Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2020
O Conselho Nacional de Justiça aprovou nota técnica contrária ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 369/2016, que trata sobre a adoção direta de crianças. A conclusão corroborada por todos os conselheiros é de que o projeto agride o princípio do superior interesse da criança e do adolescente e subverte o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e a lógica do serviço de acolhimento familiar. As consequências incluem desrespeito à ordem de habilitação de pretendentes à adoção e maiores dificuldades para coibir a venda de crianças.
Pela proposta que tramita no Senado, a adoção direta, ou adoção intuitu personae, torna-se legal quando os pais biológicos, ainda na gravidez ou após o parto, indicam “mediante a comprovação de prévio conhecimento, convívio ou amizade entre adotantes e a família natural” quem receberá a guarda da criança. Para as que tiverem mais de dois anos de idade, o projeto prevê a comprovação de vínculo afetivo entre a criança e adotante. A proposta já foi aprovada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) da casa legislativa federal.
A relatora da nota técnica, conselheira Flávia Pessoa, avalia que o PLS 369/2016 pode colocar em risco o SNA. Fruto da união do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), em funcionamento desde 2009, com o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), o SNA permite uma visão geral do processo da criança e adolescente desde sua entrada no sistema de proteção e acolhimento até a sua saída, quer seja pela adoção, quer seja pela reintegração familiar. O sistema também estabelece uma lista das pessoas aptas a adotar, ordenada cronologicamente, mediante prévia habilitação para ingresso no sistema.
Para a conselheira, o projeto do Senado não trata sobre o principal gargalo da adoção no Brasil que é o de crianças com mais de oito anos e adolescentes, grupos de irmãos e aqueles que apresentam problemas de saúde. “São esses que aguardam, sem sucesso, a colocação em família substituta, porque não se enquadram no perfil escolhido pela esmagadora maioria dos habilitados para adoção”, informa em voto. Além disso, a nota técnica menciona os casos notórios de venda de crianças, situação que poderá ser “regularizada” com a presença de genitores e adotantes em juízo, para comprovação de amizade e convívio.
Em março, o CNJ lançou painel online do SNA, com estatísticas sobre o número de acolhidos pelo Estado. Os adolescentes compõem a maior parte: ao todo, são 9,4 mil com mais de 15 anos de idade. Destes, um terço está acolhido há mais de três anos e não têm irmãos nas mesmas condições. Em 3% dos casos, há diagnóstico de deficiência intelectual e, em 4%, há presença de problemas de saúde.
Quanto à lista de pretendentes à adoção, há cerca de 36,7 mil pretendentes habilitados e disponíveis para a adoção. A maior parte encontra-se nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A fila é mais demorada porque, das crianças disponíveis, 83% tem acima de 10 anos, contudo, apenas 2,7% dos pretendentes disponíveis aceitam adotar crianças e adolescente acima dessa essa faixa etária.
A nota técnica avalia ainda que o projeto de lei desvirtua o instituto do acolhimento familiar, preferencial em relação ao institucional e com duração máxima de dois anos. Nesta forma de cuidado, o acolhedor é capacitado para atender, em sua casa, às necessidades da criança até decisão judicial quanto à reintegração à família de origem ou colocação em outra família, substituta.
“Caso aprovado o projeto que aqui se analisa, haverá profusão de inscrições para o acolhimento familiar de bebês e crianças pequenas, para fins de adoção, inviabilizando a colocação em famílias previamente habilitadas no SNA, que aguardam anos para serem chamadas”, alerta a nota técnica. Pelas regras atuais, é possível que o acolhedor do programa efetive a adoção quando obtida a decisão pela colocação em família substituta e se não houver habilitados no SNA para o perfil, evitando burla a fila de espera.
Com a aprovação, a nota técnica será enviada às Presidências do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, à Casa Civil da Presidência da República, ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.
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