Ativista pela preservação ambiental, Barbara Veiga passou sete anos nos mares para dar voz aos que não podem se defender sozinhos. E fala sobre como podemos fazer a nossa parte
Ela não sabe dizer exatamente quando tudo começou. Talvez porque as duas nasceram ao mesmo tempo: Barbara Veiga e a vontade de defender o meio ambiente. A fotografia de uma baleia azul na parede do quarto foi, ainda na infância, o prenúncio do que viria a ser uma das suas principais lutas: salvar baleias da caça comercial. “Como será a vida no mar?”, pensava ao olhar o animal.
Durante a adolescência, organizava encontros com os amigos para recolher resíduos das praias e trilhas do Rio de Janeiro. Aos 21 anos, foi convidada pelo Greenpeace, uma organização não governamental, para embarcar no Arctic Sunrise em uma viagem a Santarém, no Pará, com o objetivo de denunciar os crimes ambientais cometidos por empresas locais e suas consequências na Floresta Amazônica. “Quando pisei no navio, me senti em casa”, conta.
De lá para cá, navegou por muitas águas. Oriente Médio, Ásia, África, Europa: lugar algum ficou de fora. Ficou presa no Caribe, apanhou no Brasil, foi abordada por piratas na Somália, enfrentou tempestades na Antártida que pareciam não ter fim. Trabalhou para a ONG Sea Shepherd e também de forma autônoma, com uma embarcação própria. Agora, de volta a São Paulo, acaba de reunir relatos de suas expedições no livro Sete Anos em Sete Mares (Seoman).
Nessa conversa, Barbara divide seus aprendizados, sua visão sobre o trabalho coletivo e de que forma podemos contribuir com a preservação da nossa casa maior, a natureza, com pequenas ações diárias.
Mesmo tão nova, você optou por abandonar certa estabilidade para sair em defesa do meio ambiente. Como foi lidar com o desconhecido?
Eu fui para o mar com 21 anos. Era uma garota com uma vontade imensa de transformar o mundo, mas ingênua. Não tinha noção das diversas complexidades dessa transformação. Na minha primeira missão embarcada, eu estava completamente apaixonada. Ao longo do tempo, fui vendo como era difícil impedir que grupos minoritários, como as baleias, fossem desrespeitados e maltratados. Entendi que não dependia só da minha vontade e da dos outros ativistas. Estávamos lidando com grandes corporações, com diversos interesses. Mesmo assim, eu nunca desisti. Não olhei para a dificuldade como um impeditivo, mas como uma mola propulsora. Os obstáculos seriam maiores do que pensávamos? Ótimo, precisávamos unir mais forças. Isso me mostrou a importância do coletivo. Eu vim pro mundo com essa missão, é onde eu me sinto confortável, apesar de não ser um lugar confortável. Encontrei o espaço em que me conecto comigo mesma.
E quais foram as principais transformações que sofreu nesse processo?
Durante o tempo que fiquei embarcada, a minha relação com o tempo mudou bastante. Acho que essa foi a mudança mais perceptível. No mar, o tempo não é o mesmo que na terra firme. De repente, você lida com uma mudança de clima que coloca sua vida em risco, ou recebe uma chamada da marinha para salvar três pessoas que estão em um barco prestes a afundar por conta da tempestade. A gente passa a entender que estar vivo é um presente. Outro ponto importante é o relacionamento com as pessoas. Você não tem para onde fugir, entende? Se eu tenho um desentendimento com alguém, eu posso pegar meu carro e ir embora, sair de cena. No oceano, isso não é possível. Você tem que resolver ali, na hora, até para não prejudicar a convivência da tripulação. Há também a ausência de pessoas queridas, que faz com que valorizemos as relações de modo muito mais intenso. Tudo isso me possibilitou olhar de um jeito mais maduro e sereno para a vida. Nós não temos o controle de tudo, mas, daquilo que temos, podemos exercê-lo para o bem, como não ficar criando indisposições desnecessárias. Precisamos uns dos outros.
Recentemente, você lançou um novo projeto, o Liga Das Mulheres Pelos Oceanos. Do que ele trata?
Eu sempre conversei com minhas colegas de profissão sobre a importância de dar continuidade ao que a gente acredita. Além de nos engajarmos em causas relacionadas ao consumo consciente, estávamos discutindo como poderíamos juntar a força e o conhecimento das mulheres. União, isso que queríamos. Um dia, estava trocando ideias com minhas duas parceiras, a Paulina [Chamorro, jornalista] e a Leandra [Gonçalves, bióloga], e, três semanas antes do Dia Internacional da Mulher, nós decidimos fazer alguma coisa. Fomos movidas pela vontade de continuar trabalhando com os oceanos, mas de uma forma mais profunda, e, dessa vez, pensando e unindo forças com o coletivo. Esperamos que, com a união da sabedoria de mulheres de várias áreas, nós possamos dar mais visibilidade ao oceano e às vidas que nele habitam. Esse é o nosso compromisso com o mundo.
Como trazer essa consciência acerca de algo que parece tão distante para os nossos dias?
Há ativistas que, ao falarem em preservação ambiental, travam uma batalha contra o consumo. Acontece que nós precisamos consumir. É impossível viver sem ir ao mercado, à farmácia. A questão é entender que é possível fazer escolhas mais inteligentes, que estejam em harmonia com o todo. Precisamos analisar quais são as possibilidades existentes no lugar em que moramos, na situação em que vivemos. Procurar consumir localmente, comprar de quem faz, apoiar os pequenos produtores. Não tem fórmula certa. Cada pessoa tem um padrão de vida, e nem todo mundo tem a possibilidade de plantar em casa ou comprar só orgânicos. Mas, à medida que a gente busca, pesquisa, comunica, abrem-se novos caminhos. O essencial é pensar: como eu posso ter atitudes mais conscientes, apoiar minha comunidade e lutar para que esse consumo sustentável seja parte da vida de todos? A gente precisa olhar verdadeiramente para o outro.
E você voltará a fazer expedições nos oceanos?
Agora, eu estou focada em outros projetos. Pode ser que volte para o mar, não sei. Eu acredito muito que podemos fazer coisas grandiosas dando o primeiro passo onde quer que estejamos. Publicar um livro, por exemplo, era um sonho antigo. E a parte que eu mais estou gostando é a das trocas. São nesses encontros de divulgação do meu trabalho que a esperança brota e as ações nascem. Eu sou movida por isso. O que começou com uma menina, aos 14 anos, limpando as areias cariocas não vai acabar. Não importa onde eu esteja, o que vale mesmo é a vontade, o chamado. Juntos, podemos fazer acontecer. E vamos.
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Bárbara Veiga
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