estrutura da ciência acadêmica geralmente dificulta o progresso das mulheres no local de trabalho e o equilíbrio entre a carga de trabalho e a vida pessoal. A pesquisa científica pode exigir anos de tempo dedicado ao laboratório. A estrutura do processo para se conseguir a estabilidade na carreira acadêmica pode dificultar, se não tornar impossível, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e a capacidade de responder às obrigações familiares, ter filhos ou tirar licença familiar.
Para completar, trabalhar em locais dominados por homens pode fazer as mulheres se sentirem isoladas, percebidas como ocupando um lugar simbólico e suscetíveis ao assédio. As mulheres com frequência são excluídas das oportunidades de networking e de eventos sociais, fazendo com que se sintam fora da cultura do laboratório e do departamento acadêmico. 
Com menos colegas mulheres, elas têm menor probabilidade de construir relacionamentos com colaboradoras e apoiar e aconselhar redes. Esse isolamento pode ser exacerbado quando as mulheres não podem participar de eventos do trabalho ou comparecer a conferências por causa de compromissos familiares ou de cuidado com os filhos, e a falta de possibilidade de usar fundos de pesquisa para reembolsar gastos com o cuidados das crianças.
Universidades, associações profissionais e financiadores federais têm trabalhado para resolver várias dessas barreiras estruturais. Os esforços incluem a criação de políticas voltadas para a família, o aumento da transparência nos relatórios salariais, a proteção do tempo de pesquisa para mulheres cientistas e a seleção de mulheres para contratação, apoio à pesquisa e promoção. Esses programas têm apresentado resultados variados.
Por exemplo, pesquisas indicam que políticas que contemplam a família, como licenças-maternidade e cuidado para os filhos no local de trabalho, podem exacerbar a desigualdade de gênero, resultando em maior produtividade na pesquisa para homens e em mais compromissos relacionados a serviços e ensino para mulheres.

Vieses implícitos sobre quem faz ciência
Todos nós — o público em geral, a mídia, funcionários de universidades, estudantes e professores — temos ideias sobre como um cientista e um ganhador do Prêmio Nobel devem parecer. Essa imagem é predominantemente masculina, branca e mais velha — o que faz sentido uma vez que 97% dos ganhadores do Prêmio Nobel de Ciências foram homens.
Esse é um exemplo de um viés implícito: uma das suposições inconscientes, involuntárias, naturais e inevitáveis ​​que todos nós — homens e mulheres — formamos sobre o mundo. As pessoas tomam decisões com base em suposições subconscientes, preferências e estereótipos — às vezes até quando essas decisões são contrárias às suas crenças explícitas.
O viés implícito pode agir contra a contratação, progresso e reconhecimento do trabalho das mulheres. Por exemplo, as mulheres que procuram empregos acadêmicos têm maior probabilidade de serem vistas e julgadas com base em informações pessoais e aparência física. As cartas de recomendação para mulheres têm mais chance de suscitar dúvidas e usar linguagem que tenha efeitos negativos em suas carreiras.
Isso pode afetar a capacidade das mulheres de publicar descobertas de pesquisa e obter reconhecimento pelo trabalho. Os homens citam seus próprios estudos 56% mais do que as mulheres. Conhecido como "Efeito Matilda", existe uma lacuna de gênero em reconhecimento, premiações e citações.
É menos provável que as pesquisas de mulheres sejam citadas por outros, e suas ideias têm maior probabilidade de serem atribuídas a homens. Pesquisas de autoria individual de mulheres levam o dobro do tempo para passar pelo processo de revisão. As mulheres estão sub-representadas nas editorias de revistas acadêmicas, e como acadêmicas seniores e autoras principais e revisoras de seus pares. Essa marginalização em posições-chave trabalha contra a promoção da pesquisa feminina.
Quando uma mulher se torna uma cientista de renome global, o viés implícito trabalha contra as chances de ela receber convites para ser palestrante principal ou convidada com o objetivo de compartilhar as descobertas de sua pesquisa, diminuindo assim sua visibilidade na área e a probabilidade de ser indicada para prêmios. Esse desequilíbrio de gênero é perceptível na frequência com que mulheres especialistas são citadas em notícias sobre a maioria dos tópicos.
Mulheres cientistas não recebem o respeito e o reconhecimento que deveriam vir com suas realizações tanto quanto os homens. Pesquisas mostram que quando as pessoas falam sobre cientistas e especialistas do sexo masculino, é mais provável que usem seus sobrenomes e se refiram a mulheres pelo primeiro nome.
Por que isso importa? Porque experimentos mostram que indivíduos referidos por seus sobrenomes têm maior probabilidade de serem vistos como famosos e eminentes. De fato, um estudo descobriu que chamar cientistas pelo sobrenome levou as pessoas a considerá-las 14% mais merecedoras de um prêmio de carreira da National Science Foundation.
A predominância masculina marca a história da ciência. A esperança é que, ao falar sobre o viés estrutural e implícito no STEM, outra espera de meio século até que a próxima mulher seja reconhecida com um Prêmio Nobel por sua contribuição à física possa ser evitada. Aguardo ansiosa pelo dia em que uma mulher que receba o prêmio mais prestigioso da ciência seja noticiada apenas por sua ciência e não por seu gênero.
Mary K. Feeney é professora de Ética em Assuntos Públicos e Diretora Associada do Centro de Estudos em Ciência, Tecnologia e Política Ambiental na Universidade do Estado do Arizona para o The Conversation

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