Quando a afegã Nargis Taraki nasceu, familiares tentaram convencer seus pais a trocar a menina — caçula de outras quatro irmãs — por um bebê do sexo masculino.
Com 22 anos, Nargis tem como missão de vida provar aos pais (e ao mundo) que eles tomaram a decisão correta em ficar com ela.
A jovem hoje é ativista pela educação e empoderamento femininos em seu país e foi incluída pela BBC na edição de 2018 da lista 100 Women, que mostra a trajetória de mulheres influentes e inspiradoras.
A jovem hoje é ativista pela educação e empoderamento femininos em seu país e foi incluída pela BBC na edição de 2018 da lista 100 Women, que mostra a trajetória de mulheres influentes e inspiradoras.
A seguir, ela conta sua história:
"Em 1997, cheguei ao mundo como a quinta filha dos meus pais.
Minha tia e outros parentes imediatamente começaram a pressionar a minha mãe a aceitar que meu pai pegasse uma segunda esposa, algo que é comum no Afeganistão — acredita-se que uma nova esposa se traduz em uma nova chance de ter um filho homem.
Quando minha mãe recusou, veio a sugestão de que meu pai me trocasse por um bebê menino. Chegaram até a encontrar uma família na aldeia que estava disposta a abrir mão de seu menino e ficar comigo.
Trocar crianças não é algo que seja parte da nossa cultura, e eu nunca ouvi falar de nada parecido, mas meninos são mais valorizados na sociedade afegã como tradicionais provedores da família.
As pessoas diziam deliberadamente coisas para chatear a minha mãe e fazê-la sentir-se inferior por não ter um filho homem.
Apesar da recusa dela em abrir mão de mim, alguns anciãos locais ainda abordavam o meu pai com essa sugestão. Mas ele tinha uma mentalidade completamente diferente, dizia a todos que me amava e que um dia provaria que uma filha é capaz de conquistar tudo o que um filho é capaz.
Não foi uma época fácil para o meu pai. Ele havia servido ao Exército durante o regime apoiado pelos soviéticos, e meu distrito natal era então controlado por grupos fundamentalistas religiosos.
Por isso, algumas pessoas na aldeia detestavam o meu pai e não socializavam conosco.
Meu pai, porém, acreditava no que dizia e mantinha sua palavra. E foi o homem que teve o impacto mais positivo na formação do meu caráter.
Fugir de casa
As coisas pioraram para nós depois que os militantes do Talebã tomaram o controle do nosso distrito. Em 1998, meu pai teve de fugir para o Paquistão, e pouco depois fomos ao seu encontro.
A vida por lá não era fácil, mas ele conseguiu um emprego como gerente de uma fábrica de sapatos. Talvez a melhor coisa que tenha acontecido aos meus pais enquanto estavam no Paquistão é que finalmente tiveram um filho homem, e depois mais uma menina.
Em 2001, nossa família mudou-se para Cabul, de volta ao Afeganistão, depois que o regime do Talebã foi derrubado. Não tínhamos casa própria e fomos morar com meus tios. Minhas irmãs e eu conseguimos continuar a frequentar a escola, apesar do conservadorismo na nossa cultura.
Depois, cursei Políticas Públicas e Administração na Universidade de Cabul e me formei há três anos, com as notas mais altas da classe naquele ano. Durante todo esse período, meu pai nunca deixou de me apoiar.
Alguns anos atrás, fui assistir a uma partida de críquete em Cabul com a minha irmã. Não havia muitas mulheres no estádio, e fotos e vídeos nossos passaram a circular nas redes sociais.
As pessoas nos criticavam e deixavam comentários negativos (nos vídeos), dizendo que éramos sem-vergonha por estar em um estádio entre homens. Outros disseram que estávamos tentando disseminar o adultério ou que estávamos sendo pagas pelos americanos.
Quando meu pai viu alguns desses comentários no Facebook, olhou para mim e disse: 'Minha querida, você fez a coisa certa. Fico feliz que tenha irritado alguns desses idiotas. A vida é curta. Aproveite-a o quanto puder'.
Meu pai morreu de câncer no início deste ano. Perdi o apoio constante que fez de mim a pessoa que sou hoje, [mas] sei que ele sempre estará comigo.
Três anos atrás, tentei abrir uma escola para garotas na minha aldeia natal, em Ghazni. Falei com meu pai a respeito e ele achou que seria quase impossível, por causa das barreiras culturais.
Até mesmo meninos têm dificuldade (em estudar) por causa da situação de segurança (confrontos e atentados do Talebã ainda são constantes nessa província). Ele sugeriu dar à escola o nome de uma madrassa (escola religiosa), o que talvez facilitasse o processo.
No fim das contas, não pude viajar à minha aldeia porque era simplesmente perigoso demais. Eu e uma de minhas irmãs ainda esperamos conquistar esse objetivo algum dia.
Por enquanto, sou voluntária há vários anos de ONGs que defendem a educação, a saúde e o empoderamento feminino.
Também faço palestras sobre o direito das meninas de frequentar escolas e universidades e de trabalhar.
Sempre sonhei em estudar na Universidade de Oxford. Quando vejo rankings internacionais de universidades, Oxford está sempre em primeiro ou em segundo, e quando comparo-a com a Universidade de Cabul, me dá um pouco de tristeza — o que não significa que não seja grata de ter podido estudar lá.
Amo ler no meu tempo livre — uma média de dois a três livros por semana —, e Paulo Coelho é o meu autor favorito.
Quanto à possibilidade de me casar, quero escolher alguém que tenha as mesmas qualidades que o meu pai. Gostaria de passar o resto da minha vida com alguém que tenha uma atitude similar à dele — que apoie a mim e a minhas escolhas.
Família também é importante. Às vezes você se casa com o melhor homem do mundo, mas não se adapta à família dele. Essa família terá de me apoiar no que eu quiser fazer da vida. Se eles resistirem, vou tentar mudar a mentalidade deles. Acredito no que eu quero alcançar na vida, e não vou abrir mão disso."
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